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Professor português palestra sobre o futuro do Direito do Trabalho frente à reforma trabalhista

publicado: 22/06/2018 às 17h17 | modificado: 21/10/2018 às 10h48

A Escola Judicial do TRT-MG promoveu, nesta quinta-feira (21), palestra sobre “As reformas trabalhistas e o futuro do Direito do Trabalho”, ministrada pelo professor João Leal Amado, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. O evento, gratuito e aberto ao público, ocorreu no auditório do edifício-sede do Tribunal, em BH.

Foto: Leonardo Andrade.

O palestrante João Leal Amado é mestre e doutor em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra – Portugal. É também professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Direção da Associação Portuguesa de Direito do Trabalho (Apodit) e autor, entre outras obras, do livro “A Cessação do Contrato de Trabalho: uma perspectiva luso-brasileira”, editado pela LTr, São Paulo, 2017.

Reforma trabalhista no Brasil : "Brusca e violenta”

Em sua exposição, o jurista fez um paralelo entre as reformas trabalhistas ocorridas no Brasil e em Portugal. E destacou: “No Brasil, a reforma foi brusca, violenta, sem muita discussão e com muitas mudanças na CLT. Em Portugal, ela foi mais debatida, feita em doses sucessivas”. Contudo, ressaltou que ambas foram realizadas em momento de crise econômica grave e mediante o mesmo discurso: a necessidade de “modernizar o Direito do Trabalho”, para conferir às empresas maior competitividade e atrair capital para o país: “Começou a haver críticas ao Direito do Trabalho, com a fala de que ele tinha se tornado um fator de ineficiência empresarial e econômica. Disseram até que o Direito do Trabalho era o responsável pelo desemprego. Assim, o Direito do Trabalho, criado para proteger os trabalhadores, foi apontado como fator prejudicial a eles.”.

Trabalho não é mercadoria

Mas o professor destacou que a força de trabalho não é mercadoria e, portanto, não pode ser tratada como tal: “O trabalho não é mercadoria, o trabalho são as pessoas. Todo o Direito do Trabalho se fundamenta nessa frase!”, pontuou.

Ele lembrou, ainda, que, nas décadas de 70/80, após um período de expansão dos direitos trabalhistas, teve início um processo de retirada desses direitos: “Propagou-se a necessidade de um novo Direito do Trabalho, não focado no trabalho e no trabalhador, mas na empresa, na competitividade dela. Menos social, mais econômico, com uma verdadeira colonização economicista do Direito do Trabalho. que, então, deveria servir para buscar o capital e promover o enriquecimento, não para proteger o trabalhador”.

Efeitos da Reforma

Mas o jurista alerta que o Direito do Trabalho foi criado para proteger o trabalhador, sempre a parte mais fraca na relação de emprego, e não para buscar o capital e promover o enriquecimento. “Esse ‘novo Direito do Trabalho, modernizado’, fez com que o princípio de proteção do trabalhador, pedra de base de toda a luta histórica dos trabalhadores, fosse se enfraquecendo”. E, nesse ponto, o expositor citou vários exemplos fáticos, tanto no Brasil, como em Portugal, dessas regras reformistas, entre eles: a prevalência do negociado sobre o legislado. “Antes, o negociado em acordo coletivo prevalecia, desde que fosse mais vantajoso ao trabalhador, claro, já que a alma do Direito do Trabalho é justamente o princípio protetivo. Agora, o acordo coletivo pode ser prejudicial ao trabalhador, a lei deixou de ser imperativa!” – frisou. Ele lembrou, ainda, que os sindicatos, com a reforma, estão mais enfraquecidos. É bom dar mais poder normativo a quem tem cada vez menos força? - indagou

Segundo o expositor, outro princípio que foi enfraquecido com as reformas foi o da continuidade da relação de emprego: “Surgem modalidade de contratos de trabalhos atípicos, precários, como o trabalho intermitente, criado em Portugal em 2009 e que agora é a estrela da reforma trabalhista no Brasil”. E, nesse ponto, o professor ressalta que Brasil foi muito mais longe que Portugal: “Lá, o trabalhador intermitente tem de ter trabalho ao menos por 6 meses ao ano. Aqui, ele pode ter um contrato de trabalho em vigor, mas pode não haver trabalho e não haver salário, com a luz sempre apagada, sem qualquer intermitência.”.

As novas regras sobre a dispensa coletiva também foram citadas pelo professor como exemplo do processo de enfraquecimento do princípio de proteção do empregado. Ele ressaltou que essa ideia, de possibilidade de dispensa coletiva, está na Europa e em 2012/2013 chegou a Portugal, chegando também com a reforma trabalhista brasileira.

Riscos das reformas – O futuro do Direito do Trabalho

Para o jurista, a reforma trabalhista no Brasil foi muito longe, reduzindo drasticamente os direitos dos trabalhadores. Mas ele destacou que, infelizmente, isso é uma tendência mundial: “Parece que os países disputam quais irão destruir mais o Direito do Trabalho para atrair o capital”, lamenta.

Nesse cenário, o palestrante aponta que o risco é que haja a substituição do Direito do Trabalho por leis de mercado do trabalho, “voltadas para regular a compra e venda da mercadoria da força de trabalho”: Ele reconhece que os trabalhadores estão diferentes, as empresas também, há novas tecnologias e  modernizar é preciso: “Mas sem se esquecer dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho, sem os quais ele perde toda a sua essência, toda a sua alma!”

Mas o jurista lembra também que há uma resistência à flexibilização, ou precarização dos direitos trabalhistas. E esta resistência, acrescentou, se dá, principalmente, na importância de validade das constituições de nossos países. “Houve casos em Portugal que se declarou a inconstitucionalidade das regras reformistas. O Tribunal Constitucional de Portugal foi muito importante para frear o desrespeito aos direitos dos trabalhadores” – pontuou.

Quanto ao futuro do Direito do Trabalho no Brasil e no mundo, o professor disse que não há como ser otimista. Ele ressalta que, em Portugal, esse processo de flexibilização, ao menos, parou e, agora, haverá uma reforma para conter a reforma. Mas destaca que o discurso sobre a necessidade de reformas trabalhistas continuam pela Europa e que todas aquelas ocorridas nos períodos de austeridade foram mantidas e não serão retiradas. “A tendência mundial e a pressão global é fortíssima no sentido da flexibilização e desestruturação do Direito do Trabalho e, assim, infelizmente, não posso ser otimista”, finalizou o professor.

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