Ação na Justiça Comum que visa restabelecer benefício previdenciário não impede trabalhador de receber créditos trabalhistas
Atuando como redatora de um processo analisado na Turma Recursal de Juiz de Fora, a desembargadora Juliana Vignoli Cordeiro se deparou com uma questão polêmica: um empregado pode se recusar a receber seus créditos trabalhistas por causa da existência de ação na Justiça Comum em que ele pede o restabelecimento do benefício previdenciário? Para a julgadora, a resposta é não, já que o trabalhador não provou que sua recusa tenha sido justa, nos termos do artigo 544, II, do novo CPC. Assim, ela entendeu que o trabalhador deve receber o crédito trabalhista.
Inicialmente, é importante entender a ação de consignação em pagamento: Quando o credor não puder receber o pagamento, ou se recusar a tanto, ou ainda não quiser dar o recibo de quitação da dívida, o devedor pode ajuizar uma ação de consignação em pagamento e fazer o depósito do valor devido em juízo, desonerando-se da obrigação. Isso pode ser feito também quando houver dúvida sobre quem tem legitimidade para receber o pagamento. De acordo com o artigo 335 do Código Civil, a ação de consignação em pagamento tem a finalidade de desonerar a parte autora de dívida que reconhece existir, entregando a quantia ou a coisa devida e evitando a mora ou a ineficácia no cumprimento da obrigação. O art. 544, II, do novo CPC, por sua vez, dispõe que "Na contestação, o réu poderá alegar que: foi injusta a recusa".
No caso, a loja de móveis recorreu ao TRT, alegando que não foi indicada, na sentença, a hipótese legal a prever que seria justa a recusa ao recebimento de verbas rescisórias em virtude da existência de ação cível em que o trabalhador pede o restabelecimento de benefício previdenciário. Argumentou que a ação ajuizada pelo trabalhador na Justiça Comum para prorrogação do benefício previdenciário não tem o condão de suspender o contrato de trabalho.
A empresa alegou que houve abandono de emprego porque, após a alta previdenciária, o reclamante não apresentou novo atestado ou se submeteu a exame pelo médico do trabalho, deixando de comparecer, simplesmente, para a prestação dos serviços, mesmo depois de convocado para tanto. Destacou que o ex-empregado não comprovou que está incapacitado para o trabalho, ou mesmo que tenha ajuizado ação na Justiça Comum para ver o benefício previdenciário estendido. Apontou, ademais, que a dispensa por justa causa não prejudicará os direitos previdenciários do réu, que estaria em período de graça, no qual será preservada a sua condição de segurado.
O trabalhador, por seu turno, não juntou documentos ao processo. Apresentou apenas defesa oral, na qual alegou que estava impossibilitado de trabalhar, devido a suas condições de saúde, tendo inclusive solicitado a prorrogação de benefício previdenciário perante o INSS, o que lhe foi negado, gerando o ajuizamento de ação judicial em face do órgão previdenciário. Por isso, não concordou com a rescisão contratual. A juíza sentenciante julgou improcedente a ação de consignação em pagamento e não recebeu os valores e documentos postos à disposição do trabalhador. No entendimento da juíza, a ação perante a Justiça Comum pedindo a prorrogação do benefício previdenciário suspende o contrato de trabalho e impede o seu fim.
Entretanto, a desembargadora discordou desse posicionamento. Na sua avaliação, a ação de consignação em pagamento não é a via adequada para a análise acerca da ocorrência ou não de justa causa apta a ensejar a dispensa. Seu objeto restringe-se às razões que levaram o consignatário a recusar o recebimento da quantia depositada em juízo. "Logo, ainda que se conclua pela inexistência de justo motivo para a recusa, não haverá julgamento de mérito, sujeito à coisa julgada, sobre a hipótese de dispensa por justa causa e sua validade", completou.
A desembargadora observou a incorreção do argumento de que a ação judicial em face da autarquia previdenciária suspenderia o contrato de trabalho, pois não existe previsão para tanto, à luz dos artigos 471 e seguintes da CLT. Ela salientou que, como sustentado pela empresa, a suspensão contratual, em se tratando de incapacidade para o trabalho, pressupõe o afastamento em virtude de atestado médico ou por força de benefício previdenciário. "Logo, se o benefício previdenciário teve fim e o trabalhador não apresenta atestado médico, de médico particular ou de médico do trabalho da empregadora, que revele sua incapacidade para o labor, nenhuma causa jurídica existe para a suspensão contratual", ponderou.
Sob essa ótica, a relatora acentuou que, para o único fim de apreciar as razões da recusa de recebimento das verbas rescisórias por parte do trabalhador, basta concluir que, uma vez não suspenso o contrato de trabalho, ele poderia ser dispensado até mesmo sem justa causa, em especial por não haver alegação, em defesa, de que o benefício previdenciário fruído fosse acidentário e resultasse em garantia de emprego.
Apesar da controvérsia sobre a espécie de dispensa, o que repercute nas parcelas e nos valores devidos, a desembargadora entende que o trabalhador não deveria ter recusado o recebimento da quantia oferecida pela empresa, porque poderia fazê-lo com ressalvas a fim de reclamar, futuramente, diferenças que entenderia devidas em virtude da modalidade de ruptura contratual. "Feita a consignação dos valores que a consignante entende devidos, ela se exonera de juros e correção monetária apenas com relação a eles, o que em nada prejudica o direito de ação do consignatário no tocante a eventuais diferenças", destacou no voto.
Ao finalizar, a julgadora invocou o conteúdo do item I da Súmula 330 do TST, registrando que: "A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e, consequentemente, seus reflexos em outras parcelas, ainda que estas constem desse recibo". Assim, concluindo que o trabalhador não conseguiu provar que sua recusa tenha sido justa (artigo 544, II, do NCPC), a relatora deu provimento parcial ao recurso para condená-lo a receber o valor consignado.
- PJe: 0010987-57.2015.5.03.0068 (RO) — Acórdão em: 27/05/2016
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