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Desembargador esclarece dúvidas sobre PEC das domésticas

publicado: 10/04/2013 às 11h26 | modificado: 10/04/2013 às 14h26

Em vigor deste o último dia 27, a Emenda Constitucional que garante novos direitos trabalhistas aos empregados domésticos, continua provocando polêmica e despertando dúvidas. Entre os itens aprovados estão: a jornada máxima de 8 horas, o limite de 44 horas semanais de trabalho e o intervalo de, no mínimo, 11 horas entre uma jornada e outra; o pagamento de horas extras com adicional de, no mínimo, 50% sobre o valor do salário-hora normal, bem como de adicional noturno (20%) sobre o tempo de trabalho prestado entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte. Em resumo, a PEC equipara os direitos dos trabalhadores domésticos aos dos demais empregados, assegurando-lhes direitos não contemplados na Constituição Federal de 1988.

O desembargador Fernando Rios Neto, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que participou da Comissão Especial da Igualdade de Direitos que tratou da PEC no Congresso Nacional, explica como serão as novas regras e fala sobre os efeitos que a PEC pode gerar no mercado de trabalho.

Desembargador esclarece dúvidas sobre PEC das domésticas (imagem 1)
Desembargador Fernando Rios Neto na Comissão Especial da Igualdade de Direitos

Além da carteira assinada, o empregador terá que fazer um contrato de trabalho com a empregada doméstica?

O contrato de trabalho pode ser tácito ou expresso, sendo dispensável, portanto, a forma escrita. Para as empregadas que já estavam trabalhando antes de 3/04/2013, seria incoerente fazer um contrato escrito agora, pois o contrato já existia. O que pode ser feito a partir de então é um acordo que contenha pontos específicos relacionados com as novidades trazidas pela emenda constitucional, como, por exemplo, estabelecendo a jornada de trabalho a ser cumprida doravante, inclusive com a possibilidade do ajuste da compensação semanal de horas.

Se o empregado ou empregada dorme na casa, ele tem direito a horas extras?

A circunstância de o empregado doméstico dormir na casa em que trabalha não configura, por si, a sobrejornada e o conseguente direito de receber as horas extras. Vale dizer que, desde que não haja exigência de trabalho após a jornada normal, não haverá horas extras. Cumpre observar que, na jornada, inclui-se o tempo à disposição ou aguardando ordens, de modo que o tempo de trabalho na residência deve ser definido como sendo exclusivamente o tempo à disposição do empregador, e depois dele há que se assegurar a liberdade do empregado para fazer o que quiser. Caso haja a possibilidade ou o hábito de chamar o empregado a qualquer momento, fora da jornada normal, para execução de tarefas, corre-se o risco de caracterização das chamadas horas de sobreaviso ou de prontidão, com aplicação analógica do art. 244, §§ 2º e 3º, da CLT, com o pagamento do referido sobretempo às razões de 1/3 do salário-hora normal ou de 2/3 do salário-hora normal, respectivamente.

Como controlar as horas extras e o horário de entrada, intervalo e saída do empregado doméstico?

A emenda constitucional que vem a lume determina somente o regime de duração de trabalho em igualdade com os demais empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Desse modo, aplica-se a prescrição contida no § 2º do art. 74 da Consolidação, que somente exige o controle manual, mecânico ou eletrônico de horários nos estabelecimentos que tenham mais de 10 (dez) empregados. Sendo assim, considero inexigível do empregador doméstico (a menos que tenha mais de dez empregados na residência) que mantenha o controle rígido de horário de trabalho do empregado doméstico. Quanto ao quadro de horário, trata-se de documento específico das empresas, para verificação e fiscalização, o que também não se mostra adequado às residências, mas nada custa que seja estabelecido por escrito, com a ciência do empregado (assinatura), a delimitação dos horários que devem ser cumpridos na semana, inclusive com compensação semanal (se for o caso) e com a pré-assinalação do intervalo.

O cuidador de idoso, por exemplo, se ele for enfermeiro ou fisioterapeuta e trabalha como empregado doméstico, como a carteira dele deve ser assinada e em qual categoria ele entra no caso das convenções coletivas?

