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Excesso de cobranças dos trabalhadores e banalização dos diagnósticos são criticados por especialistas em saúde mental

publicado: 02/06/2011 às 12h36 | modificado: 02/06/2011 às 15h36

Começou hoje, na Escola Superior Dom Helder Câmara, em Belo Horizonte, o II Ciclo de Estudos Sobre Trabalho e Saúde Mental, que debate, a partir de casos concretos, a doença mental do trabalhador e as questões relativas a ela, abordadas no processo trabalhista.

Na abertura dos trabalhos, o desembargador César Machado, diretor da Escola Judicial do TRT-MG, promotora do ciclo de estudos juntamente com o Núcleo de Investigação e Estudo em Psicanálise e Psiquiatria Judiciária-NIEP-J, em parceria com Escola Superior Dom Helder Câmara, destacou a preocupação da Escola com o tema "saúde mental e trabalho", cujo debate é importante na formação inicial e na formação continuada de juízes, "uma vez que a cada dia está mais presente nos processos judiciais trabalhistas e extrapola a formação acadêmica de um magistrado".

Excesso de cobranças dos trabalhadores e banalização dos diagnósticos são criticados por especialistas em saúde mental (imagem 1)
Judith Euchares Ricardo de Albuquerque, ministra Maria de Assis Calsing, desembargador César Machado, professor Estevão D'Ávila Freitas e René Fiori

Na primeira palestra do dia, a ministra Maria de Assis Calsing, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), baseada em dados principalmente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Instituto Nacional da Seguridade, procurou mostrar o quadro alarmante do acometimento de doença mental no mundo e no Brasil, bem como a jurisprudência da Corte Superior Trabalhista em relação aos pedidos de indenizações por doença mental relacionada ao trabalho; ao afastamento da prescrição em caso de sentença de interdição posterior à dispensa, bem como do direito à reintegração ao trabalho nesta hipótese.

Segundo a estatística apresentada pela Ministra, as dores nas costas respondem por 28% dos casos de afastamento do trabalho no Brasil, porque as costas são o ponto de choque do estresse, ansiedade e tensão, que são espécies de depressão, que, por sua vez, é um dos transtornos do humor, que aparece no quarto lugar das referidas causas.

Sobre o exame dos recursos de revistas pelo TST, ela pontuou que os fatos devem estar bem delineados nos acórdãos recorridos para que a questão possa ser bem apreciada, já que tal recurso tem natureza extraordinária, não cabendo o revolvimento da matéria probatória.

Ainda segunda a Ministra, apenas 2,4% dos postos de trabalho da "Lei de Quotas", destinadas aos deficientes (inclusive mentais) são ocupados no Brasil, e que, segundo pesquisa divulgada pela Anamatra, 41,5% dos magistrados entrevistados declararam ter diagnóstico de doença provocada por estresse, evidenciando que o adoecimento mental é grave no próprio meio Judiciário.

Ainda nesta manhã, a psicóloga-psicanalista Judith Euchares Ricardo de Albuquerque, responsável pelo Centro de Direito e Psicanálise da Escola Judicial do TRT-MG e coordenadora do Núcleo de Investigação e Estudos em Psicanálise e Psiquiatria Judiciária - NIEP-J, falou sobre "a entrada da doença mental nos processos judiciais trabalhistas e seu efeito desestabilizador", e a compatibilidade da ideologia gerencial de hoje com o sujeito trabalhador foi questionada na palestra do psicanalista francês René Fiori, Fundador e atual presidente adjunto da Association Souffrances au Travail (SAT), membro do Envers de Paris, do Bureau e do comitê científico da Association Intervalle CAP (Consultations-Acccueils Psychanalytiques), e criador da Radio-a (www.radio-a.com/).

Para Judith, "os diagnósticos estão sendo banalizados, a depressão está sendo generalizada, com conceito vago". Ainda de acordo com ela, esses diagnósticos não contemplam a subjetividade, e a particularidade de cada um está sendo perdida, o sujeito não está sendo ouvido. Ele é classificado no Código Internacional de doença - CID e acaba se identificando nessa classificação. O resultado disso é que "a doença mental assumiu o lugar da LER - Lesão por Esforços Repetitivos. Se 41,5% dos juízes estivessem com depressão, a Justiça estaria parada", sentencia ela, para mostrar que os métodos são equivocados e que a tristeza, o sofrimento, a angústia que todos nós sentimos diante de determinadas circunstâncias da vida são considerados, equivocadamente, de doença mental.

Ainda segundo a psicanalista-psicóloga, as causas de pedir, nas ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes de doença mental, não seriam as doenças, mas sim as exigências excessivas de cumprimento de metas, de elevadíssima produtividade, a exagerada cobrança.

René Fiori, por sua vez, traduzido por Vera Bernardes e Maria de Lourdes Mourão, asseverou que os grandes grupos de trabalho são organizados para produzir o melhor produto numa situação de concorrência muito forte, o que, para ele, é normal, mas hoje a organização do trabalho é uma ideologia, chamada de ideologia empresarial. "Essa ideologia", de acordo com René, "é científica, quer dizer, não é uma ciência, é um mimetismo da ciência". Esclarece ele que é uma ideologia porque se quer aplicá-la em toda parte, para todo mundo, mas não é o saber técnico que é o objetivo dessa ideologia. É, sim, o comportamento, a linguagem, a conduta. E isso aniquila a subjetividade do trabalhador.

Excesso de cobranças dos trabalhadores e banalização dos diagnósticos são criticados por especialistas em saúde mental (imagem 2)

Os trabalhos da manhã foram encerrados com debate sobre todos os temas abordados. E os estudos prosseguem a partir das 14h, com palestras sobre suicídio e mesa redonda com a participação dos juízes Antônio Gomes de Vasconcelos e Clarice Santos Castro, bem como do desembargador Marcelo Lamego Pertence, sob coordenação do Psiquiatra e Psicanalista Henri Kaufmanner. E o encerramento será com mais um debate, no final da tarde. (Walter Sales)

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