Justiça do Trabalho é uma invenção da democracia, diz conferencista
Na conferência do professor Jorge Ferreira, sobre o tema A Era dos Direitos: Estado, Trabalhadores e Cidadania Social no Brasil (1930-1945 ), proferida nesta sexta-feira, dia 13, na sede do TRT-MG, em comemoração dos 70 anos da Justiça do Trabalho, com o bom jeito de um contador de histórias, o conferencista mostrou como eram as condições dos trabalhadores na Primeira República, e como eles receberam bem os direitos sociais reconhecidos pelo Estado de 1931 a 1934. Revelou, ainda, o historiador, como esse fato foi usado com o intuito de dar legitimidade à ditadura implantada em 1937, mediante pregação de que cidadania não é política, e sim social, de nada adiantando votar sem ter férias, descanso semanal remunerado etc., e destacou a importância da Justiça do Trabalho, fundamental na defesa dos direitos dos trabalhadores.
Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo, Jorge Ferreira destacou dois atores da Primeira República, que vai até 1930: os trabalhadores e os intelectuais. Naquele tempo, segundo ele, o Estado não reconhecia os trabalhadores. Não havia relação entre cidadania (que num conceito amplo envolve direitos civis, políticos e sociais) e trabalho. Era trabalhador exatamente porque não tinha direitos. O trabalhador trabalhava não era para melhorar de vida, mas porque era pobre. Não havia nenhuma lei social. A relação era direta entre o trabalhador e o patrão. As jornadas eram de 12 horas para homens e 10 para mulheres, e crianças trabalhavam a partir dos cinco anos de idade. Não havia descanso. Os Comerciários de Juiz de Fora lutaram 30 anos para não trabalharem a partir das 14 horas de domingos. Fizeram seis grandes greves e não conseguiram. Havia também a necessidade de suplantar a herança da escravidão, em cuja época o trabalho era coisa negativa, coisa de escravo. Era preciso criar uma imagem positiva do trabalho.
Segundo o historiador, os intelectuais do mundo inteiro, sobretudo com a 1ª Guerra Mundial, começam a questionar o liberalismo, o desajuste entre os setores público e privado. No Brasil, as oligarquias rurais dominavam o Poder Público. Não havia Poder Judiciário independente. Na década de 20, os intelectuais defendem o fortalecimento do Poder Público.
Com a Revolução de 1930, um novo grupo político assume o poder no Brasil, e adota postura reformista, afinado com os intelectuais, ou seja, com o pensamento moderno da época. Defendia o aumento da capacidade do Estado (Estatismo), a intervenção do Estado como regulador das relações sociais e o reconhecimento político e social dos trabalhadores. Jorge Ferreira esclarece que esse reformismo era uma tendência mundial, já que não se concebia a construção de uma nação forte, desenvolvida, sem nenhuma espécie de proteção social, com jornadas de trabalho de 12 horas, sem acesso à saúde, à educação. Reconhecendo isso, os Estados Nacionais começam a assegurar direitos aos trabalhadores. A Alemanha edita as primeiras leis sociais; no México (1911-1917), houve profunda e verdadeira reforma agrária, os camponeses passam a ter acesso à terra e os trabalhadores urbanos a direitos sociais; na Turquia (1922), o poder do Estado é aumentado, cria-se a Justiça Civil, os direitos das mulheres são equiparados aos dos homens; na União Soviética, foi instituída a previdência social de base e construídas habitações populares; nos Estados Unidos, foram garantidos direitos sociais e criadas empresas estatais, e, na Argentina, os direitos sociais chegaram na era Perón.
No Brasil, conta o conferencista que o primeiro ato de Getúlio Vargas foi criar o Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio. A promulgação da maioria das leis que garantiram direitos sociais ainda hoje existentes (1931-1934), causou grande impacto na vida dos trabalhadores. Veio ainda o Ministério da Educação e Saúde. Foi criado o sistema de saúde pública, numa rede que chegava ao interior. Nas capitais, foram erguidos grandes hospitais, e criado um sistema de educação primário, com acesso a todos.
Ainda de acordo com o historiador, os empresários reagiram às mudanças de forma extremamente negativa, afirmando que não iam cumprir as leis. Defendia-se que as fábricas é que levariam os benefícios aos trabalhadores. E nesse contexto foi que surgiu a Justiça do Trabalho, nitidamente para "enquadrar" o empresariado, pois se não fosse assim, entende Jorge Ferreira que as leis não teriam sido cumpridas. Os trabalhadores, por seu turno, começaram a descobrir que tinham direitos e a saber que tinham a quem recorrer para que fossem cumpridos.
O professor falou de entrevistas que narraram a atuação do juiz no sentido de dar tratamento diferente aos desiguais, e de mostrar que a necessidade de observar os direitos trabalhistas foi assimilada, aos poucos, pelos empregadores. E contou a história do líder pescador Jacaré, para mostrar como o trabalhador simples pode não se sujeitar a uma situação nefasta imposta a si a seus semelhantes, travando uma luta por justiça.
Como tudo nem é só bom ou ruim, Jorge Ferreira apontou os males e o que houve de moderno e positivo no Estado Novo. Exemplos dos primeiros são a suspensão dos direitos civis e políticos e a propaganda oficial de exaltação a Vargas. Como positivos, a fundação do Moderno Estado Brasileiro, com a admissão no serviço público mediante concurso e a criação de planos de carreira; a instituição da ideia de patrimônio público mediante criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; a ideia de preservação da natureza exuberante, por meio da criação de parques nacionais; a fundação da Companhia Siderúrgica Nacional, da Companhia Vale do Rio doce; a criação de restaurantes públicos, inclusive com biblioteca e discoteca, e a iniciação do processo de nacionalização da cultura, com o reconhecimento do samba e da capoeira.
O conferencista falou também sobre a lei de sindicalização, de 1931, que, no seu entender, tem o acolhimento dos trabalhadores, já que passou incólume pelas Constituições de 1934, 1937, 1945 e 1988, e pelos regimes políticos desse largo tempo.
Ao final, Jorge Ferreira alertou que os direitos são conquistas da sociedade. Para ele, não há direitos crescentes, pois acontecem retrocessos. A sociedade inventou a Constituição de 1988, o Juizado de Pequenas Causas, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei Maria da Penha, a Lei Ficha Limpa. "E Justiça do Trabalho foi uma dessas invenções democráticas, imprescindível na defesa, sobretudo, dos direitos sociais", completou ele.
Fotos: Leonardo Andrade |
O desembargador Eduardo Augusto Lobato, presidente do TRT-MG e do ato comemorativo, agradeceu a Escola Judicial, promotora do evento, reiterando os parabéns pela escolha do palestrante. Disse ele que essas comemorações são valiosas, pois mostram à sociedade a importância da Justiça do Trabalho. E reafirmou que "riqueza só se constrói com trabalho digno". Disse, por fim, estar convencido de que estamos caminhando para uma sociedade justa, "com a Justiça do Trabalho garantindo os direitos sociais dos nossos trabalhadores".
Presentes, os desembargadores César Machado, diretor da Escola Judicial, Cleube de Freitas Pereira, vice-presidente administrativo, e Maria Lúcia Cardoso de Magalhães; o juiz presidente da Amatra3, João Bosco de Barcelos Coura; a juíza Maria Cristina Diniz Caixeta, titular da 7ª Vara do Trabalho de BH, presidente do Fórum Nacional Permanente em Defesa da Memória da Justiça do Trabalho (Memojutra), conselheira da Escola Judicial do TRT e do Conselho Nacional de Arquivos - CONARQ, magistrados, servidores, advogados e estudantes.(Walter Sales)