Você está aqui:

Dr. Sebastião: controvérsias atuais nas indenizações por acidente do trabalho e doença ocupacional

publicado: 26/04/2018 às 00h01 | modificado: 26/04/2018 às 01h03

400b_2018_0413_SebastioOliveira.JPGMembro da Academia de Direito do Trabalho, o professor e desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira ressaltou sua imensa alegria em lançar a 10ª edição de seu livro, ainda mais entre colegas desembargadores que com ele tomaram posse há 32 anos. Contou que foi no bojo do TRT mineiro que a obra foi gestada e acalentada passo a passo, pois o julgamento diuturno é que lhe dá condições de analisar a aplicação da doutrina à prática do caso concreto.

Controvérsias atuais – Busca histórica

Antes de expor acerca de controvérsias atuais, o autor iniciou com uma rápida busca histórica para se entender o significado dessa situação. E, assim, voltou lá na Emenda 45/2004, que estabeleceu a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho e, dentre elas, também, as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.

Contou que, para nossa surpresa e apreensão, o STF, em sua primeira interpretação ocorrida em março/2005, no julgamento do RE 438.639, entendeu que a competência para julgar as indenizações por acidente do trabalho continuava sendo da Justiça Comum. Para tanto, adotou os seguintes fundamentos: unidade de convicção, razões de ordem prática e manutenção da jurisprudência da corte. Mas para nosso alívio, 112 dias após, em 29/06/2005, o STF reconsiderou e no célebre acórdão do CC 7.204-1 decidiu que a competência para julgar as indenizações por acidente de trabalho, desde a vigência da EC 45/2004, passou a ser da Justiça do Trabalho. Esse fato foi assentado na Súmula Vinculante 22 do STF e pacificou de vez a controvérsia.

Fatos portadores do futuro

Segundo expôs o palestrante, o francês Michel Godet, considerado o criador da “prospectiva”, estuda em sua obra os “fatos portadores de futuro”. Fatos esses conceituados como “sinais ínfimos por sua dimensão presente, existentes no ambiente, mas imensos nas suas consequências e potencialidades”.

No seu entender, esse acórdão do Conflito de Competência 7.204-1 foi, sem dúvida, um desses fatos portadores do futuro. Conforme esclareceu, os 13 anos dessa nova competência foram bastante significativos. Isso porque antes, nos julgamentos realizados nesta Justiça Especializada, era considerado apenas o trabalho que dignifica. Não havia conhecimento do lado escuro. Conhecia-se o risco potencial, mas não o dano concretizado. “Passamos do trabalho que dignifica ao trabalho que danifica” – expressou-se o desembargador, ponderando que estavam habituados a lidar com risco monetizado, os adicionais de insalubridade e periculosidade, adicional noturno e adicionais diversos. E, a partir desse marco, passaram a lidar com uma reparação do dano, fato esse que, ao seu ver, promoveu relevante crescimento do respeito institucional para a Justiça do Trabalho.

Programa Trabalho Seguro – Vencedor do Prêmio Innovare 2012

Contou o palestrante que esse fato foi tão impactante que, ao homenagear os 70 anos da Justiça do Trabalho, a Presidência do TST destacou a novidade que foi a reparação de danos por acidente do trabalho. E aí foi que nasceu em 2011 o Programa Trabalho Seguro. Assim, além do juiz reparar o dano ele deve colaborar com a sociedade, influenciando na prevenção. Esse foi um fato portador do futuro, pois projetou seus efeitos para o futuro do trabalho e atualmente nós temos 55 magistrados participando do programa.

“Como podemos colaborar para a prevenção?” – foi o questionamento lançado, ponderando o desembargador que o trabalhador sai de casa com propósito de ganhar a vida e não para encontrar a morte, doenças ou mutilações. Acrescentou que os magistrados não podem se satisfazer em tão somente proferir uma decisão reparando a injustiça. Assim, a partir do conhecimento, da ciência e da influência que tem o magistrado na sociedade, ele pode colaborar também para trazer dias melhores nos ambientes de trabalho. Vejam que foi tão impactante esse programa que, no ano seguinte, em 2012, recebeu o Prêmio Innovare. E tamanha foi a dimensão do programa que recebeu do Vaticano uma carta de elogio.

