NJ Especial: Decisões inovadoras propõem soluções para diversos conflitos comuns entre a maternidade e o trabalho
*Publicada originalmente em 02/06/2017
O mês de maio reúne duas datas importantes: o Dia das Mães e o Dia do Trabalho. Para fechar o mês com chave de ouro, nada melhor que abordar as duas questões na primeira parte desta NJ Especial, trazendo ao leitor reflexões importantes do Direito do Trabalho.
O que acontece quando há ausência de norma sobre determinado caso? Qual a atitude a ser tomada quando uma norma não corresponde mais aos fatos sociais? O que fazer quando uma lei está prestes a ser criada ou alterada, mas, no meio desse caminho de transição, existem casos concretos e pessoas reais necessitando de uma solução rápida?
Nesse contexto, entra em cena a interpretação dos julgadores, que buscam encontrar soluções justas para os casos complexos, suprindo as lacunas deixadas pela lei. A atual legislação trabalhista ainda não consegue prever todas as situações vivenciadas por uma mãe. Em razão disso, alguns casos marcantes que surgiram na Justiça do Trabalho mineira foram analisados e interpretados pelos magistrados à luz dos princípios constitucionais que visam assegurar a saúde do trabalhador e os fundamentos da dignidade da pessoa humana.
Nesta NJ Especial, destacaremos cinco casos marcantes julgados na Justiça do Trabalho mineira, bem como a análise jurídica de cada situação, realizada pelos magistrados na busca por uma solução adequada às pessoas envolvidas. Na primeira parte veremos duas situações em que a maternidade encontrou um grande obstáculo: o silêncio da lei.
Juiz determina prorrogação do período de licença maternidade por seis meses a partir da alta hospitalar de bebê prematuro internado em UTI
Na 2ª Vara do Trabalho de Divinópolis, o juiz Bruno Alves Rodrigues analisou o caso de uma gestante, funcionária da Caixa, que teve parto prematuro, ocorrendo o nascimento do bebê no dia 09/07/2016, com apenas 25 semanas e quatro dias de gestação. De acordo com os relatórios médicos anexados ao processo, o parto prematuro foi consequência da restrição do crescimento fetal intra-uterino e alteração da vitalidade fetal.
A partir do nascimento da criança, a mãe passou a fruir da licença maternidade de seis meses. Entretanto, logo após o parto, por pesar apenas 550g, a criança foi internada na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital Mater Dei em Belo Horizonte/MG, com quadro clínico de "Displasia Broncopulmonar" grave e dependente de ventilação invasiva, além de outros problemas de saúde, sem previsão de alta hospitalar.
Ao examinar os laudos médicos juntados ao processo, o juiz verificou que eles apontam um quadro de estresse agudo e extremo abalo psicológico que afetaram a funcionária da Caixa. Inclusive, a pediatra neonatal fez constar no laudo que a mãe esteve presente durante toda internação, porém seu vínculo com a criança ficou prejudicado devido aos horários de visita. Segundo a médica, a mãe fez ordenha de mamas seis vezes ao dia para retirada de leite materno para sua filha, que ainda se alimenta através de sonda gástrica. A recomendação médica é no sentido de que é imprescindível o acompanhamento, pelo menos seis meses após a alta, para amamentação e cuidados contínuos com a criança e para que a mãe possa estabelecer vínculo materno com o bebê, o que não é possível no CTI.
Diante desse quadro, a mãe pediu na Justiça do Trabalho a concessão de seis meses de licença maternidade após a alta da UTI ou quatro meses após a mencionada liberação, para fazer frente às necessidades da filha, sob pena de consequências danosas à evolução do bebê.
Por sua vez, a Caixa afirmou que o pedido não tem amparo legal, pois a Lei estipula prazo de 120 dias para a licença maternidade, prorrogada por mais dois meses, nos termos da Lei 11.770/08, sendo tal período remunerado pelo INSS. Conforme frisou a Caixa, a licença da funcionária já atinge oito meses, não comportando mais qualquer ampliação.
Ao discordar dos argumentos da Caixa, o juiz lembrou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 2º, considera criança a pessoa até 12 anos de idade e adolescente de 12 a 18 anos de idade, dispõe que é dever do tutor, pai, mãe ou responsável dar assistência aos filhos e, ainda, que os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente (arts. 4ª e 12 da Lei 8.069/90).
