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Des. Francisco Meton: Trabalho e Terceirização

publicado: 11/10/2017 às 00h04 | modificado: 11/10/2017 às 02h39

Logo do NJ EspecialDoutor em Direito pela UFMG, Professor das Universidades Federais do Piauí e do Ceará, o Desembargador do TRT da 22ª Região Francisco Meton Marques de Lima iniciou sua palestra traçando o contexto histórico da reforma trabalhista:“A sequência é assim: globalização, pós-modernismo, neo-liberalismo, flexibilização, terceirização. Mas haveremos de vencer!”

Ele situou a reforma trabalhista e sua pretensa “modernização”, como o retorno ao capitalismo inicial inglês, quando se construíam cidades operárias em que os trabalhadores e suas famílias trabalhavam dia e noite. Mas, de acordo com o professor, o pós-modernismo é fenômeno passageiro. Nesses tempos, explica, a embalagem prevalece sobre o conteúdo, com a cultura do descartável, onde nada é feito para durar. E, para ele, esse fenômeno também contagiou a relação de trabalho. “É um fenômeno contra o qual ninguém pode. Achando bom ou ruim, temos que trabalhar com ele”, reconhece.

A nova lei e os princípios da CLT

Na ótica do desembargador, o ponto mais positivo da reforma trabalhista é que a nova lei não revogou a anterior, ou seja, a CLT continua em vigor: “O legislador reformista preferiu ancorar seu barco novinho no velho porto”, enfatiza, esclarecendo que, dessa forma, os valores da CLT foram mantidos, como o princípio da primazia da realidade, segundo o qual a relação de emprego não se define no papel, mas pelos fatos.

Fotos: Leonardo Andrade

Ele pondera que a reforma não tem a força de revogar o princípio da proteção do trabalhador estabelecido nas normas celetistas. “Ele está de pé”! , comemora. Outro ponto que ele ressalta é que a reforma trabalhista defende a livre negociação entre empregado e empregador, mas, por outro lado, o artigo 468 da CLT também está de pé e  proíbe qualquer alteração lesiva ao empregado no contrato de trabalho, ainda que o empregado concorde. “Assim, pode-se negociar, mas com contrapartidas, sem retirar direitos do empregado, do contrário não é negociação, mas renúncia”. O desembargador alerta que o artigo 9º da CLT, também mantido, estabelece o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhista e conclui: “Mais do que nunca, nós precisamos trabalhar os princípios do Direito do Trabalho!”.

Quanto ao salário, esclarece o jurista que o princípio da preferência do salário também foi mantido, até porque está no artigo 100 da CF/88, além de também constar do artigo 186 do CTN (Código Tributário Nacional), que diz que o crédito da União prefere a todo e qualquer outro crédito, mas acima dele está o crédito trabalhista.

Entretanto, segundo o professor, a reforma trabalhista mexeu muito no aspecto processual, em detrimento do trabalhador, porque dificultou o seu acesso à Justiça. E exemplifica: “Se o empregador falta à audiência e o seu advogado comparece, a defesa é aceita, mas se o empregado falta o processo é arquivado e mais, ele só poderá reclamar de novo se recolher as custas processuais”. Para o palestrante, “isso fere a Constituição e não pode ser aplicado pelo juiz”. Ele lembra que o artigo 140 do CPC diz que compete ao juiz dirigir o processo, enquanto que a CLT, em seu artigo correspondente (artigo 765) diz que o juiz do trabalho é quem dirige o processo, devendo velar pelo seu rápido andamento e determinar a diligências cabíveis.

Terceirização

Entrando especificamente no tema da terceirização, o professor passa fazer, então, um breve histórico do processo da terceirização no país. Esclarece que ela chegou ao Brasil pela Lei 6.019/74. Desde a revolução francesa foi proibida a escravidão e a servidão, em consequência, foi proibida a comercialização da mão de obra. Isso foi um princípio mundial, ressalta. Mas em 1974 veio a Lei nº 6.019 e permitiu o trabalho temporário, quando uma empresa colocava um trabalhador à disposição de outra, por no máximo três meses, para suprir demanda eventual. Ou seja, a empresa não estava acrescentando nada em seu quadro, pois recorria ao trabalhador temporário quando algum empregado saía de licença ou quando havia uma demanda especial, por exemplo, em razão de um grande volume de exportação naquele mês, mas sempre pelo máximo três meses e para uma situação emergencial.