É empregado doméstico da mesma forma, pois a caracterização nessa categoria independe da função exercida e do grau de escolaridade ou de profissionalização. Empregado doméstico será todo profissional que trabalha para pessoa ou família, de forma contínua, na residência e em atividade não-lucrativa, com remuneração. Portanto, a convenção coletiva aplicável será a que for celebrada pelos respectivos sindicatos de empregadores e de empregados domésticos. Não são aplicáveis ao caso as convenções coletivas de enfermeiros e/ou fisioterapeutas celebradas com os hospitais e casas de saúde, que não obrigam os empregadores domésticos que tenham tais profissionais como prestadores de serviços em suas residências.

Se a empregada ou a babá viajar com a família, isso implicará o pagamento de horas extras?

Em tese, somente se extrapolada a jornada normal de trabalho no curso da viagem. Dessa forma, o exame há de ser feito caso a caso, devendo o empregador evitar esse tipo de serviço, tendo em vista que pode ser entendido como tempo em que a empregada ficou inteiramente à disposição do empregador durante todo o tempo de duração da viagem, e neste caso haverá horas extras. Pode ocorrer também de a empregada trabalhar somente no tempo normal de duração da jornada, mas entender-se que no tempo excedente ela tenha permanecido de prontidão, dada a limitação da sua liberdade e a possibilidade de lhe ser determinada a qualquer momento a execução de alguma tarefa, daí aplicar-se por analogia o art. 244, § 3º, da CLT, com o pagamento devido de 2/3 do salário-hora normal.

Em caso de falta ou atraso, a patroa pode descontar no salário ou nas horas extras?

A compensação com as horas extras não pode ocorrer, porquanto as situações são distintas e as respectivas remunerações devem ser especificadas de forma destacada. Mas o desconto no pagamento do salário em valor correspondente às horas normais de trabalho pode ser procedido.

A patroa pode adotar o mesmo sistema de banco de horas e dar folga em vez de pagar hora extra?

O chamado "banco de horas" é uma forma de compensação de horas de trabalho a mais com reduções correspondentes ou folgas, dentro de um determinado espaço de tempo que pode ser mensal até anual, mas ele depende de autorização prevista em norma coletiva. Assim, enquanto não houver a vigência de convenção coletiva de trabalho referente aos empregados domésticos, que autoriza esse sistema de compensação, não cabe falar em "banco de horas" para esta categoria profissional, somente podendo ser utilizada a compensação dentro da semana, que exige o acordo individual escrito (acordo direto e expresso entre as partes).

Como a empregada deve fazer seu intervalo para almoço? Ela deve marcar o horário no livro de ponto?

No horário combinado para a fruição do intervalo intrajornada destinado ao almoço e descanso, que deve ser pré-assinalado, mas não havendo obrigatoriedade do respectivo registro diário ou anotação no ponto. Se a jornada for de duração inferior a quatro horas, não há obrigatoriedade de intervalo; se for de duração superior a quatro horas até seis horas, o intervalo obrigatório é de 15 (quinze) minutos; e se a jornada for de duração superior a seis horas (de sete horas para mais), o intervalo mínimo obrigatório será com uma hora de duração (art. 71 da CLT).

Há um limite do número de horas extras?

Sim. De acordo com o art. 59 da CLT, as horas extras devem ser limitadas a duas por dia, salvo necessidade imperiosa ou força maior (art. 61 da CLT).

Se os patrões viajam e a empregada fica sozinha, como controlar a permanência dela no emprego e se ela fez horas extras?

Não há como controlar. Entende-se que ela cumpriu a jornada normal, a menos que evidenciada alguma incumbência destinada a ela fora da jornada normal. Neste caso, há que se estimar as horas extras a serem pagas.

Quanto à licença-maternidade, o que muda?

Nada mudou quanto a este direito, que já existia, sendo de 120 dias (art. 7º, item XVIII, da Constituição).

O cuidador de idoso que trabalha de segunda a sexta e dorme no emprego tem direito ao adicional noturno?

Se dorme à noite, não tem direito ao adicional noturno, mas se trabalha no período situado entre 22:00 horas de um dia e 5:00 horas do dia seguinte, tem direito ao adicional noturno (art. 73 e parágrafos, da CLT).

Se a patroa dispensa o trabalho da empregada nos sábados e domingos, ela pode exigir a compensação durante a semana para somar 44 horas?

Exigir, não pode, mas as partes podem fazer um acordo individual escrito de compensação semanal de jornada, como já indicado.