Sebastioslide8.jpg

Estatísticas de acidente de trabalho e doença ocupacional: tragédia decrescente

Como demonstrou o palestrante, o sucesso do programa também pode ser traduzido em números, já que o número de excluídos do mundo do trabalho no Brasil por acidente de trabalho ou doença ocupacional vem caindo. E, para tanto, os magistrados, em atuação conjunta com os demais órgãos, colaboraram grandemente. “Os números ainda não são bons, mas já foi bem pior! Há um grande progresso, mas longe do que seria aceitável” – ponderou Sebastião Geraldo de Oliveira, frisando que o programa tem consistência e que o magistrado pode colaborar para trazer dias melhores ao mundo do trabalho.

Os dados também revelam os progressos havidos em relação ao número de acidentes de trabalho ocorridos no Brasil. Foi o que apontou o desembargador ao demonstrar que o número de mortes, que em 1975 já foi de 31 para cada 100 mil, está só diminuindo. Em 2016, tivemos menos de cinco mortes para cada 100 mil, o que demonstra um grande progresso, apesar de estar longe de um percentual aceitável. Como exemplificou o desembargador, no Reino Unido o número de mortos é menos de um para cada 100 mil trabalhadores.

“Ou seja, esse programa economiza vidas, economiza vítimas!” – enfatizou o palestrante, já que o programa tem colaborado para melhorar a dignidade do ambiente de trabalho.

Sebastioslide9.jpg

Lançamento do livro

Em 2005, no mês seguinte ao julgamento do CC 7.204-1 (fato portador do futuro) foi lançada a 1ª edição do livro do palestrante. Este chega agora à 10 ª edição, atualizado, com o dobro de páginas.

Sebastioslide12.jpg

Polêmica do nexo causal ou concausal

O palestrante pontuou que o tema continua causando muita controvérsia, especialmente em relação às doenças ocupacionais. O nexo causal é a ligação, o vínculo, a relação de causa e efeito com o trabalho. Ele é um pressuposto necessário para a indenização.

Como esclareceu, o nexo é de fácil constatação no acidente típico, mas costuma ser bastante complexo nas doenças ocupacionais. Nestas, o nexo é presumido (ergopatias ou tecnopatias), como na silicose, por exemplo. Mas quando se chega nas doenças do trabalho (mesopatias) o nexo é provável e, nos transtornos mentais e distúrbios, o nexo é apenas possível.

Como lembrou, hoje estão sendo julgados muitos casos envolvendo transtornos psiquiátricos que vem sendo atribuídos ao trabalho. E o grande desafio, no seu entender, é dar direito a quem tem e não conceder a quem não tem.

Dano moral x dano psíquico

Agressões ocupacionais, segundo explicou o autor, são os riscos do local de trabalho, a exemplo dos fatores organizacionais, assédios moral e sexual, assédio moral estrutural, jornadas exaustivas, atividades estressantes, eventos traumáticos (às vezes, a questão psíquica é decorrente do próprio acidente; como por exemplo, pode haver uma lesão cerebral), discriminação, perseguição da chefia, demandas cognitivas, metas abusivas, agressões diversas, bullying, etc. Ele alertou que as agressões psíquicas podem gerar desde um mal estar, tristeza, angústia até um adoecimento de maior gravidade.

Nesse ponto, o desembargador abordou a grande discussão que surge para o perito, ao analisar as agressões laborais relatadas na petição inicial. Quando for um agente neurotóxico, por exemplo, é fácil. Causa dano orgânico, como demência. Mas e os transtornos psíquicos não orgânicos? Aqui a discussão fica maior, no entender do palestrante.

Segundo colocou, as agressões podem gerar desde um dano emocional até um dano psíquico. E, se os peritos não conhecem o dano moral, os magistrados, por seu turno, não conhecem o dano psíquico. De forma que, muitas vezes, vem a conclusão do laudo pericial, dizendo que não há doença. “Mas isso não significa que não caiba indenização alguma!” – alertou o palestrante, pois pode ser que tenha havido um dano emocional em razão das agressões laborais. Assim, pode ser que ele tenha um mal estar, uma humilhação, podendo caber um dano moral.  Não é necessário o adoecimento para caracterizar o assédio, por exemplo.

“Muitas vezes o perito tem dificuldade em mencionar que aquela situação causou um dano emocional, um desconforto, apesar de não ter causado uma doença, um dano psíquico” – expôs o desembargador, lembrando que essa dificuldade se reflete no laudo. Ele contou que tem debatido esse assunto com os pesquisadores da pós-graduação em psiquiatria ocupacional na USP.