Dez anos depois, continua o professor, veio a lei da segurança bancária, a Lei 7.102/83, para dizer que, em relação à segurança bancária e transporte de valores, o serviço poderia ser prestado por outra empresa, em caráter permanente, mas exclusivamente para essa finalidade. A partir daí a terceirização começou a aparecer informalmente, até que, em 97, veio o Decreto 2.271, permitindo a terceirização no serviço público de atividades chamadas acessórias (transporte, manutenção, etc) e, ainda, a lei das telecomunicações, que autorizou a terceirização em algumas atividades-fim. Apesar dessa lei não ser clara, frisou o palestrante, o processo de terceirização continuou e o TST, depois de muita discussão, editou a Súmula 331, em 1993, que foi um instrumento que praticamente regulamentou a terceirização, até hoje. Com isso, o TST fez a montagem da Lei nº 6019, da Lei nº 7.102 e ainda criou um terceiro gênero dessa montagem, que permitiu a terceirização generalizada para atividade-meio, além de ter colocado a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços. O palestrante lembrou que foi mantida a distinção entre trabalho terceirizado e temporário. “Essa foi a evolução da terceirização até então, ou seja, a Súmula 331 do TST veio para atender uma demanda de mercado que não tinha jeito de conter”, pontua.

De acordo com o professor, a lei nova da terceirização (Lei 13/429 de 31/03/2017) foi talhada pelo legislador a partir da carcaça da lei do trabalho temporário, a Lei 6.019, talvez em razão da pressa em se aprovar a lei da terceirização. Mas o palestrante faz uma ressalva: Com a nova lei, propagou-se que foi aprovada a terceirização ampla e total. Mas, a empresa chamada de “prestadora de serviços” é uma empresa “especializada”, ou seja, ela presta serviços “especiais”, o que não comporta uma ideia de generalização. “Creio que foi por isso que a reforma trabalhista trouxe um artigo apenas para dizer que a terceirização é para todas as atividades, inclusive a principal, talvez com medo que viesse uma jurisprudência para dizer que os serviços prestados seriam especiais”, reflete o desembargador.

“É assim mesmo, o princípio é o caos, interpretar é pôr em ordem”, afirma ao palestrante, concluindo que caberá aos juristas interpretar a lei da reforma trabalhista: “O legislador é empírico, é pragmático, imediatista. O ato de interpretar é científico, paciente. Esse é o nosso papel, interpretar”.

E, para o professor, uma boa interpretação da nova lei da terceirização exige uma boa reflexão sobre alguns conceitos básicos ali tratados, como, por exemplo, “O que é empresa de trabalho temporário, o que é empresa prestadora de serviços? Qual seria o conceito de prestação de serviços? Qual o conceito de trabalho temporário?” Ele explicou que a lei nova diz que se considera prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante de um determinado serviço. Mas esse conceito lhe parece invertido: “O correto seria, considera-se prestação de serviços a terceiros a execução de quaisquer atividades da contratante. A contratante, nesse caso, é a que toma o serviço terceirizado. É preciso tomar cuidado com esses conceitos presentes na lei da terceirização, justamente para se saber sobre o que se fala”, alerta.

Muitas perguntas e poucas respostas

Nesse ponto, o desembargador passou a fazer indagações que considera importantes, para se procurar entender2017_0929_ReformaTrabalhista_Manha_MM4.jpg e interpretar a lei da terceirização, entre elas: A terceirização ficou tão ampla como se divulgou? Será que se pode terceirizar tudo mesmo? A administração pública pode terceirizar as atividades principais? As empresas do setor privado podem terceirizar todas as suas atividades? A faculdade particular pode terceirizar professor? De acordo com o jurista, são muitas perguntas e poucas respostas, mas ele afirma que não é como se diz: “A terceirização não ficou tão extensa, tão ampla”, frisou, acrescentado que, por exemplo, há barreiras para a terceirização da atividade de professor e também para a terceirização das atividades da administração pública em que exista quadro de carreira. A administração pública apenas pode terceirizar atividades periféricas ou que sejam relativas a cargos em extinção, esclarece.

