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Des. Rosemary Pires: O caminho é buscar a harmonização da Reforma com a Constituição

publicado: 06/12/2017 às 23h01 | modificado: 07/12/2017 às 02h00

Logo do NJ EspecialAo iniciar sua exposição sobre a obra A Prevalência do Negociado sobre o Legislado - Reflexões críticas à constitucionalidade do art. 611-A da CLT, a desembargadora Rosemary de Oliveira Pires, que também é professora da Faculdade de Direito Mílton Campos, fez questão de deixar claro que o tratamento da questão no livro é de natureza eminentemente técnica, científica e doutrinária, não significando, de forma alguma, uma antecipação do seu posicionamento jurisdicional. Nos casos concretos, afirmou que virão ajustes. “Sabemos até que a realidade é sempre mais rica e sempre nos trará ainda mais novos desafiadores questionamentos”, registrou.

Em sua manifestação, ela ponderou que não é de hoje, nem mesmo é a partir da Constituição de 1988, com seu artigo 8º prevendo o reconhecimento da negociação coletiva, que já se punha em xeque o problema da validade de normas coletivas quando traziam concessões que implicavam em aparente perda de direitos trabalhistas. Segundo a magistrada, a Constituição de 88 trouxe essa afirmação do reconhecimento e, por essa razão, talvez, um maior vigor nesse tipo de debate. De fato, o número de negociações aumentou, como em cláusulas envolvendo horas in itinere, adicional de insalubridade, não cumulação com adicional de periculosidade, ou cumulação, mas por tempo proporcional à exposição.

De acordo com a magistrada, sempre houve questionamento a respeito de serem válidos ou não esses instrumentos. Na época, lembra que se formaram basicamente duas correntes que diziam que a negociação valia e nem cabia fazer essa análise da temperança dessas concessões recíprocas. Outras que tinham maior cuidado, buscavam identificar se houve um prejuízo para o trabalhador, uma concessão recíproca. Mas, entre esses, havia ainda os que diziam só caber negociação sobre determinados direitos previstos expressamente sob a ressalva de negociação coletiva no corpo dos incisos do artigo 7º da Constituição.

Para a desembargadora Rosemary, a questão talvez resida exatamente numa leitura literal, pois uma primeira leitura do artigo, realmente, impressiona, impacta e assusta. Dá a nítida sensação de que todo o legislado será rompido ou será reduzido em razão de uma negociação que vá contra essa legislação. “O problema não é o negociado valer sobre o legislado. O problema é o negociado prevalecer contrariando frontalmente o legislado”, registrou. E explicou que, ao longo dos estudos de Direito do Trabalho, pelo menos os estudos tradicionais, o princípio matriz do direito do trabalho é o princípio da proteção. Sobre esse princípio se desencadeiam todos os outros, inclusive o da cláusula mais favorável, que sempre serviu como parâmetro para análise de conflito de normas. Segundo a magistrada, o negociado sempre valeu mais que o legislado quando ele vinha a favor do trabalhador. O problema é saber se agora, quando ele não vem a favor do trabalhador, terá esse nível de prevalência a ponto de afrontar a legislação.

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Ela menciona o debate histórico, basicamente, envolvendo duas correntes doutrinárias da flexibilização. Uma que entendia a necessidade de se alcançar através da negociação coletiva uma maior adaptabilidade a situações práticas específicas de empresas ou de determinadas categorias de empregados, mas que defendia a prevalência da negociação, pelo menos em termos quantitativos ao disposto na legislação. E, por outro lado, havia uma corrente mais radical que era a favor da desregulamentação, que se sustenta na ideia de que temos lei protetora demais. A reboque dessa legislação, o Judiciário também seria protetor demais, promovendo o demandismo, o paternalismo, excessos de pedidos, acarretando despesas do erário.

Conforme ensinou a professora, do ponto de vista histórico da formação do direito do trabalho, a autonomia e a heteronomia são, na verdade, o grande debate a partir do qual se construiu o próprio Direito Trabalho. Havia uma autonomia em plena vigência do sistema liberal e individualista, com os códigos, com os contratos civis, Código Napoleão. Exatamente essa questão social foi sendo percebida a ponto de a autonomia ser afastada, entrando em seu lugar o Estado através da sua atuação heterônoma. Uma normatização feita por outro que não compõe o contrato entre as partes. De acordo com as explicações da professora, isso é heteronomia. E é nesse contexto que surge o Direito do Trabalho.  “Muitos dos que criticam a reforma, pensam que estamos voltando ao passado, uma vez que já tínhamos a autonomia, viemos para heteronomia e agora estamos voltando para a autonomia”, ponderou.

De fato, prosseguiu, todos os grandes doutrinadores, sejam eles externos ou internos, afirmam que através daLeiseletras17.11.1719.jpg heteronomia é que se faz verdadeiramente forte a proteção do trabalhador. Sendo o trabalhador a parte mais fraca na relação, tem imensa dificuldade de negociar condições igualitárias com o empregador. Além dessa doutrina que sustenta a heteronomia, a regulamentação estatal como mecanismo mais eficaz do que se chama justiça social, há também o movimento de constitucionalização em todo o mundo. A desembargadora lembra que a Constituição de 1988 lançou um rol enorme de direitos trabalhistas e nisso o Brasil coincide com vários outros países, como México, Alemanha e Itália. Além da constitucionalização, há também instrumentos, diplomas internacionais da OIT, a Carta de Filadélfia, Declaração Universal dos Direitos do Homem, todos conduzindo à importância de os países de todo o mundo (a declaração dos direitos humanos vale para todos, é uma declaração realmente Universal), no sentido de que os estados têm que empreender a regulamentação dos direitos trabalhistas.

Conforme expôs a magistrada, tudo tende à heteronomia, tirando a reforma. Tudo tende à ideia de ser evidente que tem que se fazer uma proteção ao sindicato, tem que se buscar autonomia normativa coletiva pela via do sindicato, mas sem prejuízo da legislação que seria o grande mecanismo de proteção dos trabalhadores. O próprio direito privado, como o direito de consumidor, tende a ter uma regulação protetiva, em relação ao contratante mais deficitário. É o que no Direito Civil se chama o fenômeno do dirigismo contratual. No Direito Civil, que é o grande modelo de direito privado, é possível ver uma abertura da autonomia cedendo espaço para heteronomia.

A sensação que se tem, quando se pensa que essa Norma 611-A e B estaria retirando a legislação e pondo a autonomia, é a ideia de que estamos em contraponto a evolução Nacional, Mundial e do próprio direito privado. Na visão da julgadora, a perplexidade começa nesse ponto. “O que objetivamos é fazer uma análise desses dois artigos à luz da Constituição”, destacou, explicando que busca-se uma forma de mitigar essa situação para que esse artigo tenha uma inteligência constitucional.

E é justamente isso o que a obra faz ao apontar as várias hipóteses de prováveis inconstitucionalidades ou de “constitucionalidade duvidosa”, a fim de que a interpretação possa se adequar e encontrar um caminho para a aplicação da norma, sem que com isso se perca a essência da nossa Constituição.

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