Leis & Letras lança obra sobre direitos dos motoristas da Uber
Fotos: Beatriz Soares
“O livro foi escrito com metáforas poéticas para que os leitores sintam o prazer em lê-lo”. Com essa frase, a professora e servidora do TRT-MG Ana Carolina Reis Paes Leme explicou a obra dela Da Máquina à Nuvem. Caminhos para o acesso à justiça pela via de direitos dos motoristas da Uber, durante lançamento na tarde desta sexta-feira (15), em mais uma edição do projeto Leis & Letras, na sede do Tribunal, em BH.
Com base nos dados de campo levantados em sua pesquisa de mestrado, ela destacou que a Uber manipula a Justiça do Trabalho brasileira nos processos ajuizados. Por exemplo, no 2º grau da JT mineira, 78% dos processos envolvendo a empresa são considerados improcedentes.
Segundo questionou a servidora, seria mesmo esse motorista do aplicativo um empresário de si ou proletário de si? Isso porque, segundo ela, as emoções dos motoristas são exploradas ao máximo e eles são seduzidos por um sistema de controle e dominação capitalista.
“Na minha pesquisa percebi que a Uber se utiliza de eufemismos, como chamar o motorista de microempresário-parceiro, para explorá-lo ao máximo. No modelo adotado, por exemplo, os lucros são compartilhados numa proporção de 75%-25% em favor da Uber, porque conforme visto, todas as externalidades negativas do modelo de negócio são transferidas para o trabalhador, ou seja, o ônus e risco do negócio é do motorista e, consequentemente, da sociedade, que arcará com os custos do sistema da seguridade social desses trabalhadores no futuro. E a empresa também é via expressa de sonegação de direitos trabalhistas”, frisou.
Em seguida, o ministro do TST Cláudio Mascarenhas Brandão, que prefaciou o livro, disse que a obra não traz unanimidade em relação ao tema, o que é muito importante para o ramo das ciências jurídicas nesse universo que une direito e tecnologia.
O ministro explicou que a Uber visita velhas formas de exploração humana travestidas de roupagem nova e moderna. Mas que, por outro lado, o direito não pode impedir o avanço da tecnologia. “A tecnologia arromba a porta e não pede pra entrar em nossas vidas”, afirmou.
Ele disse ainda que esse mundo uberizado tem que ser regulado pelo direito, sem esquecer do lado humano. “A tecnologia deve ser usada para construir uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Não somos números. Precisamos pensar na pessoa que está na ponta do processo e não na economia”, concluiu.
A presidente da mesa de honra e orientadora do mestrado da autora, desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini, abriu o evento e falou de indícios de uma manipulação da jurisprudência do Tribunal pela empresa Uber ao propor acordos, levando em conta um mapeamento do órgão julgador, mostrando gráficos contidos no livro. “Isso não representa melhoria das condições humanas e garantias constitucionais”, disse.
O desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior, um dos debatedores, considerou que esse tema é muito importante, porque ainda não existe uma doutrina consolidada sobre esse novo mundo. “Ainda não sabemos lidar com o tema, mas a CLT está pronta para isso, em razão de dois artigos", pontuou. Segundo ele, o primeiro é o novo artigo 452-A §3º, que diz o seguinte: "A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente", que deu "um nó" no conceito de subordinação, pois "o subordinado seria um insubordinado?". Também há o artigo 6º, parágrafo único, que diz que "os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. "Temos aí um longo trabalho doutrinário para fazer", completou o magistrado.
O outro debatedor da mesa, juiz Antônio Gomes de Vasconcelos, enfatizou que a autora parte de uma base empírica e conjuga teoria e realidade com alto teor crítico.
O coordenador acadêmico da Escola Judicial do Tribunal, juiz Rodrigo Cândido Rodrigues, também marcou presença no lançamento.