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NJ Especial: Decisões inovadoras propõem soluções para diversos conflitos comuns entre a maternidade e o trabalho

publicado: 07/02/2018 às 23h02 | modificado: 08/02/2018 às 01h16

*Publicada originalmente em 02/06/2017

O mês de maio reúne duas datas importantes: o Dia das Mães e o Dia do Trabalho. Para fechar o mês com chave de ouro, nada melhor que abordar as duas questões na primeira parte desta NJ Especial, trazendo ao leitor reflexões importantes do Direito do Trabalho.

Logo do NJ EspecialO que acontece quando há ausência de norma sobre determinado caso? Qual a atitude a ser tomada quando uma norma não corresponde mais aos fatos sociais? O que fazer quando uma lei está prestes a ser criada ou alterada, mas, no meio desse caminho de transição, existem casos concretos e pessoas reais necessitando de uma solução rápida?

Nesse contexto, entra em cena a interpretação dos julgadores, que buscam encontrar soluções justas para os casos complexos, suprindo as lacunas deixadas pela lei. A atual legislação trabalhista ainda não consegue prever todas as situações vivenciadas por uma mãe. Em razão disso, alguns casos marcantes que surgiram na Justiça do Trabalho mineira foram analisados e interpretados pelos magistrados à luz dos princípios constitucionais que visam assegurar a saúde do trabalhador e os fundamentos da dignidade da pessoa humana.

Nesta NJ Especial, destacaremos cinco casos marcantes julgados na Justiça do Trabalho mineira, bem como a análise jurídica de cada situação, realizada pelos magistrados na busca por uma solução adequada às pessoas envolvidas. Na primeira parte veremos duas situações em que a maternidade encontrou um grande obstáculo: o silêncio da lei.

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Juiz determina prorrogação do período de licença maternidade por seis meses a partir da alta hospitalar de bebê prematuro internado em UTI

Na 2ª Vara do Trabalho de Divinópolis, o juiz Bruno Alves Rodrigues analisou o caso de uma gestante, funcionária da Caixa, que teve parto prematuro, ocorrendo o nascimento do bebê no dia 09/07/2016, com apenas 25 semanas e quatro dias de gestação. De acordo com os relatórios médicos anexados ao processo, o parto prematuro foi consequência da restrição do crescimento fetal intra-uterino e alteração da vitalidade fetal.

A partir do nascimento da criança, a mãe passou a fruir da licença maternidade de seis meses. Entretanto, logo após o parto, por pesar apenas 550g, a criança foi internada na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital Mater Dei em Belo Horizonte/MG, com quadro clínico de "Displasia Broncopulmonar" grave e dependente de ventilação invasiva, além de outros problemas de saúde, sem previsão de alta hospitalar.

Ao examinar os laudos médicos juntados ao processo, o juiz verificou que eles apontam um quadro de estresse agudo e extremo abalo psicológico que afetaram a funcionária da Caixa. Inclusive, a pediatra neonatal fez constar no laudo que a mãe esteve presente durante toda internação, porém seu vínculo com a criança ficou prejudicado devido aos horários de visita. Segundo a médica, a mãe fez ordenha de mamas seis vezes ao dia para retirada de leite materno para sua filha, que ainda se alimenta através de sonda gástrica. A recomendação médica é no sentido de que é imprescindível o acompanhamento, pelo menos seis meses após a alta, para amamentação e cuidados contínuos com a criança e para que a mãe possa estabelecer vínculo materno com o bebê, o que não é possível no CTI.

Diante desse quadro, a mãe pediu na Justiça do Trabalho a concessão de seis meses de licença maternidade após a alta da UTI ou quatro meses após a mencionada liberação, para fazer frente às necessidades da filha, sob pena de consequências danosas à evolução do bebê.

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Por sua vez, a Caixa afirmou que o pedido não tem amparo legal, pois a Lei estipula prazo de 120 dias para a licença maternidade, prorrogada por mais dois meses, nos termos da Lei 11.770/08, sendo tal período remunerado pelo INSS. Conforme frisou a Caixa, a licença da funcionária já atinge oito meses, não comportando mais qualquer ampliação.

Ao discordar dos argumentos da Caixa, o juiz lembrou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 2º, considera criança a pessoa até 12 anos de idade e adolescente de 12 a 18 anos de idade, dispõe que é dever do tutor, pai, mãe ou responsável dar assistência aos filhos e, ainda, que os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente (arts. 4ª e 12 da Lei 8.069/90).