Entre os temas mais discutidos atualmente estão, por exemplo, saber se a agressão gerou um dano emocional ou um dano psíquico e, ainda, se foi causado, agravado ou acentuado pelo trabalho, considerando que a pessoa poderia ter outra situação extra laboral. Ele concluiu que o aprimoramento científico para decidir com conhecimento a respeito desse tema é hoje um grande desafio.

Concausa de uma maneira geral

Continuando, o desembargador expôs que, além dos fatores ocupacionais, temos os fatores não ocupacionais, ou seja, adoecemos também por razões não ligadas ao trabalho, como doenças do grupo etário. A esse respeito, disse que o brasileiro, em 75 anos, passou a viver 30 anos a mais, em média, o que é um dado histórico espetacular. Outros fatores não ocupacionais mencionados foram as doenças degenerativas, doenças preexistentes, atividades extralaborais, doenças genéticas/congênitas, fatores psíquicos individuais, algumas práticas esportivas/hobbies, sequelas de acidentes/doenças, hábitos de vida, dependência química, caso fortuito, força maior, fato da vítima.

Ele afirmou que, muitas vezes, o perito apenas diz que o trabalho atuou como concausa. E aí cabe ao juiz “se virar” para decidir a situação. E nessa decisão, tem que haver um equilíbrio. “Dar a indenização por completo, não é justo. Não dar indenização alguma, também não é justo.” – ponderou o desembargador, alertando, porém, para a dificuldade de decidir, diante da ausência de legislação tratando das concausas.

Essa lacuna legal levou os pesquisadores a desenvolverem o estudo da concausa e do nexo causal. Como esclareceu, todo dano tem antecedentes, que são condições. Algumas são causais, outras não causais e outras circunstanciais, sendo crucial selecionar, dentre as condições, quais são as causais e quais destas seriam ligadas ao trabalho ou não. Ao fazerem uma busca no sistema jurídico, observaram que, na ciência jurídica, sempre se considera a intensidade do fator causal para mensurar o direito, tais como, insalubridade (graus mínimo, médio e máximo), culpas (grave, leve e levíssima), seguro de acidente de trabalho: risco leve, risco médio, risco grave (Lei 8.212/91). Observam-se, ainda, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, tão caros ao Direito do Trabalho. Logo, ele concluiu não ser razoável atribuir toda a indenização quando o trabalho apenas colaborou para o adoecimento e igualmente não ser razoável não conceder indenização alguma.

Teoria da Gradação das Concausas

Foi exatamente diante dessa problemática que se desenvolveu a teoria da Gradação das Concausas que, curiosamente, tem chamado a atenção da doutrina da Responsabilidade Civil, criando, de forma ousada, a seguinte tabela:

Sebastioslide20.jpg

Segundo afirmou, essa tabela tem sido adotada no Brasil. A gradação se dá em 3 graus. O perito pode dizer em qual grau classifica, fundamentadamente. Se o trabalho colaborou de forma menor, a contribuição foi leve, então enquadra no grau 1; se a contribuição foi mais ou menos equivalente, enquadra no grau 2; e no grau 3 quando o trabalho foi o principal causador. No grau 3, fatores extralaborais colaboraram, mas o trabalho foi o principal causador. Sendo assim, socorre o aplicador o artigo 945 do Código Civil. “Não é um critério matemático, mas um critério de equidade”, resume o palestrante.

Sebastioslide25.jpg

Honorários periciais a partir da Reforma Trabalhista

Na sequência, o palestrante externou sua preocupação com a alteração inserida pela Reforma em relação aos honorários periciais:

 Art. 790-B. § 1o Ao fixar o valor dos honorários periciais, o juízo deverá respeitar o limite máximo estabelecido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

A seu ver, a Reforma adotou um fundamento que pode prejudicar muito a qualidade das perícias realizadas na Justiça do Trabalho já que, ao fixar os honorários periciais, o juiz deverá respeitar o limite fixado pelo CSJT. Só que esse limite, fixado em R$1.000,00, foi estipulado considerando a situação de justiça gratuita (Resolução Nº 66/2010 – CSJT). Para o desembargador, se o valor dos honorários periciais ficar restrito a esse montante, as boas perícias vão acabar, pois os peritos vão se afastar.

Fazendo um paralelo, ele frisa que o CPC foi claro ao estipular que a tabela incidirá se a União for responsável. Se não, o juiz fixará o valor, conforme proposta das partes (artigo 465, §2º e 3º do CPC). “Será então que a nossa perícia ficou inferiorizada em relação à perícia da Justiça Comum?” – questiona o desembargador, afirmando que é preciso que o TST reveja logo essa resolução do CSJT.

