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Manifestações de rua traduzem um novo tempo para sociedade e para o Direito do Trabalho

publicado: 09/05/2014 às 15h14 | modificado: 09/05/2014 às 18h14

No segundo dia do III Congresso de Direito Material e Processual do Trabalho e do I Congresso Latinoamericano de Direito Material e Processual do Trabalho, realizado nesta quinta e sexta, no Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, foi a vez do desembargador aposentado do TRT da 3ª Região, Márcio Túlio Viana, falar aos participantes sobre os recentes movimentos de rua no Brasil e sua relação com a reconstrução do direito trabalhista brasileiro. O congresso é uma realização do Instituto Lopes da Costa em parceria com o Programa de Pós-Gradução em Direito da PUC Minas com apoio do TRT-MG e de sua Escola Judicial

Segundo o professor da pós-graduação da PUC Minas, Márcio Túlio Viana, as ruas sempre foram espaço de rebeldia e de liberdade: "É muitas vezes na rua que as revoluções acontecem". Como exemplo, ele citou que foi na rua que operários de Chicago em greve num primeiro de maio, foram mortos e, também, onde os brasileiros exigiram melhores salários, choraram a perda de seus ídolos ou festejaram as conquistas de suas copas. Mas para o professor as ruas hoje atraem pessoas que não atraíam antes, "espíritos ainda mais soltos, mais livres - para o bem ou para o mal".

Manifestações de rua traduzem um novo tempo para sociedade e para o Direito do Trabalho (imagem 1)
Juíza Adriana Campos de Souza Freire Pimenta, titular da 34ª VT de BH e auxiliar da Presidência do TST, Manoel Carlos Toledo Filho, desembargador da 15ª Região e Doutor em Direito pela USP, Júlia Maria de Almeida, da Instituto Lopes da Costa, e professor Márcio Túlio Viana

Para se ter uma ideia melhor desses movimentos de rua, o professor propõe comparar duas formas de luta: a greve clássica e as manifestações do ano passado, ambas na rua. Na greve, se via e ainda se vê as clássicas palavras de ordem, bandeiras, líderes, organização. A greve surgiu num mundo que já vivia com a confusão, mas que na medida do possível tentava controlar, conter e disciplinar. Por isso mesmo, um tempo em que as pessoas tinham mais certezas, sonhos coletivos e projetos para o futuro, que por sua vez pediam regras, hierarquias e instituições: "foi o tempo de ouro dos códigos, do direito certo, duro, positivo".

Mas as passeatas já retratam um outro mundo, segundo o professor. "Grupos sem chefes, sem ordem. Pessoas anônimas, de máscaras, mas cada qual querendo dizer a sua verdade". Pelos cartazes exibidos nas manifestações do ano passado, o professor levou a plateia a uma viagem no tempo para lembrar o perfil dos participantes: havia a ala dos sonhos antigos, que escreviam frases como "1964 nunca mais" ou "Viva a Revolução"; os que culpavam os políticos, mas não o sistema político, com frases tipo "Isso é só o começo, eu quero ver é deputado preso"; outro se firmava nas questões pontuais, embora importantes, e protestavam com frases como "Fim da homofobia", "Mais Educação" e "Droga é questão de saúde". Havia os cartazes irônicos, como "Eu quero meu Louboutin " (uma marca cara de sapato)"; os que misturavam ironia com seriedade, em "Por favor não me machuquem: não temos hospitais" ou "Chute a Fifa" e, segundo o professor, talvez o mais representativo de todos: "Concordo com todos os outros cartazes". Além, é claro, dos cartazes dos movimentos organizados da sociedade atual.

Os participantes das manifestações eram constituídos de "gente mais variada, de todas as cores, roupas, ideias, histórias, vontades, talvez como as pessoas que todos os dias passam pelas ruas. Muitos pareciam realmente sonhar com um país ou um mundo mais justo e humano, mesmo não fazendo parte de uma organização, mas em geral, o que se via eram milhares de consciências leves, livres e soltas, prontas para receber novas ideias e emoções.

O que é um indicativo, segundo o professor, de que as pessoas vão para a rua, de outro modo, bem diferente dos modos do passado, "já que o mundo mudou e todos nós estamos diferentes: sentimos o futuro com mais medo, menos confiança; até a natureza é incerta. A solução, assim, é viver o presente". E isso também significa não considerar o passado, ou seja, não pensar nas causas, enxergar apenas os efeitos. O que leva os protestos a se tornarem pontuais.

Portanto, se há 30 ou 40 anos atrás, segundo o professor, a sociedade queria "conter a diversidade, uniformizar o mundo, agora é o tempo do heterogêneo, do fugaz, do casual, do diferente, do misturado, do pragmático, da hora de liberar o múltiplo".

E esta também é a característica do Direito do Trabalho: "Antes, a regra forte, imperativa, sem discussão. Hoje, uma pressão enorme para que vigore a negociação coletiva - seja ela qual for - ou mesmo o puro contrato, mesmo fora da lei. Pois o contrato parece realizar os ideais de liberdade, de igualdade, passa a ideia de empoderamento, até para o próprio trabalhador. Mesmo quando esconde uma desigualdade real".

Mas, de acordo com Márcio Túlio Viana, as ruas trazem coisas boas. "Até o juiz hoje parece em sintonia com estes novos tempos, não apenas porque o direito evoluiu, o pensamento jurídico evoluiu, mas provavelmente porque todos nós, inclusive o próprio juiz, queremos mais liberdades, e por isto todos nós aceitamos melhor as liberdades alheias, inclusive as dele".

"As ruas podem ensinar o sindicato - e o próprio Direito do Trabalho - a ser mais horizontal, plural, democrático, ouvindo mais as pessoas, inclusive as excluídas. Ensiná-los a ser mais abertos para as mudanças, desde que essas mudanças sirvam para reduzir desigualdades".

Ao concluir sua palestra, o professor Márcio Túlio Viana considerou que as ruas também podem despertar sensibilidades. "Mesmo quando saímos para gritar a nossa verdade, podemos acabar ouvindo outras vozes, outras verdades. Há coisas positivas no conflito. As ruas podem nos ensinar a sair de nós mesmos - até por amor a nós". (Solange Kierulff - Fotos: Leonardo Andrade)

Manifestações de rua traduzem um novo tempo para sociedade e para o Direito do Trabalho (imagem 2)

Na abertura do congresso, o desembargador Márcio Túlio Viana recebeu das mãos de Júlia Maria de Almeida um cartão de prata, homenagem concedida pela Instituto Lopes da Costa. O professor do curso de pós-graduação em direito da UFMG, desembargador aposentado do TRT de Minas, Antônio Álvares da Silva, também foi homenageado. O professor, que proferiu a palestra sobre o tema Soluções Alternativas para os Conflitos Trabalhistas, recebeu um cartão de prata das mãos do desembargador do TRT da 3ª Região, Luiz Otávio Linhares Renault, e de Cláudia Gomes, coordenadora de Direito Material e Processual do Trabalho do Instituto

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