Conforme explica o palestrante, a única instituição privada que é obrigada a ter quadro de carreira organizado de magistério é a faculdade, por imposição da LDB (Lei de Diretrizes e Base da Educação). Sendo assim, será que vai se poder terceirizar para a atividade de professor? “É uma indagação que eu deixo para os estudiosos. É preciso que se pense sobre todos os pontos de vista”, destaca. 

Outra indagação feita pelo desembargador: A responsabilidade subsidiária alcança o serviço público? Para ele, esse foi mais um ponto positivo da reforma: “A lei nova diz que o tomador de serviços é responsável subsidiariamente, mas não diz quem é o tomador dos serviços. A própria Súmula 331 do TST dizia isso, mas veio o STF e disse que não podia responsabilizar a administração pública. Agora eu acho que a lei da reforma permite isso”, pontua o jurista.

Continuando em suas análises e reflexões, o palestrante lembra que a lei do trabalho temporário, em seu artigo 12-A, estabelece que quando o trabalhador temporário trabalhar nas mesmas atividades executadas por um empregado efetivo da tomadora dos serviços, ou seja, em uma atividade principal da tomadora, deverá haver isonomia entre ambos. Sendo assim, ele acredita que, no caso de terceirização de atividade principal, também deverá haver essa isonomia. “O terceirizado que trabalha lado a lado com o empregado da tomadora, ambos exercendo a mesma atividade, deve ter o mesmo salário. Não se trata de equiparação salarial, mas de isonomia”, conclui.

Em busca de respostas, são muitas as perguntas feitas pelo desembargador: Quais os limites de sobrevivência da Súmula 331 do TST? Ele ressalta que a Constituição estabelece o princípio da isonomia enquanto a CLT, em seu artigo 5º, estabelece que a todo trabalho igual corresponde salário igual. Com isso em vista, ele pergunta, ainda: Quais os limites da terceirização de mão de obra em qualquer empresa? O menor entre 16 e 18 anos pode trabalhar nas empresas prestadoras de serviços como mão de obra locada? E o aprendiz, ele pode exercer atividade terceirizada? E completa:“Eu não tenho essas respostas, tudo isso são indagações que eu faço...”.

Outras questões que, segundo o professor, terão que ser respondidas pelos estudiosos e aplicadores da lei: De quem é a responsabilidade pelo acidente de trabalho do trabalhador terceirizado? E pelos danos morais? A responsabilidade nesse caso seria solidária, da prestadora e da tomadora? E na sub-terceirização? A lei diz que a empresa prestadora de serviços pode subcontratar outra empresa. Ai, se o empregado não receber o salário, quem seria o responsável? Na ótica do desembargador, ambos seriam solidariamente responsáveis, pela aplicação do artigo 455 da CLT, que estabelece a responsabilidade solidária de empreiteiro e subempreiteiro.

Sobre as consequências antissociais da terceirização

Na visão do professor, as consequências da lei da terceirização serão catastróficas: “Redução salarial até 27%, aumento da jornada de trabalho, elevação da rotatividade de mão de obra, aumento dos acidentes de trabalho, sobrecarga do sistema da seguridade social, aumento da precarização, esse é o Brasil que nós estamos vendo lá na frente”, prognosticou. Haverá, ainda, na opinião do palestrante, uma queda da receita da Previdência, já que vai ser retirado o caráter salarial de muitas parcelas e, ainda, uma queda da qualidade dos bens e serviços, já que o trabalhador terceirizado não “veste a camisa” da empresa, como os efetivos. Pode haver um aumento ainda maior da concentração de renda e o aumento do trabalho infantil, do trabalho senil, queda do PIB do Brasil e da própria economia: “Quando não há salário, não há economia”, analisa.

Foto: Leonardo Andrade

Toda virtude se encerra na Justiça e só é nobre quem é justo. O Brasil está injusto, lamenta o professor, terminando sua exposição com a seguinte reflexão: “A justiça é a busca da verdade. Um país sem justiça não é um país habitável. Como manter nossa independência interior se estamos vivendo na desordem e no desespero? O que hoje existe no Brasil é uma verdadeira crise de caráter”.

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