Em sua sentença, o julgador enfatizou que a Constituição afirma ser atribuição do Estado Democrático garantir, entre outros valores, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento e a igualdade na realização de uma sociedade fraterna. No artigo 1º da CF/88, dentre os princípios fundamentais da República, está a dignidade da pessoa humana, sendo que o artigo 201 elenca a proteção à maternidade como um dos focos da atividade da previdência social.
Na fundamentação da sentença, o magistrado citou, ainda, vários dispositivos da Constituição que protegem a maternidade, a família, a infância e a saúde da criança, princípios esses de obrigatoriedade imediata e que devem ser utilizados como parâmetros de elaboração e de controle dos atos administrativos. “Isso independentemente de garantia expressa na Lei. A saúde, a proteção à maternidade e à infância, tratam-se de direitos fundamentais a serem garantidos, obrigatoriamente e em caráter prioritário, por toda a sociedade”, completou.
Com base nas garantias constitucionais asseguradas ao menor, o julgador considera imprescindível que se propicie à mãe, no caso analisado, o direito de se ausentar do trabalho para acompanhar a filha recém-nascida, que se encontra com a saúde debilitada. Apesar da ausência de lei que discipline o caso, o juiz ressaltou que a licença-maternidade, denominada licença à gestante na Lei 8.112/90, é garantida às servidoras públicas federais, por 180 dias, nos termos do artigo 207 da Lei 8.112/90, artigo 2º da Lei 11.770/08 e artigo 2º do Decreto 6.690/08.
Outro detalhe importante a ser destacado, sob a ótica do julgador, é o fato de que o parto prematuro, segundo critérios da Organização Mundial de Saúde, é aquele que ocorre entre a 20ª e 37ª semana de gestação, como no caso do processo, em que o parto se deu após 25 semanas e quatro dias de gestação. Frisou o magistrado que esse acontecimento adiou o início da relação afetiva entre a mãe e seu bebê, pois, em razão da complicação médica apresentada pela recém-nascida, foi necessária a internação em Unidade de Terapia Intensiva neonatal (UTI).
Nessas circunstâncias, o magistrado ponderou que os meses de internação de bebês prematuros acabam se transformando num período extremamente tortuoso para os pais, em especial para a mãe. “Repiso, aqui, que não há na legislação previsão expressa que permita a reclamante estender sua licença-maternidade pelo período da internação, entretanto, a sociedade já demonstra sinalização inequívoca de que tão deprimente situação não pode permanecer à margem do ordenamento jurídico, pois encontra-se em estágio final de tramitação a Proposta de Emenda à Constituição nº 99/2015, que visa à alteração do inciso XVIII do art. 7º da CF/88”, citou o juiz, salientando que o texto dessa PEC foi aprovado à unanimidade no Senado Federal, no dia 09/12/2015, e enviado à Câmara dos Deputados no dia 15/12/2015.
Conforme acentuou o magistrado, apesar do otimismo e da convicção da sociedade de que as Casas Legislativas aprovarão a PEC nº 99/2015, permanece no limbo a situação das mães que tiveram parto prematuro antes de sua potencial promulgação, como no caso analisado. Para ele, essa situação angustiante não faz sentido. “Ora, o escopo da licença maternidade é garantir um período exclusivo de contato do filho com a mãe. Infelizmente, por motivos de força maior, o parto prematuro priva a mãe e o recém-nascido desse contato, pois o bebê finalizará sua completa formação fisiológica internado, com a ajuda de aparelhos médicos. Por essa razão, o suporte fático da licença maternidade somente ocorre e se materializa na data em que o bebê recebe alta e pode, finalmente, estabelecer o vínculo com sua mãe”, ponderou.
Assim, ainda que a Lei nº 11.770/2008, que trata de prorrogação da licença-maternidade, não contemple dilatação no caso de parto prematuro, o julgador entende que essa regra deve ser interpretada à luz dos princípios constitucionais citados, os quais devem ser implementados na maior medida possível.