Se o empregado trabalhou apenas quinze minutos a mais, por exemplo, conta como hora extra cheia?

Não, contam-se as horas ou frações trabalhadas além da jornada. Neste caso, paga-se 15 minutos como extras.

A patroa pode descontar no salário da empregada as despesas com alimentação, transporte e produtos de higiene?

Por regra, não pode. Quanto ao transporte, a lei do vale-transporte é aplicável e o empregador pode descontar o percentual de 6% do salário básico do empregado, suportando somente o que exceder disso (parágrafo único do art. 4º da Lei nº 7.418/85). Quanto à alimentação, deve ser fornecida sem possibilidade de ser descontada, mas também não configura salário in natura por entender-se que é dada para o trabalho. Já o fornecimento dos produtos de higiene pessoal deve ser considerado como parcela de salário in natura , na forma da lei, a menos que se demonstre a absoluta necessidade para o trabalho, o que se mostra de pouca aceitabilidade.

Menores de 18 anos podem ser contratados como empregado doméstico?

Sim, entre 16 e 18 anos de idade, exceto em trabalho noturno, perigoso ou insalubre. Como não há classificação de trabalho doméstico como insalubre ou perigoso, tem-se por enquanto que deve ser evitado para menores na função de cozinheiro, pois em geral lida com fogo proveniente de combustível inflamável ou eletricidade e com instrumentos cortantes (facas).

A patroa é obrigada a pagar auxílio-creche?

Ainda não, pois o direito depende de regulamentação legal para os empregados domésticos.

Quando o empregador é obrigado a pagar o salário-família?

O direito depende ainda de regulamentação legal para o empregador doméstico, pois trata-se de benefício de natureza previdenciária, de obrigação direta do empregador, que por enquanto somente recolhe a contribuição normal na GPS.

A empregada doméstica terá direito ao seguro contra acidente de trabalho, e como vai funcionar? Por exemplo, se a empregada sofrer um corte ao manusear uma faca, que tipo de indenização ela recebe?

O empregado doméstico ainda não tem a proteção acidentária, sendo necessária a regulamentação legal a respeito, inclusive do seguro, como está na emenda constitucional.

Como fica a indenização em caso de dispensa do empregado?

Por enquanto, fica da mesma forma em que estava, considerando exigível o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, mas no concernente ao FGTS e multa de 40% sobre o seu saldo, ainda dependem de regulamentação legal, nos termos da própria emenda constitucional. De todo modo, o empregado doméstico que já tenha a conta-vinculada de FGTS com os recolhimentos mensais feitos pelo empregador, terá no acerto rescisório por dispensa sem justa causa o direito à multa rescisória de 40% sobre o FGTS.

Como fica o FGTS? Qual a porcentagem que o empregador deve depositar?

Como o FGTS já existe de modo opcional para o empregado doméstico, permanece a alíquota de 8% sobre a remuneração mensal, para recolhimento pelo empregador. Pode vir a regulamentação legal do FGTS obrigatório com alíquota diferenciada, como já se cogita na imprensa.

Quanto ao INSS, muda alguma coisa? Quanto o empregador deve recolher?

Por enquanto, o recolhimento permanece da mesma forma, por meio da GPS e com alíquota de 20%, sendo 12% de contribuição do empregador e 8% de obrigação do empregado, a ser descontado no pagamento do salário. Convém esclarecer, no entanto, que o empregador que nunca descontou a parcela devida pelo empregado não poderá fazê-lo de agora em diante, enquanto vigorar o atual sistema de recolhimento, por configurar alteração contratual lesiva ao empregado (art. 468 da CLT).

O empregador pode descontar os encargos no imposto de renda?

Não há encargo para o empregador doméstico quanto ao imposto de renda, ao contrário, há um incentivo no que diz respeito às contribuições previdenciárias, que podem ser deduzidas em parte na declaração individual do empregador, mas por apenas um empregado doméstico.

Quais são as obrigações dos empregados domésticos?

Tendo em vista a igualdade proclamada pela emenda constitucional, os empregados domésticos passam a ter os mesmos deveres e obrigações dos demais empregados urbanos e rurais, na forma da CLT.

A nova lei traz alguma vantagem para o empregador ou só beneficia os empregados?

Traz avanço para a sociedade, com a maior formalização e profissionalização do trabalho doméstico.