Em sua sentença, o julgador enfatizou que a Constituição afirma ser atribuição do Estado Democrático garantir, entre outros valores, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento e a igualdade na realização de uma sociedade fraterna. No artigo 1º da CF/88, dentre os princípios fundamentais da República, está a dignidade da pessoa humana, sendo que o artigo 201 elenca a proteção à maternidade como um dos focos da atividade da previdência social.

Na fundamentação da sentença, o magistrado citou, ainda, vários dispositivos da Constituição que protegem amaternidadechupetamartelomenor.jpg maternidade, a família, a infância e a saúde da criança, princípios esses de obrigatoriedade imediata e que devem ser utilizados como parâmetros de elaboração e de controle dos atos administrativos. Isso independentemente de garantia expressa na Lei. A saúde, a proteção à maternidade e à infância, tratam-se de direitos fundamentais a serem garantidos, obrigatoriamente e em caráter prioritário, por toda a sociedade”, completou.

Com base nas garantias constitucionais asseguradas ao menor, o julgador considera imprescindível que se propicie à mãe, no caso analisado, o direito de se ausentar do trabalho para acompanhar a filha recém-nascida, que se encontra com a saúde debilitada. Apesar da ausência de lei que discipline o caso, o juiz ressaltou que a licença-maternidade, denominada licença à gestante na Lei 8.112/90, é garantida às servidoras públicas federais, por 180 dias, nos termos do artigo 207 da Lei 8.112/90, artigo 2º da Lei 11.770/08 e artigo 2º do Decreto 6.690/08.

Outro detalhe importante a ser destacado, sob a ótica do julgador, é o fato de que o parto prematuro, segundo critérios da Organização Mundial de Saúde, é aquele que ocorre entre a 20ª e 37ª semana de gestação, como no caso do processo, em que o parto se deu após 25 semanas e quatro dias de gestação. Frisou o magistrado que esse acontecimento adiou o início da relação afetiva entre a mãe e seu bebê, pois, em razão da complicação médica apresentada pela recém-nascida, foi necessária a internação em Unidade de Terapia Intensiva neonatal (UTI).

maternidadeluzmenor.jpgNessas circunstâncias, o magistrado ponderou que os meses de internação de bebês prematuros acabam se transformando num período extremamente tortuoso para os pais, em especial para a mãe. “Repiso, aqui, que não há na legislação previsão expressa que permita a reclamante estender sua licença-maternidade pelo período da internação, entretanto, a sociedade já demonstra sinalização inequívoca de que tão deprimente situação não pode permanecer à margem do ordenamento jurídico, pois encontra-se em estágio final de tramitação a Proposta de Emenda à Constituição nº 99/2015, que visa à alteração do inciso XVIII do art. 7º da CF/88”, citou o juiz, salientando que o texto dessa PEC foi aprovado à unanimidade no Senado Federal, no dia 09/12/2015, e enviado à Câmara dos Deputados no dia 15/12/2015.

Conforme acentuou o magistrado, apesar do otimismo e da convicção da sociedade de que as Casas Legislativas aprovarão a PEC nº 99/2015, permanece no limbo a situação das mães que tiveram parto prematuro antes de sua potencial promulgação, como no caso analisado. Para ele, essa situação angustiante não faz sentido.  “Ora, o escopo da licença maternidade é garantir um período exclusivo de contato do filho com a mãe. Infelizmente, por motivos de força maior, o parto prematuro priva a mãe e o recém-nascido desse contato, pois o bebê finalizará sua completa formação fisiológica internado, com a ajuda de aparelhos médicos. Por essa razão, o suporte fático da licença maternidade somente ocorre e se materializa na data em que o bebê recebe alta e pode, finalmente, estabelecer o vínculo com sua mãe”, ponderou.

Assim, ainda que a Lei nº 11.770/2008, que trata de prorrogação da licença-maternidade, não contemple dilatação no caso de parto prematuro, o julgador entende que essa regra deve ser interpretada à luz dos princípios constitucionais citados, os quais devem ser implementados na maior medida possível.