Considerando que o período de licença maternidade da trabalhadora estava previsto para terminar no dia 04/03/2017, o juiz sentenciante decidiu conceder a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar que a Caixa, em ato contínuo à ciência da decisão, independentemente do trânsito em julgado, assegure à funcionária a postergação da licença maternidade de seis meses, para após a alta da filha, contando-se tal período no dia imediatamente seguinte à liberação da recém-nascida pelo hospital, de modo que restará assegurado o emprego no período de internação, sendo garantido durante todo o intervalo (período de internação e seis meses após a alta hospitalar) todos os vencimentos da trabalhadora, tudo sob pena de multa diária de R$500,00, em favor da autora, por dia de efetivo atraso, limitada a R$10.000,00, sem prejuízo de revisão pelo Juízo (art. 537, § 1º, I, do CPC/2015 combinado com art. 769 da CLT).
A Caixa recorreu dessa decisão e o recurso ainda está pendente de julgamento no TRT de Minas. (PJe: Processo 0010040-39.2017.5.03.0098 – Sentença em 23/02/2017).
Juíza autoriza redução da jornada de trabalho de uma mãe de trigêmeos para facilitar acompanhamento e cuidados maternos com a filha doente
No julgamento realizado na 1ª Vara do Trabalho de Montes Claros, a juíza Rosa Dias Godrim se deparou com a difícil situação de uma mãe de trigêmeos: um dos bebês tem sérios problemas de saúde e é totalmente dependente de cuidados maternos. Além disso, a própria mãe ficou com a saúde debilitada, por causa do desgaste físico e mental decorrente do sofrimento da filha. Diante da comprovação desse fato, a magistrada acatou o pedido da mãe trabalhadora, autorizando a redução da sua jornada de trabalho, com a redução proporcional de sua remuneração, até que a menor complete seis anos de idade, podendo ser estendida, se ainda houver necessidade da assistência direta à filha, conforme avaliação da perícia médica judicial.
Na ação, a mãe relatou que é empregada pública, integrante do quadro de pessoal dos Correios desde 23/06/2004, ocupando o cargo de técnico de contabilidade júnior. Informou que, em 04/05/2015, deu à luz a trigêmeos, sendo que uma das crianças apresenta desenvolvimento físico e neurológico inadequados, sofrendo com epilepsia, convulsões, dificuldades para dormir, doenças da fala e deficiência neuropsicomotora. De acordo com os laudos médicos juntados ao processo, todos esses sintomas são decorrentes de enfermidades diagnosticadas como sendo "Leucomalácia Periventricular e Síndrome de West".
Alegou a mãe que a criança necessita de acompanhamento multidisciplinar com fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia motora, equoterapia, além de exames neurofisiológicos e medicação. Frisou que, como trabalha durante todo o dia, a criança fica com uma babá e à noite ela assume esses cuidados, o que lhe permite dormir, no máximo, 03 horas por noite. Conforme salientou a mãe, essa condição tem causado o seu definhamento, pois desde o nascimento da filha já perdeu quase 10 kg, além de estar emocionalmente exaurida e sendo submetida a tratamento psiquiátrico. Nesse contexto, pediu a redução da sua jornada de trabalho de 40 horas por semana para 30 horas semanais, com a manutenção de sua remuneração atual, ou a redução da jornada de trabalho, com a redução proporcional da remuneração.
Por sua vez, a empresa pública Correios sustentou que não há como ser atendido o pedido da empregada, pois o cargo que ela ocupa está fixado em oito horas diárias de trabalho, 44 semanais e 220 horas mensais, o que vale para todos os empregados da estatal que ocupam o mesmo cargo em todo território nacional, n
ão podendo a empresa abrir exceções, sob pena de afrontar a isonomia entre seus empregados e de ferir os princípios da legalidade e impessoalidade, dentre outros.
Após a análise do conjunto de provas, a juíza não teve dúvidas de que a criança é dependente da mãe e de que necessita, no momento, dos cuidados especiais diretos dela. Ademais, ao examinar os laudos e atestados médicos juntados ao processo, a magistrada constatou que a própria trabalhadora encontra-se enferma, realizando tratamento psiquiátrico.