O empregado que se encontra trabalhando há muitos anos para a mesma família também passa a ter os mesmos direitos ou as novas regras só valem para quem for contratado a partir de agora?

Trata-se de emenda constitucional que entrou em vigor e alcança todos os contratos em curso, que devem se adaptar às novas regras e exigências a partir de agora, somente não alcançando os atos já praticados anteriormente. Também não alcança os contratos findos antes da entrada em vigor da emenda constitucional, pois incide a regra da irretroatividade das normas, conforme adotada pela própria Constituição (art. 5º, item XXXVI). Quanto aos contratos em curso, esta regra somente incide sobre os atos anteriormente praticados, já que se trata de contrato de execução continuada e trato sucessivo, não cabendo falar-se em direito adquirido ou em ato jurídico perfeito em razão da lei nova para os atos vindouros. Vale dizer que os pagamentos e acertos mensais anteriores, assim como as condições de trabalho estabelecidas são considerados atos jurídicos perfeitos, mas os novos não, porque as obrigações e condições contratuais renovam-se mensalmente (trato sucessivo a execução continuada de natureza sinalagmática, que é a relação de obrigação contraída entre duas partes de comum acordo).

Qual a intermitência do trabalho que pode vir a caracterizar o vínculo empregatício doméstico, no caso de diaristas?

A caracterização da relação de emprego doméstico ainda se faz por aplicação da lei própria (Lei nº 5.859/72, art. 1º), haja vista que a emenda constitucional não trata disso, como não deveria mesmo. E o dispositivo legal mencionado exige a continuidade do trabalho para a caracterização do trabalho doméstico, além das demais características ou pressupostos já mencionados. Já o trabalhador diarista que presta serviços no âmbito doméstico, como a faxineira de uma vez por semana, a passadeira, o jardineiro, e que prestam serviços a outros tomadores nos demais dias, não são empregados domésticos, mas trabalhadores autônomos. Não há, assim, uma distinção legal pelo número de dias trabalhados ou pela intermitência do comparecimento à mesma casa ou residência, em cada semana, bastando verificar-se a ocorrência da continuidade para caracterizar-se o vínculo empregatício e da descontinuidade ou intermitência para não caracterizar-se a relação de emprego. Todavia, há uma tendência jurisprudencial a considerar que acima de duas vezes por semana, isto é, de três vezes para mais, o trabalho já pode e deve ser considerado contínuo e determinada a caracterização do vínculo de emprego, dada a desproporção que o faz aproximar-se da continuidade e também considerando-se que há nesse trabalhador uma forte dependência com relação ao tomador dos seus serviços.

Quais os efeitos que a nova lei pode gerar no mercado de trabalho, principalmente para a classe média?

Tal perquirição não se enquadra no mister do jurista, mas as novas exigências e direitos atribuídos aos empregados domésticos, por lógico trarão maior onerosidade e diminuirão a capacidade de empregabilidade pela classe média. Mesmo antes da nova lei, o mercado de trabalho doméstico já estava mais oneroso para a classe média, considerando-se os valores exigidos para os salários e os encargos previdenciários.

A ampliação dos direitos dos empregados domésticos pode aumentar ou diminuir a informalidade?

Acho que vai fazer com que aumente a oferta de trabalhadores autônomos no setor doméstico, como é natural e ocorre inclusive em países mais desenvolvidos, mas isto não implica necessariamente a informalidade, pois autônomos são também segurados e contribuintes da Previdência Oficial, sendo uma forma válida de trabalho. Mesmo ao contratar autônomo, o tomador de trabalho doméstico deve verificar se ele está devidamente formalizado como segurado individual no INSS.

Há possível inconstitucionalidade da emenda constitucional?

Acredito que não, pois ela apenas alterou o parágrafo único do art. 7º da Constituição, ao estender os direitos reconhecidos aos empregados domésticos, visando à igualdade com os demais trabalhadores, o que se coaduna com a prescrição contida no "caput" do mesmo dispositivo (melhoria da condição social dos trabalhadores), e ainda, com a valorização do trabalho e dignidade humana (art. 1º, itens III e IV; art. 4º, item II (considerando que os direitos trabalhistas e sociais são fundamentais e "direitos humanos"); art. 5º, "caput" (considerada a promoção da igualdade); e art. 6º (diretos sociais e direitos humanos). (Márcia Barroso)

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