Chuva não caracteriza força maior para acidente de trabalho que teve como causa principal as más condições do veículo
A chuva é evento previsível durante a condução de veículos e, portanto, não caracteriza motivo de força maior para a ocorrência de acidente de trabalho que poderia ter sido evitado com a adequada manutenção das condições de segurança do veículo. Com esses fundamentos, a 7ª Turma do TRT-MG, adotando o entendimento da relatora, desembargadora Cristina Maria Valadares Fenelon, julgou favoravelmente o recurso de um trabalhador, vítima de acidente com motocicleta, para condenar a empregadora a lhe pagar indenização de R$8.000,00 por dano moral e de R$ 12.000,00 por dano estético. Ficou demonstrado que o empregado, embora contratado como estoquista, sofreu dois acidentes de trabalho que lhe causaram lesões, quando, exercendo atividades estranhas à função contratada, fazia entregas de mercadorias para a empregadora, com o uso de motocicleta. E, num desses acidentes, ele não conseguiu frear a moto em pista molhada pela chuva, devido ao mal estado dos pneus, que estavam carecas.
O juiz de primeiro grau indeferiu as indenizações, por não identificar situação de risco na atividade de estoquista normalmente desenvolvida pelo reclamante e entender que o serviço de entrega de mercadorias ocorria apenas eventualmente. Mas, a relatora entendeu de forma diferente. Para ela, o fato de o reclamante ter feito entregas a pedido da ré apenas eventualmente, tendo em vista que essa atividade não fazia parte do ramo de atribuições do estoquista, isso não exclui a responsabilidade do empregador pelos danos decorrentes dos acidentes de trabalho. Até porque eles ocorreram em virtude da negligência da empresa na adoção das medidas de proteção e segurança do trabalhador.
Além disso, a desembargadora observou que a própria empresa admitiu que o reclamante, além das funções de estoquista, também atuava como motociclista-entregador sempre que faltava algum empregado, reconhecendo, inclusive, que ele "sofreu acidente de motocicleta fazendo entregas". Mas não foi só: As Comunicações de Acidente do Trabalho (CAT) apresentadas registraram que o reclamante sofreu duas quedas de motocicleta, durante o horário de trabalho. A primeira causou lesões no tornozelo dele e a segunda, escoriações no antebraço. A perícia médica realizada registrou declarações do trabalhador no sentido de que o primeiro acidente teria ocorrido por motivo de travamento da corrente da motocicleta, devido à falta de manutenção, enquanto o segundo aconteceu porque o reclamante "aquaplanou ao frear durante a chuva quando se aproximou da sinalização, porque os pneus estavam carecas". Essas informações foram confirmadas pelas testemunhas e também pela perícia, conclusiva no sentido de que "o reclamante apresentava cicatrizes em dorso e braço esquerdo, compatíveis com os acidentes de trabalho noticiados por ele e descritos na CAT".
Diante disso, demonstrados os acidentes e os prejuízos causados ao trabalhador, a relatora concluiu que a empregadora deve arcar com as indenizações pretendidas. A decisão se baseou no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual a obrigação de reparar o dano prescinde da culpa nos casos em que o empregador desenvolve atividades que ofereçam, por sua natureza, risco acentuado ao trabalhador. É que, na visão da desembargadora, ao exercer a atividade de motociclista entregador, o reclamante se expunha a risco de acidente acima do normal.
A julgadora ponderou que a atividade de risco exige boas condições do veículo, a fim de que falhas mecânicas não prejudiquem a habilidade e a segurança. E, no caso, a empresa não comprovou que realizava as revisões periódicas dos itens básicos de segurança da motocicleta, fazendo com que prevaleça a afirmação de que o primeiro acidente ocorreu por travamento da corrente, devido à falta de manutenção e, o segundo, por derrapagem de pneu em precário estado de conservação. "Esses fatos afastam a tese de exclusão da responsabilidade da empregadora por fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima ou força maior", ressaltou a julgadora. E explicou: "Ainda que a aquaplanagem ocorrida no segundo acidente tenha a chuva como uma das causas, o mau estado do pneu desponta como fator preponderante na dinâmica do acidente, pois o autor não contava com meios adequados para a frenagem segura. A chuva é evento previsível durante a condução de veículos e, portanto, não pode ser caracterizada como motivo de força maior quando possível evitar as adversidades por ela provocadas. Por não se tratar de fato inesperado, incumbia ao empregador prevenir colisões com o adequado acompanhamento das regulares condições da motocicleta. Incide o comando do artigo 501, § 1º, da CLT, que assim enuncia: "a imprevidência do empregador exclui a razão de força maior".
Não passou despercebido pela desembargadora o fato da empresa nem mesmo ter demonstrado que entregava ao reclamante as vestimentas de proteção para os motociclistas. Além do mais, o reclamante era capacitado para a função de estoquista e a incumbência de fazer entregas caracteriza desvio de função, sem o adequado treinamento, orientação e instruções necessárias a minimizar os riscos da atividade, o que, segundo a relatora, torna ainda mais reprovável a atitude da empregadora.
Por tudo isso, concluiu-se pela obrigação da empresa de reparar os danos sofridos pelo reclamante. E, apesar da perícia não ter constatado incapacidade de trabalho, ressaltou a julgadora que a simples existência das lesões decorrentes dos acidentes basta para demonstrar o abalo moral do trabalhador, ofendido em sua integridade física, o que certamente lhe trouxe preocupações, angústia, dor e sofrimento. Quanto ao dano estético, segundo a desembargadora, ele também esteve presente no caso, como resultado da diminuição da harmonia corporal do reclamante, já que as quedas de motocicleta lhe deixaram cicatrizes no braço esquerdo e na região dorsal, "profundas e expressivas", conforme se demonstrou por fotografias. "O bem protegido, no caso, não é a beleza, valor relativo na vida cotidiana, mas a regularidade, ou normalidade do aspecto de uma pessoa; busca-se reparar o fato de que o ser humano, vítima de qualquer alteração física, se veja como alguém diferente ou inferior, diante da curiosidade natural dos outros, nas suas relações", destacou a relatora. Por fim, ela acrescentou que não há impedimento legal para a cumulação do dano moral e do dano estético, nos termos da súmula 387 do STJ. O entendimento da relatora foi acompanhado pelos demais julgadores da Turma.