Crítica à superficialidade com que são abordados os problemas marca o início do Congresso Processual do Trabalho
O Congresso de Direito Processual do Trabalho promovido pela Escola Judicial do TRT-MG iniciou em torno das 20h30 dessa quinta-feira, 24 de outubro, no Hotel Providência, em Mariana-MG. A mesa de honra da abertura foi formada pelos desembargadores Luiz Otávio Linhares Renault, diretor da Escola Judicial do TRT, na ocasião representando a presidente do Tribunal, Deoclecia Amorelli Dias, Bolívar Viégas Peixoto, corregedor do TRT, José Eduardo Chaves Júnior e Ronan Koury; das juízas Jacqueline Prado Casagrande, presidente da Amatra3, e Graça Maria Borges de Freitas, coordenadora acadêmica da Escola Judicial, e do professor Dierle José Coelho Nunes, que proferiu a primeira conferência do congresso - "Acesso à Justiça Democrática".
Coelho Nunes, leciona na UFMG, possui mestrado e doutorado pela PUC-Minas, onde também leciona, e doutorado pela Universitá degli Studi di Roma "La Sapienza" .
O professor iniciou a sua fala lembrando das conclusões a que chegou a jornalista e filósofa alemã Hannah Arendt, ao cobrir - na década de 60 - o julgamento do ex-funcionário do regime nazista alemão Adolf Eichmann. Na época, Arendt atribuiu o histórico cruel do nazista ao fato de ele ter adotado uma postura passiva e irrefletida de simplesmente cumprir ordens. O resgate dessa ideia, que exemplifica a atitude de muitos outros alemães na época de Hittler, levou o conferencista a fazer uma comparação com o contexto atual que ele denominou "época da superficialidade". O termo se refere à situação em que uma série de pessoas são cooptadas por um sistema e o reproduzem, sem fazer sequer uma reflexão. Segundo o docente, essa cooptação não ocorre com quem é radical, ou seja, com quem faz uma reflexão profunda que vai à raiz dos problemas. Em outras palavras, ele explicou: "o mal é extremo, mas não é radical, o bem é radical".
Tal reflexão inicial deu base a todo um raciocínio através do qual Coelho Nunes criticou aqueles que, no Poder Judiciário, ao repetir premissas superficiais que ao longo do tempo foram sendo absorvidas como naturais, deixam de ir às verdadeiras causas dos problemas que esse poder vive atualmente. Por outro lado, numa análise mais geral do país, ele falou do papel negativo que tem o mito do brasileiro como "homem cordial" - "gente boa", avesso ao conflito - elaborado pelo antropólogo Gilberto Freyre. Essa ideia leva a um social-conformismo, ou seja, a fazer uma apologia da atitude passiva. Por outro lado, sendo impossível esconder a existência inevitável do conflito, a tendência é atribuí-lo sempre ao outro.
Especificamente sobre o Poder Judiciário, Coelho Nunes citou dados que indicam haver 93 milhões de processos no Brasil, 10 milhões a mais do que há quatro anos atrás. Ele apontou, como uma das causas dessa sobrecarga, a ineficiência dos poderes executivo e legislativo, que repassam demandas políticas e sociais que deveriam ser de sua alçada para o âmbito da Justiça. Isso, segundo o professor, não acontece porque o Judiciário funciona melhor que os outros poderes, mas porque não pode deixar de acolher as demandas que chegam a ele. Além disso, também falou de um contexto histórico em que, após a Segunda Guerra Mundial, demandas sociais passaram internacionalmente para a esfera do judiciário.
As saídas adotadas hoje para tentar resolver o acúmulo de processos - a consequência do problema - consistem em aumentar o poder dos tribunais superiores e do Supremo e em valorizar uma jurisprudência erroneamente estabelecida a partir da última decisão judicial. Gera-se uma cultura de reproduzir decisões de forma quase automática. Esta opção é criticada pelo conferencista, pois acaba com a autonomia da primeira e da segunda instâncias para analisar as situações singulares e as suas complexidades. Segundo ele, a busca de uma produtividade que pretende dar vazão à quantidade de processos, prejudicando a qualidade, está afinada com o paradigma do Consenso de Washington, estabelecido na década de 90. Para o professor, a Justiça acaba reproduzindo pensamentos de setores hegemônicos da economia, embora faça isso sem perceber, sem má intenção.
A reflexão apresentada pela palestra expõe o fato de que, ao mesmo tempo em que a Justiça se depara com grande número de processos, um terço da população brasileira está em situação de miserabilidade, não acessa a justiça e não tem, sequer, uma cultura cidadã para ir atrás de seus direitos. Com isso, Coelho Nunes aponta que estamos defasados em relação a recomendações feitas por pesquisas publicadas na década de 70. Se em nível formal, os direitos apontados pela Constituição colocam uma perspectiva de superação desse contexto, na realidade essas garantias constitucionais não são implementadas.
Ao concluir sua palestra, Coelho Nunes defende que é necessário um diálogo interinstitucional para que os poderes, juntos, encontrem soluções para a defesa da cidadania e para a solução de problemas sociais. Muitas questões podem ser resolvidas sem a necessidade do processo judicial. O conferencista acredita que é possível superar a realidade atual e apontou vários exemplos históricos de como tem havido avanços sociais no Brasil e no mundo. No final, ele disse: "Nós não podemos ser superficiais como Adolf Eichmann", e acrescentou: "Eu peço a todos para, em alguma medida, serem profundos". (De Mariana, David Landau/fotos: Augusto Ferreira)