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Histórico da Justiça do Trabalho

 

Em busca da Legislação Trabalhista

Instalada em todo o território nacional em 1º de maio de 1941, com a finalidade de solucionar os conflitos trabalhistas entre patrões e empregados, a Justiça do Trabalho nasceu e cresceu ao longo do processo histórico republicano brasileiro. Com a abolição da escravatura, no fim do Império, e a intensificação da utilização da mão de obra livre e assalariada, o país reorientava-se para o desenvolvimento capitalista.

As primeiras décadas do século XX, seguindo o ideário do sistema vigente, foram marcadas pelos avanços da indústria e do comércio e pelas consequências sócio-econômicas a eles inerentes, como a urbanização e a constituição de classes sociais definidas e antagônicas. Os conflitos originados dessa nova relação de produção não encontravam solução na legislação liberal vigente, pois nela não havia sequer esboço de direito social. Exemplo disso foi a Lei de Sindicalização de 1907 que, apesar de definir normas para a constituição de associações profissionais, não contrariava os princípios e interesses liberais.

Nesse contexto, são traçadas as primeiras intervenções para solucionar conflitos advindos das novas relações trabalhistas. Já em 1917, era apresentado ao Parlamento, para discussão, o primeiro projeto de Código de Trabalho, elaborado pelo Deputado Maurício de Lacerda. Tal projeto foi, no entanto, rejeitado. No ano seguinte, foi criada a Comissão de Legislação Social da Câmara dos Deputados, cujo objetivo era a elaboração sistemática de uma legislação do trabalho. Em 1919, como resultado desta iniciativa, foi promulgada a 1ª Lei de Acidentes do Trabalho (regulamentada em 1923).

A rigidez da legislação liberal vigente no início do século sofreria forte abalo a partir de 1920, e não apenas no Brasil. Acontecimentos como a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa transformaram a geopolítica global e repercutiram mesmo nos processos históricos particulares das nações envolvidas ou não nos conflitos. A criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) significou uma nova postura dos países do bloco ocidental em relação às questões ligadas ao trabalho e aos trabalhadores. Nesse sentido deve ser entendido o Tratado de Versalhes, do qual o Brasil foi um dos signatários.

Internamente, o país conhecia suas primeiras grandes manifestações sociais, durante os movimentos grevistas de 1917 e 1919, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal). Ainda predominantemente rural, a economia brasileira deparava-se com as consequências da substituição da mão de obra escrava pela livre, processo iniciado já no século passado. Nascem daí os Tribunais Rurais do Estado de São Paulo, que apesar de não terem funcionado na prática, constituíram o primeiro esforço no sentido da resolução institucional de conflitos trabalhistas.

Assim, as intervenções do Estado na vida econômica brasileira vão paulatinamente abarcando a questão social do trabalho, procurando criar instâncias para a resolução dos conflitos trabalhistas mais agudos ou prementes. Em 1923, através da Lei Eloy Chaves (Decreto nº 4.682), foram criadas as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários, garantindo-lhes estabilidade aos dez anos de serviço. Ainda em 1923, foi instituído o Conselho Nacional do Trabalho (CNT), efetivando os compromissos assumidos pelo Brasil no Tratado de Versalhes. Considerado o embrião do futuro Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o CNT foi concebido como órgão consultivo dos Poderes Públicos, que intermediava e conduzia os debates e os litígios trabalhistas com representantes de patrões e empregados. Em 1926, com a Emenda nº 22 ao artigo 34 da Constituição de 1891, passou a ser atribuição do Congresso Nacional legislar sobre o trabalho (inciso XXVIII) e sobre licenças, aposentadorias e reformas (inciso XXIX). Logo em seguida, foi elaborado o Código de Menores (promulgado em 1927) e regulamentada a Lei de Férias.

Tais regulamentações, entretanto, não significaram um avanço uniforme no sentido da implantação efetiva de uma legislação social, seja por resistências dos litigantes ou por ações tímidas do Estado. Incipientes, os debates e regulamentações não encontravam respaldo legal ou institucional, apresentavam-se esparsos e confusos, e devem ser entendidos como uma fase inicial do processo que culminaria na instauração de uma justiça especializada trabalhista, durante o governo de Getúlio Vargas.

 

A arquitetura da Justiça do Trabalho: do projeto à construção

A partir de 1930, o Estado, comandado por Getúlio Vargas, interveio de forma incisiva na questão social. Centralizando a condução de sua política modernizante da economia nacional em torno do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (criado em 1930), Vargas deu os primeiros passos decisivos para a construção de uma legislação social trabalhista e de uma instância do poder público própria à solução dos conflitos entre patrões e empregados. Nesse período, que vai de 1930 a 1943, foi elaborada toda a estrutura da Justiça do Trabalho e da legislação do trabalho.

Tal estrutura foi articulada pela intervenção em vários setores-chave do problema social, consolidada por um forte apelo nacionalista imbuído de espírito corporativo.