Considerando que o período de licença maternidade da trabalhadora estava previsto para terminar no diabeb.jpg 04/03/2017, o juiz sentenciante decidiu conceder a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar que a Caixa, em ato contínuo à ciência da decisão, independentemente do trânsito em julgado, assegure à funcionária a postergação da licença maternidade de seis meses, para após a alta da filha, contando-se tal período no dia imediatamente seguinte à liberação da recém-nascida pelo hospital, de modo que restará assegurado o emprego no período de internação, sendo garantido durante todo o intervalo (período de internação e seis meses após a alta hospitalar) todos os vencimentos da trabalhadora, tudo sob pena de multa diária de R$500,00, em favor da autora, por dia de efetivo atraso, limitada a R$10.000,00, sem prejuízo de revisão pelo Juízo (art. 537, § 1º, I, do CPC/2015 combinado com art. 769 da CLT).

A Caixa recorreu dessa decisão e o recurso ainda está pendente de julgamento no TRT de Minas. (PJe: Processo 0010040-39.2017.5.03.0098 – Sentença em 23/02/2017).

Juíza autoriza redução da jornada de trabalho de uma mãe de trigêmeos para facilitar acompanhamento e cuidados maternos com a filha doente

No julgamento realizado na 1ª Vara do Trabalho de Montes Claros, a juíza Rosa Dias Godrim se deparou com a difícil situação de uma mãe de trigêmeos: um dos bebês tem sérios problemas de saúde e é totalmente dependente de cuidados maternos. Além disso, a própria mãe ficou com a saúde debilitada, por causa do desgaste físico e mental decorrente do sofrimento da filha. Diante da comprovação desse fato, a magistrada acatou o pedido da mãe trabalhadora, autorizando a redução da sua jornada de trabalho, com a redução proporcional de sua remuneração, até que a menor complete seis anos de idade, podendo ser estendida, se ainda houver necessidade da assistência direta à filha, conforme avaliação da perícia médica judicial.

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Na ação, a mãe relatou que é empregada pública, integrante do quadro de pessoal dos Correios desde 23/06/2004, ocupando o cargo de técnico de contabilidade júnior. Informou que, em 04/05/2015, deu à luz a trigêmeos, sendo que uma das crianças apresenta desenvolvimento físico e neurológico inadequados, sofrendo com epilepsia, convulsões, dificuldades para dormir, doenças da fala e deficiência neuropsicomotora. De acordo com os laudos médicos juntados ao processo, todos esses sintomas são decorrentes de enfermidades diagnosticadas como sendo "Leucomalácia Periventricular e Síndrome de West".

Alegou a mãe que a criança necessita de acompanhamento multidisciplinar com fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia motora, equoterapia, além de exames neurofisiológicos e medicação. Frisou que, como trabalha durante todo o dia, a criança fica com uma babá e à noite ela assume esses cuidados, o que lhe permite dormir, no máximo, 03 horas por noite. Conforme salientou a mãe, essa condição tem causado o seu definhamento, pois desde o nascimento da filha já perdeu quase 10 kg, além de estar emocionalmente exaurida e sendo submetida a tratamento psiquiátrico. Nesse contexto,  pediu a redução da sua jornada de trabalho de 40 horas por semana para 30 horas semanais, com a manutenção de sua remuneração atual, ou a redução da jornada de trabalho, com a redução proporcional da remuneração.

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Por sua vez, a empresa pública Correios sustentou que não há como ser atendido o pedido da empregada, pois o cargo que ela ocupa está fixado em oito horas diárias de trabalho, 44 semanais e 220 horas mensais, o que vale para todos os empregados da estatal que ocupam o mesmo cargo em todo território nacional, n

ão podendo a empresa abrir exceções, sob pena de afrontar a isonomia entre seus empregados e de ferir os princípios da legalidade e impessoalidade, dentre outros.

Após a análise do conjunto de provas, a juíza não teve dúvidas de que a criança é dependente da mãe e de que necessita, no momento, dos cuidados especiais diretos dela. Ademais, ao examinar os laudos e atestados médicos juntados ao processo, a magistrada constatou que a própria trabalhadora encontra-se enferma, realizando tratamento psiquiátrico.