Dano extrapatrimonial

De acordo com o palestrante, a reforma trouxe outra questão controvertida, referente ao dano extrapatrimonial. O desafio, segundo expôs, é definir o que é o dano existencial, já que agora ele está na expressa literalidade da norma.

O artigo 223-B dispôs que causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação. Eis aí criada a nova figura do dano existencial. Assim, o que era uma cogitação doutrinária agora é dispositivo de lei, não havendo dúvida acerca de sua aplicação.

Discorrendo sobre a evolução dos institutos, o desembargador esclareceu que durante muito tempo houve discussão no Brasil sobre se poderia haver condenação por dano moral. Isso só foi pacificado em 1992, com a edição da Súmula 37 do STJ. Depois veio a dúvida: cabe acumular dano moral e dano estético? Passado algum tempo, entendeu-se que são figuras próximas, mas distintas. “No dano moral, a alma sente. No dano estético, o corpo mostra” – esclareceu o palestrante, acrescentando que a questão foi pacificada em 2009, no sentido de que cabe acumular dano moral e dano estético (Súmula 387 do STJ).

Prosseguindo, destacou que agora veio a reforma dizendo que cabe acumular dano moral e dano existencial, porque ambos estão aqui como espécies de dano extrapatrimonial. Nesse contexto, ponderou que, se há um dispositivo legal assegurando o dano existencial, teremos que definir a reparação por dano existencial, citando Adriano de Cupis, grande jurista italiano, no sentido de que “O que o direito tutela, o dano vulnera”.

E colocou o grande desafio surgido a partir daí: como diferenciar dano moral do dano existencial?

Sobre isso explanou: enquanto o dano moral é identificado principalmente por um sentimento, o dano existencial é identificado principalmente por um impedimento. Enquanto aquele compromete o bem estar (angústia, desconforto, medo, raiva, tristeza, humilhação, etc), gera uma dor revolta pelo dano injusto, causa um sentimento dolorido e afeta as sensações de bem estar imediato, o dano existencial é identificado principalmente por um impedimento, impede a fruição das atividades principalmente incorporadas no modo de viver: lazer, esporte, convívio, religião. Ou seja, promove uma adaptação forçada para a sobrevivência possível e produz a sensação de um não mais poder fazer frustrante, afetando as aspirações de autorrealização do projeto de vida.

E, ao fim, o jurista criticou a utilização da terminologia dano extrapatrimonial somente na Justiça Trabalhista, já que todo o sistema utiliza dano moral. Ao seu ver, a distinção não faz sentido.

Tabelamento dos danos extrapatrimoniais

O tabelamento dos danos extrapatrimoniais (previsto no artigo 223 – G, §1º da CLT), também foi alvo de críticas. Para o desembargador, é curioso que a lei tenha estipulado que, se julgar procedente, cada um dos ofendidos vai ter a indenização calculada sobre seu último salário contratual, conforme a natureza seja leve, média, grave ou gravíssima.

Como expôs, esse dispositivo - que anteriormente havia sido aprovado no PL do Senador Pedro Simon no Senado - foi arquivado e considerado inconstitucional, por unanimidade, quando foi enviado à Câmara Federal (PL 7.124/2002). E agora a Reforma o aprovou, apesar de ferir a CF/88.

Com a vã promessa de corrigir esse rigorismo que veio a Medida Provisória 808. Ela consertou, adaptou a norma, colocando outro limite, qual seja, até três vezes o limite da Previdência Social. Mas a MP não vai ser aprovada e vai caducar. Assim, vai prevalecer a redação original da Reforma, voltando a discussão anterior, o que é lamentável, na visão do desembargador.

Lembrou o palestrante que esse tabelamento já foi anteriormente analisado na Lei de Imprensa, sendo considerado inconstitucional pelo Supremo (ADPF 130-DF – STF PLENO – 30.04.2009). Por seu turno, o STJ, na Súmula 281, também pacificou o entendimento de que a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.

O resumo da ópera, segundo prevê Oliveira, é que, na Justiça Trabalhista temos dano extrapatrimonial tabelado, com reparação limitada, enquanto, nos demais ramos do Judiciário continuará vigorando o dano moral sem tabelamento, com reparação integral. Ele questionou qual o propósito disso e disse temer que seja tão somente para que a JT seja inferiorizada, apequenada e que não tenha as mesmas prerrogativas dos outros ramos do Direito.

Visualizações: