Leis & Letras debate filme sobre os últimos dias de Getúlio
Getúlio , o filme que retrata os 19 últimos dias do estadista até o seu suicídio, foi exibido nessa quinta-feira (29) à tarde em mais uma edição do Projeto Leis & Letras, promovido pela Escola Judicial e pela Biblioteca Juiz Cândido Gomes de Freitas, do TRT-MG, por ocasião da passagem de 60 anos desde o acontecimento histórico, em 24 de agosto de 1954. A sessão foi seguida de debate com o roteirista do filme, George Moura, e com o editor-chefe do Jornal O Estado de Minas, Carlos Marcelo Carvalho. O roteirista já escreveu diversas obras para o cinema e para a televisão, inclusive a novela "O Rebu", atualmente no ar.
![]() |
A obra exibida retrata a crise do governo Vargas após o atentado ao jornalista Carlos Lacerda, seu opositor, em ação que também resultou na morte de um major da aeronáutica, articulada pelo chefe da guarda pessoal do presidente e atribuída, pela oposição, ao próprio chefe de estado. Realizado dentro do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, onde os fatos históricos realmente ocorreram, o filme mostra os conflitos e a intimidade dos últimos dias desse personagem histórico, bem como a campanha pela sua renúncia e a preparação de um golpe para depô-lo, em meio a traições e a uma realidade de agitações sociais. O suicídio e a carta final retratam uma atitude política que deu uma reviravolta na história do país, evitando a concretização do golpe e fazendo com que o então presidente não saísse desmoralizado daquela situação, de acordo com George Moura, ao mesmo tempo em que criou uma comoção social. O velório mobilizou multidões chocadas e abatidas com a notícia, realidade mostrada em cenas reais impactantes da época.
A exibição foi precedida pela formação da mesa, da qual fizeram parte, pela Escola Judicial, sua diretora e 2ª vice-presidente do TRT-MG, desembargadora Emília Facchini; o desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal, que integra o Conselho Consultivo; o coordenador acadêmico, que é titular da 1ª Vara do Trabalho de Betim, juiz Mauro César Silva, além dos dois debatedores. Num depoimento inicial, a diretora da Escola Judicial fez apreciações sobre a importância do personagem principal do filme que, segundo ela, promoveu uma transformação no país, incentivando a sua industrialização.
![]() |
roteirista George Moura, desembargadores Marcio Flávio Salem Vidigal e Emília Facchini, juiz Mauro César Silva e jornalista Carlos Marcelo Carvalho |
Após o fim do filme, a desembargadora Emília Facchini discorreu sobre a sua própria experiência no dia do suicídio, lembrando que, na época, era criança e a mãe lhe disse: "preciso te proteger, venha comigo porque Getúlio morreu", por temer as possíveis consequências, no país, daquele ato. "Essa história que vi hoje era a história que eu imaginava", revelou a magistrada.

"Uma das funções da obra de arte é ressignificar a realidade", afirmou George Moura, ao comentar o desafio de fazer um filme sobre um fato histórico conhecido. O roteirista falou da dificuldade de encontrar o equilíbrio necessário para transformar a realidade em dramaturgia, respeitando prerrogativas do cinema que fazem um filme de reconstrução ser diferente do jornalismo ou de um documentário. O roteirista tentou resgatar a história da vida privada do poder que, segundo ele, pouca gente conhecia, e a visão de como o poder isola. Uma das suas cenas favoritas mostra que "um dos presidentes mais importantes da história do Brasil" (nas palavras de Moura) não sabia amarrar o cordão dos seus sapatos. "Outros filmes podem ser feitos com visões diferentes", reconhece ele.
De todo modo, o artista preocupou-se em manter-se fiel à realidade; leu mais de 30 livros para realizar o filme que, segundo ele, mostra a época com delicadeza e densidade. Além disso, a obra se preocupa em reconstituir detalhes, como uma prótese realizada de acordo com a arcada dentária do personagem histórico, e utilizada pelo ator que o representa, Tony Ramos. A arma da cena do suicídio é a mesma utilizada por Getúlio na época.
Respondendo a perguntas, Moura fez apreciações sobre versões e interpretações daquele momento histórico, por exemplo, sobre a responsabilidade pelo crime que deu origem àquela crise e sobre o golpe planejado. Ideia manifestada pelo jornalista Carlos Carvalho, de que a dimensão histórica dos fatos faz com que se multipliquem diversas teorias, foi complementada pelo roteirista do filme que, referindo-se a teorias conspiratórias, afirma: "na lacuna da não compreensão, as fantasias caem muito bem".
George Moura também falou de obras realizadas para a TV, como a novela atualmente em exibição: "O Rebu". Ao responder a pergunta do jornalista do Estado de Minas sobre semelhanças entre a versão atual da novela e a original, realizada na dedada de 70, o roteirista disse que hoje "os tempos narrativos são outros, porque a competitividade é de outra natureza".

O editor do Estado de Minas, Carlos Carvalho, fez diversas perguntas a George Moura. O jornalista comentou crônica recentemente publicada na imprensa por Luís Fernando Veríssimo, que questiona o motivo que levou Getúlio a se suicidar vestido com pijama. Também apreciou, junto com Moura, as características do ex-presidente e suas contradições, que condizem com as exigências dramáticas da produção cinematográfica. Ao falar sobre as consequências do suicídio, o editor avaliou que, com isso, ele deu um xeque-mate nos seus inimigos. (Texto: David Landau / Fotos: Madson Morais)