Dessa forma, o governo atuou em várias frentes: na área sindical, criando uma estrutura baseada no sindicato único (Decreto nº 19.770 de 1931), reafirmada pela Constituição de 1937 e pela Lei Sindical de 1939; na área previdenciária, estruturada logo após 1930 a partir da ampliação e reformulação das antigas Caixas de Aposentadorias e Pensões (Decreto nº 20.465 de 1931), transformadas em Institutos de Aposentadorias e Pensões, por categorias específicas, com âmbito nacional; na legislação profissional e de proteção ao trabalhador, regulamentando o trabalho feminino (Decreto nº 21.471 de 1932), a jornada de oito horas para os comerciários (Decreto nº 21.186 de 1932), estendida aos industriários (Decreto nº 21.364 de 1932), criando a Carteira de Trabalho (1932), concedendo férias aos bancários (Decreto nº 23.103 de 1932), entre outros.

Visando à funcionalidade da legislação, foram criadas, em 1932, as Comissões Mistas de Conciliação (Decreto nº 21.369) e as Juntas de Conciliação e Julgamento (Decreto nº 22.132), as primeiras funcionando como órgãos conciliadores em ações coletivas trabalhistas e as segundas para as causas individuais “que não afetem as coletividades a que pertencerem os litigantes”, como reza o texto legal. Ambas eram vinculadas ao Poder Executivo e controladas pelo Ministério do Trabalho e, pelo seu regulamento, só poderiam ser acessadas pelos trabalhadores sindicalizados. Funcionavam como instâncias conciliatórias e paritárias, ou seja:, havia a representação classista na figura dos vogais que representavam empregadores e empregados, indicados pelos sindicatos e eram presididas por um membro escolhido pelo Presidente da República, não necessariamente um bacharel em Direito. Frustrada a conciliação, seguia-se o julgamento das causas, cujas condenações deveriam ser pleiteadas perante a Justiça Comum, além de estarem sujeitas ao crivo do Ministério do Trabalho, que poderia modificá-las ou mesmo cassá-las.

A essas regulamentações seguiram-se outras da mesma natureza, normatizando os órgãos consultivos do Ministério do Trabalho, como o Conselho Nacional do Trabalho e o Departamento Nacional do Trabalho, e versando sobre matéria previdenciária. A Justiça do Trabalho propriamente dita já estava prevista nas Constituições de 1934 (artigo 122) e de 1937 (artigo 139), mas só foi criada em 1939 (Decreto nº 1.237), sendo regulamentada em 1940 (Decreto nº 6.596) e instalada em 1941.

“A Justiça do Trabalho, que declaro instalada neste histórico Primeiro de Maio, tem essa missão. Cumpre-lhe defender de todos os perigos nossa modelar legislação social-trabalhista, aprimorá-la pela jurisprudência coerente e pela retidão e firmeza das sentenças”.(Getúlio Vargas).

Em 1943, foi promulgada a Consolidação das Leis Trabalhistas, que reuniu e ampliou a vasta e dispersa legislação produzida ao longo de duas décadas.

 

A Justiça do Trabalho: competência e estrutura

Com a organização e instalação da Justiça do Trabalho, estavam regulamentadas as relações trabalhistas, cuja administração se dava em três instâncias: as Juntas de Conciliação e Julgamento, os Conselhos Regionais do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho, primeira, segunda e terceira instâncias, respectivamente, de composição paritária, nos moldes das criadas em 1932. As Juntas tinham competência para a solução dos dissídios individuais, dos quais cabiam recursos para as demais instâncias. Os Conselhos Regionais julgavam dissídios coletivos e eram compostos por um presidente, quatro vogais (um dos empregados, um dos empregadores e dois alheios aos interesses profissionais) e seus suplentes, nomeados todos pelo Presidente da República. Pelo mesmo Decreto, criaram-se oito Conselhos Regionais, sendo o da Terceira Região responsável pela jurisdição dos Estados de Minas Gerais e Goiás, com sede em Belo Horizonte. O Conselho Nacional do Trabalho era o órgão máximo da Justiça do Trabalho. Essa estrutura manteve-se intacta até a Constituição de 1946, que a vinculou ao Poder Judiciário da União (artigos 122 e 123, seção VI, capítulo III), dando-lhe competência para a execução de suas condenações e transformando os Conselhos Regionais em Tribunais Regionais do Trabalho e o Conselho Nacional em Tribunal Superior do Trabalho. Esta alteração deixou para a justiça ordinária a competência para julgar os casos relativos a acidentes do trabalho, mas manteve, sob o manto da justiça trabalhista, a competência relacionada à previdência social, até meados da década de 1960.

A Justiça do Trabalho foi concebida como a instância própria para conciliar e julgar os conflitos entre patrões e empregados, oriundos das relações trabalhistas, quando solicitada por uma das partes. Tais conflitos apresentam-se na forma de Dissídios Individuais (quando envolvem um ou mais empregados e uma empresa) ou Dissídios Coletivos (quando envolvem toda uma categoria profissional, seja de empregados ou de empregadores).

A Constituição da República, em seu artigo 114, estabelece: “Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”. Estão fora da competência da Justiça do Trabalho os servidores públicos, uma vez que não são regidos pela CLT. A Constituição atribui ainda à Justiça do Trabalho o poder normativo, isto é: a competência para criar normas jurídicas visando à solução de dissídios coletivos entre trabalhadores e empresas.

