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Fábio Gomes: A arbitragem como solução de conflitos trabalhistas

publicado: 16/08/2017 às 08h10 | modificado: 16/08/2017 às 09h15

Doutor em Direito Público e Juiz do Trabalho da Primeira Região (RJ), Fábio Rodrigues Gomes defende a arbitragem individual como um meio rápido e barato para solução de conflitos, inclusive os trabalhistas. Isto porque o meio judicial, segundo expôs, não está funcionando bem. Embora a Justiça do Trabalho seja mais rápida e produtiva que os demais ramos do Poder Judiciário, os seus mais de quatro milhões de novos processos por ano tornam inviável qualquer aparato judicial, isso em qualquer lugar do mundo.

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Segundo ponderou o palestrante, essa absurda quantidade de ações gera um custo igualmente alto, o que desemboca no deficit orçamentário com que convivemos. “Então, é preciso buscar meios alternativos de soluções, empoderando a sociedade para a solução dos seus conflitos”, sugere, acrescentando que isso foi o que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa.

De acordo com Fábio Gomes, o nosso custo de acesso ao Judiciário é baixíssimo e essa avalanche de processos é a luz amarela para que se acenda essa nova forma de solução de conflitos para além da JT. Um ponto favorável a isso, segundo ele, é a nossa capacidade e o nosso know how em conciliação que, na Justiça do Trabalho, chegam a mais de 40% das ações em trâmite, o que é muito superior ao da Justiça Comum.

“Vejo na arbitragem um desenho institucional que leva à eficiência com baixo custo e que vai ser adequada à realidade das partes, e não como panaceia que vai salvar ou acabar com a Justiça do Trabalho”, dispara. Esse juízo arbitral, segundo explica, se apresentaria como um meio complementar à jurisdição pública. Inclusive, a lei de arbitragem aprovada prevê a carta arbitral, um diálogo entre o árbitro e o juiz togado. “Se quebrarmos as resistências, inclusive do TST, seria um alívio ao Judiciário, que continuaria como guardião dos direitos fundamentais dos trabalhadores, já que um artigo prevê a anulação de acordos arbitrais que sejam ilegais ou em que haja coação. O Judiciário é que dará a palavra final nesses casos”, completa, acrescentando que, pela Lei Complementar Nº 75/93, o Ministério Público do Trabalho tem autorização para atuar como arbitro (art. 83, XI).

Assim, ele entende que os juízos arbitrais seriam parceiros importantes na resolução de conflitos, desafogando Judiciário que, com a sobrecarga hercúlea, não consegue atender aos anseios da sociedade de celeridade e eficiência. Para o palestrante, os juízes tem que se preservar imparciais e não paternalistas e, de mais a mais, é humanamente impossível conhecer cada lei, súmula, enunciado e jurisprudência sobre cada uma das centenas de matérias que julgam. “Os juízes do trabalho são os mais produtivos do Brasil, quiçá do mundo, mas ainda assim, se não houver uma saída alternativa, não vejo um futuro promissor para a JT”.

Em se adotando a solução arbitral, o magistrado pondera que o árbitro deve ser escolhido pelas partes. Isto é preferível aos que procedem de listas, em que os escolhidos têm posições pré-definidas sobre assuntos cruciais para a categoria. Ele rechaça o argumento de que o empregado seria hipossuficiente para escolher o árbitro, ficando sujeito ao que fosse imposto pelo empregador. Para Gomes, isso é um excesso de abstração, descolada da realidade e que vislumbra o empregado como um eterno e obrigatório hipossuficiente: “Tem contextos de hipossuficiência, mas há situações em que não há essa condição na relação de emprego ou trabalho”, pondera, acrescentando que a lei de arbitragem previa isso para o caso dos altos executivos, mas o artigo foi vetado pela Presidência da República, segundo ele, “por motivos pífios”. Agora isso retorna no artigo 507-A, da reforma, que traz a cláusula arbitral para empregados de nível superior. “O tema gera desconforto porque mexe com algo enraizado no antigo direito do trabalho brasileiro. Mas no novo direito do trabalho isso é paradigmático”, aponta.

Esclarece o palestrante que o art. 855-B prevê a presença obrigatória de advogado na realização das arbitragens individuais trabalhistas, o que garante aos trabalhadores a assistência necessária.

Mas ele aponta outro grande obstáculo para a efetivação da solução arbitral: a discussão sobre o que caracterizaria ou não os direitos indisponíveis. “O que é indisponível? Até onde vai o indisponível?”, questiona. Ele explica que a indisponibilidade ocorre quando o titular do direito consente com um certo grau de enfraquecimento da sua posição jurídica para que outra pessoa atue de uma maneira que não poderia sem o seu consentimento prévio. Como exemplo, cita as autorizações de disponibilização do próprio corpo dadas ao médico pelo paciente que vai se submeter a uma cirurgia. Mas daí vem a discussão sobre a qualidade do consentimento. Diz-se que o empregado está premido pela necessidade básica, o que é um fator limitador da sua liberdade. “O legislador brasileiro ousou e disse que quem tem determinado patamar de salário tem, sim, essa liberdade para negociar individualmente”, comentou  Gomes, para quem essa ideia da indisponibilidade tem de ser dessacralizada e discutida de forma menos apaixonada.

O magistrado lembra que, na prática das conciliações trabalhistas, empregados transacionam direitos indisponíveis o tempo todo. “E aí, onde está o direito indisponível?”, questiona. “São  transacionados ou convertidos em pecúnia e isso é feito perante o juiz”.

Por fim, o palestrante conclui frisando que a arbitragem pode vir a ser uma boa opção, como complemento à jurisdição, uma solução criativa e inovadora. Não resolverá tudo, mas virá para desafogar o Judiciário brasileiro, que poderá, enfim, respirar para poder trabalhar melhor. O Estado, nesse cenário, teria um papel subsidiário. O Judiciário funcionaria, então, como guardião, apurando casos de ilegalidade ou coação, casos esses em que o acordo firmado no juízo arbitral poderia ser anulado. Encerrando sua fala, o magistrado conclama a uma reflexão positiva sobre o assunto: “Precisamos ser protagonistas da História, e não rebocados por ela, por puro medo ou preconceito”, arremata.

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