Oportuno registrar, nesse contexto, que a máxima da experiência permite afirmar, com convicção, que o nascimento de um único filho já altera sobremaneira a vida pessoal e profissional da mulher, mormente nos primeiros anos de vida do nascituro. Daí, não é difícil imaginar o quanto uma mãe de trigêmeos tem de se desdobrar para dar cumprimento à nobre missão de criar os filhos, sem se abdicar do seu meio de subsistência. E se uma dessas crianças apresenta problemas de saúde, como os revelados nestes autos, necessitando de cuidados especiais, torna-se quase impossível para uma mulher cumprir uma jornada de trabalho de 8 horas diárias, e prestar a assistência de mãe que o menor necessita. Nesse contexto, não há dúvida ser imprescindível que a reclamante tenha a sua jornada de trabalho reduzida, para prestar assistência direta à filha enferma, enquanto perdurar a necessidade”, enfatizou a julgadora.

Em sua análise, a magistrada destacou que o contrato de trabalho da funcionária é regido pela CLT e que não hámedicamento.jpg na legislação trabalhista norma específica que contemple o direito à redução da jornada de trabalho, a fim de que o empregado possa prestar assistência ao filho doente que necessite de cuidados especiais. Entretanto, na visão da julgadora, isso, por si só, não é suficiente para impedir o acolhimento do pedido da trabalhadora, pois a questão envolve outros valores mais importantes: o direito à vida e à proteção da dignidade da pessoa humana, princípios consagrados na Constituição. “Com efeito, a Carta Magna vigente proclamou como dever do Estado, da família e da sociedade, o direito à saúde, o qual não pode significar outra coisa senão que a criança deve ser beneficiada com todas as medidas que sejam necessárias e tornem possível a preservação da saúde e principalmente sua recuperação em caso de doença”, completou.

Conforme destacou a magistrada em sua sentença, o próprio gerente regional de operações dos Correios admitiu ser possível efetuar a adaptação da jornada reduzida às atividades desenvolvidas pela funcionária, sem maiores prejuízos. Para reforçar o seu posicionamento, a juíza relembrou um importante precedente: um caso semelhante julgado no TRT do Espírito Santo, reconhecendo o direito de uma mãe de ter reduzida sua jornada de trabalho para cuidar do filho autista, inclusive sem compensação de jornada.

Outro ponto importante a ser acrescentado, segundo a julgadora, é a previsão contida no artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo a qual a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa Lei, sendo assegurado a eles, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Assim, com base em tudo o que foi exposto e atentando também aos princípios que regem a Administração Pública, a juíza sentenciante deferiu parcialmente o pedido da funcionária, autorizando a redução da sua jornada de trabalho, para 30 horas semanais, com a redução proporcional de sua remuneração, até que a menor complete seis anos de idade, podendo ser estendida, se ainda se perdurar a necessidade da assistência direta à filha, o que deverá ser avaliado através de perícia médica judicial, observada a idade fixada. A julgadora deixou registrado na sentença que fica assegurada à trabalhadora, a qualquer tempo e de acordo com seu interesse, o retorno à jornada originalmente combinada, com a respectiva alteração salarial. A juíza concedeu a antecipação de tutela requerida, a fim de que a redução de jornada deferida seja cumprida no prazo de 10 dias, a partir da publicação da sentença, sob pena de multa diária de R$1.000,00, até o limite de R$50.000,00, a ser revertido em benefício da trabalhadora, sem prejuízo de outras medidas que assegurem o resultado prático da decisão.

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A empresa Correios recorreu dessa decisão, mas o TRT mineiro manteve integralmente a sentença. Na avaliação do juiz convocado Hélder Vasconcelos Guimarães, que atuou como relator do caso na 9ª Turma do TRT de Minas, não ocorreu violação a artigos de lei relacionados à reclassificação, equiparação, concessão de aumento, a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza, pois a discussão no processo versa sobre a mera redução de jornada, com reflexos positivos para a conta dos Correios. Em outras palavras, no entender do relator, não houve qualquer violação ao princípio da isonomia, já que foi determinada a redução proporcional da remuneração da trabalhadora. Quanto à concessão de liminar, a 9ª Turma entendeu que é perfeitamente possível na situação analisada, uma vez que, no caso de sua eventual cassação, as partes retornarão normalmente à sua condição anterior. Por outro lado, como observaram os julgadores, o indeferimento da liminar pode trazer dano de difícil reparação à parte que requereu a tutela antecipada, tendo em vista as condições de saúde da mãe e da criança enferma, enquadrando-se o caso na previsão do artigo 300 do CPC/2015. (PJe: 0010438-16.2016.5.03.0067-ROPS - Sentença em 15/07/2016 e acórdão em 08/11/2016).

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