Acervo do TRT ajuda a contar a história de conquistas trabalhistas nos anos 40
Quando decidiu iniciar seu mestrado em história, em 2014, Jôse Augusta Barbosa dos Santos, bacharel em direito e pós-graduada em processo do trabalho, estava interessada em trabalhar sob uma nova perspectiva que aproximasse a história de outras disciplinas, como o direito. Para isso, ela resolveu abordar o papel da Justiça do Trabalho e da CLT nas lutas, reivindicações e conquistas dos trabalhadores entre 1941 e 1946.
Foi aprovada em primeiro lugar para o mestrado da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Na dissertação com o título "Diante do Tribunal: trabalhadores do Brasil e a Justiça do Trabalho (1941 a 1946)", a então mestranda propôs-se a desmitificar a historiografia tradicional e a apresentar os trabalhadores dos anos 40 como sujeitos ativos de sua história, ao lutar e conquistar direitos.
No último dia 20 de maio, a estudante foi muito elogiada ao apresentar sua dissertação de mestrado, que acabou sendo aprovada com louvor pela banca. Fundamental importância para a realização desse trabalho teve o acervo histórico com processos da época mantido pelo Centro de Memória do TRT-3.
Ao procurar fontes para sua dissertação, Jôse Santos encontrou com Maria Aparecida Carvalhais, servidora responsável pelo Centro de Memória, que a ajudou a desenvolver o projeto. Essa ajuda rendeu à servidora um agradecimento com especial destaque na redação do trabalho: "pela busca incessante das minhas fontes e também pela amizade, disposição (...), sem se esquecer dos dias que ficamos além do horário de trabalho". O agradecimento também é dirigido ao conjunto dos servidores do Centro de Memória. A dissertação ainda salienta que a busca foi facilitada devido ao fato de que o acervo já se encontrava quase totalmente digitalizado.
O trabalho realizado por Jôse Santos mostra o contexto que deu origem à Justiça do Trabalho, instalada no dia 1º de maio de 1941 e inicialmente subordinada ao Ministério do Trabalho Indústria e Comércio.
No início dos anos 1900, a jornada de trabalho era de doze a dezesseis horas diárias, não existia descanso semanal, os salários eram ínfimos, o espaço fabril insalubre, a segurança era precária, e os trabalhadores sofriam violência física. Essa situação também abarcava crianças. Qualquer reivindicação proveniente do operário era considerada caso de polícia.
A dissertação relata exemplos de luta e organização da classe trabalhadora no estado, prévios ao surgimento da Justiça do Trabalho, como a assembleia de fundação da Liga Operária, basicamente de tendência anarquista, em 1900, com a participação de 700 operários, o Congresso Operário Mineiro e a Confederação Auxiliadora dos Operários do Estado de Minas Gerais, em 1907. A dissertação cita também a primeira grande greve de Belo Horizonte, que teve a participação de 40% do total de trabalhadores da capital mineira, defendendo jornada de 8 horas, salário mínimo digno e melhores condições de trabalho. Esse movimento terminou com a reunião de uma corte arbitral que formalizou a jornada reivindicada, direito que, entretanto, deixou de ser respeitado pela patronal.
De acordo com diversas fontes da pesquisa realizada, a arena judiciária passou a constituir um espaço narrativo de direitos da classe trabalhadora. A autora concebe a atuação da instituição como um " 'locus' de negociações, mas também de conflitos, de tensões e de acordos". Para ela, havia uma distância entre o país legal e o país real trabalhista.
Naquela época, a Justiça do Trabalho só atendia quem tivesse carteira de trabalho e profissão reconhecida pelo Estado, voltando-se prioritariamente para o trabalhador assalariado e sindicalizado, não abarcando os rurais, os autônomos e os domésticos. Cabe lembrar que, na época, dois terços da população brasileira vivia na área rural.
O trabalho de conclusão de mestrado aponta que a nova legislação trabalhista dos anos 40 contrariava a concepção liberal do início do século XX, na qual se defendiam contratos livremente realizados entre patrão e empregado, partindo da ideia de uma suposta situação jurídica igualitária que existia apenas na aparência. Para os defensores do liberalismo, o Estado jamais poderia intervir em questões privadas.
No capítulo IV da dissertação, último antes das considerações finais, são apresentadas ações impetradas por empregados da Companhia Força e Luz de Minas Gerais, que era responsável pelo bondes de Belo Horizonte, e por trabalhadores da construção civil. O trabalho abarca o período entre 1941 e 1946, quando a Justiça do Trabalho ainda era instituição do Poder Executivo. Ela passou a ser parte do Poder Judiciário com a entrada em vigor da Constituição de 1946, no dia 9 de setembro daquele ano, época em que Getúlio Vargas não mais governava o país.
As considerações finais atêm-se à ideia de que a Justiça do Trabalho promoveu grandes conquistas na vida dos trabalhadores do Brasil. Jôse Santos apresenta como objetivo de sua pesquisa "analisar os mecanismos utilizados pela classe trabalhadora para (re)interpretar e (re)formular as normas do direito do trabalho e a Justiça do Trabalho como uma arena de luta e de conquista dos trabalhadores, 'locus' legal para dirimir os conflitos entre capital e trabalho". Os dissídios da época pesquisada demonstram, na visão da autora, que o trabalhador dos anos 40 era vigoroso, independente e politizado. (David Landau)