“Oportuno registrar, nesse contexto, que a máxima da experiência permite afirmar, com convicção, que o nascimento de um único filho já altera sobremaneira a vida pessoal e profissional da mulher, mormente nos primeiros anos de vida do nascituro. Daí, não é difícil imaginar o quanto uma mãe de trigêmeos tem de se desdobrar para dar cumprimento à nobre missão de criar os filhos, sem se abdicar do seu meio de subsistência. E se uma dessas crianças apresenta problemas de saúde, como os revelados nestes autos, necessitando de cuidados especiais, torna-se quase impossível para uma mulher cumprir uma jornada de trabalho de 8 horas diárias, e prestar a assistência de mãe que o menor necessita. Nesse contexto, não há dúvida ser imprescindível que a reclamante tenha a sua jornada de trabalho reduzida, para prestar assistência direta à filha enferma, enquanto perdurar a necessidade”, enfatizou a julgadora.
Em sua análise, a magistrada destacou que o contrato de trabalho da funcionária é regido pela CLT e que não há na legislação trabalhista norma específica que contemple o direito à redução da jornada de trabalho, a fim de que o empregado possa prestar assistência ao filho doente que necessite de cuidados especiais. Entretanto, na visão da julgadora, isso, por si só, não é suficiente para impedir o acolhimento do pedido da trabalhadora, pois a questão envolve outros valores mais importantes: o direito à vida e à proteção da dignidade da pessoa humana, princípios consagrados na Constituição. “Com efeito, a Carta Magna vigente proclamou como dever do Estado, da família e da sociedade, o direito à saúde, o qual não pode significar outra coisa senão que a criança deve ser beneficiada com todas as medidas que sejam necessárias e tornem possível a preservação da saúde e principalmente sua recuperação em caso de doença”, completou.
Conforme destacou a magistrada em sua sentença, o próprio gerente regional de operações dos Correios admitiu ser possível efetuar a adaptação da jornada reduzida às atividades desenvolvidas pela funcionária, sem maiores prejuízos. Para reforçar o seu posicionamento, a juíza relembrou um importante precedente: um caso semelhante julgado no TRT do Espírito Santo, reconhecendo o direito de uma mãe de ter reduzida sua jornada de trabalho para cuidar do filho autista, inclusive sem compensação de jornada.
Outro ponto importante a ser acrescentado, segundo a julgadora, é a previsão contida no artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo a qual a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa Lei, sendo assegurado a eles, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Assim, com base em tudo o que foi exposto e atentando também aos princípios que regem a Administração Pública, a juíza sentenciante deferiu parcialmente o pedido da funcionária, autorizando a redução da sua jornada de trabalho, para 30 horas semanais, com a redução proporcional de sua remuneração, até que a menor complete seis anos de idade, podendo ser estendida, se ainda se perdurar a necessidade da assistência direta à filha, o que deverá ser avaliado através de perícia médica judicial, observada a idade fixada. A julgadora deixou registrado na sentença que fica assegurada à trabalhadora, a qualquer tempo e de acordo com seu interesse, o retorno à jornada originalmente combinada, com a respectiva alteração salarial. A juíza concedeu a antecipação de tutela requerida, a fim de que a redução de jornada deferida seja cumprida no prazo de 10 dias, a partir da publicação da sentença, sob pena de multa diária de R$1.000,00, até o limite de R$50.000,00, a ser revertido em benefício da trabalhadora, sem prejuízo de outras medidas que assegurem o resultado prático da decisão.
A empresa Correios recorreu dessa decisão, mas o TRT mineiro manteve integralmente a sentença. Na avaliação do juiz convocado Hélder Vasconcelos Guimarães, que atuou como relator do caso na 9ª Turma do TRT de Minas, não ocorreu violação a artigos de lei relacionados à reclassificação, equiparação, concessão de aumento, a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza, pois a discussão no processo versa sobre a mera redução de jornada, com reflexos positivos para a conta dos Correios. Em outras palavras, no entender do relator, não houve qualquer violação ao princípio da isonomia, já que foi determinada a redução proporcional da remuneração da trabalhadora. Quanto à concessão de liminar, a 9ª Turma entendeu que é perfeitamente possível na situação analisada, uma vez que, no caso de sua eventual cassação, as partes retornarão normalmente à sua condição anterior. Por outro lado, como observaram os julgadores, o indeferimento da liminar pode trazer dano de difícil reparação à parte que requereu a tutela antecipada, tendo em vista as condições de saúde da mãe e da criança enferma, enquadrando-se o caso na previsão do artigo 300 do CPC/2015. (PJe: 0010438-16.2016.5.03.0067-ROPS - Sentença em 15/07/2016 e acórdão em 08/11/2016).
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