A Emenda Constitucional nº 24, de 09 de dezembro de 1999, extinguiu a representação classista na Justiça do Trabalho e instituiu as Varas do Trabalho, cuja jurisdição passou a ser exercida por um juiz singular. Com a mudança, foram alteradas as composições dos Tribunais Regionais e do Tribunal Superior do Trabalho.

Também a Consolidação das Leis do Trabalho sofreu alteração, por meio das leis nº 9.957 e nº 9.958, ambas de 12 de janeiro de 2000. A primeira delas instituiu procedimento sumaríssimo no processo trabalhista, para “dissídios individuais cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo vigente na data do ajuizamento da reclamação”, excluídas as demandas em que a Administração Pública é parte. Tal procedimento determina agilidade na instrução e julgamento das causas e no encaminhamento e apreciação dos recursos.

A segunda lei dispôs sobre as Comissões de Conciliação Prévia de empresas e sindicatos, permitindo a execução de título executivo extrajudicial na Justiça do Trabalho.

Tais mudanças ocorreram ao longo das reformas institucionais promovidas pelo Governo Federal a partir de 1994 e refletiram as transformações sócio-econômicas desenvolvidas na democracia brasileira. Em termos da legislação social e trabalhista, elas estão ligadas a outras transformações recentes, como a regulamentação do contrato temporário de trabalho, as alterações nas leis portuárias e mesmo as questões previdenciárias.

Profunda mudança no Poder Judiciário veio a ser implementada com a Emenda Constitucional nº 45/2004, especialmente no que tange à Justiça do Trabalho, que teve ampliada a sua competência. O art. 114 da Constituição passou a ter a seguinte redação:

“Art. 114 – Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I,a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem com as convencionadas anteriormente.

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.”

A estrutura judiciária criada para a tramitação dos processos trabalhistas, de âmbito federal, é composta por três instâncias:

Primeira Instância: Varas do Trabalho, cuja função primordial é julgar os dissídios individuais, passando a deter competência, também, para processar e julgar litígios que antes eram da competência originária dos Tribunais Regionais, a exemplo dos mandados de segurança, além de lhe ser atribuída a execução dos executivos fiscais, decorrentes das contribuições previdenciárias e penalidades administrativas. Têm jurisdição sobre um ou mais municípios.

Segunda Instância: Tribunais Regionais do Trabalho, que julgam recursos interpostos pelas partes contra decisões das Varas, além das ações originárias da segunda instância, como os dissídios coletivos de categorias organizadas regionalmente, com jurisdição sobre um ou mais Estados, definida em lei.

Terceira Instância: Tribunal Superior do Trabalho, cuja competência é julgar recursos de revista, recursos ordinários e agravos de instrumento contra decisões dos TRTs, além de dissídios coletivos de categorias organizadas nacionalmente. Sediado em Brasília (DF), atua sobre todo o território nacional. Com a Emenda Constitucional nº 45, o TST restabeleceu sua composição de 27 ministros, togados e vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal, dos quais 21 escolhidos dentre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, 3 dentre advogados e 3 dentre membros do Ministério Público do Trabalho, considerando que, pela EC 24/1999, que extinguiu a representação classista, este número havia sido reduzido para 17 ministros.

 

A Justiça do Trabalho em Minas Gerais

O Conselho Regional do Trabalho foi instalado em Minas Gerais em primeiro de maio de 1941, com sessão solene realizada na sede da Sociedade Mineira de Engenheiros, presidida pelo Delegado Regional do Trabalho João Fleury Filho, e contou com a presença de representantes do então governador Benedito Valladares, do prefeito de Belo Horizonte Juscelino Kubitschek, entre outras autoridades. O presidente do Conselho Delfim Moreira Júnior, empossado na véspera, discursou ressaltando que: “... o objetivo que nos anima é o de velar pelo bem-estar coletivo, exercendo salutar profilaxia social ao garantirmos empregados e empregadores contra abusos de parte a parte”. Foram criadas então três Juntas de Conciliação e Julgamento, duas em Belo Horizonte e uma em Goiânia.

Em 1946, a Constituição vinculou a Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, transformando o Conselho Regional em Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, sendo esta a única alteração significativa na estrutura do órgão que, em 1960, passou a ter sob sua jurisdição o recém-criado Distrito Federal. Essa situação perdurou até 1981, quando então foi criada a 10ª Região, desmembrando da 3ª Região a jurisdição de Goiás e Brasília.

Em 1941, o Conselho Regional do Trabalho da 3ª Região compunha-se apenas do presidente e de quatro vogais (um representante dos empregados, um dos empregadores e dois alheios aos interesses profissionais), funcionando como um tribunal pleno. As duas Juntas de Conciliação e Julgamento criadas inicialmente em Belo Horizonte foram aumentadas para as atuais 158 Varas do Trabalho e (48 na capital e 110 no interior, sendo 2 Postos Avançados (em Aimorés e Pium-í).

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