Min. Maurício Godinho: “O ambiente é de crítica exacerbada e injusta à Constituição”
Para o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e professor Maurício Godinho Delgado, o caminho direcionado ao país pela Constituição é o de uma sociedade livre, justa e solidária, baseada nos princípios humanísticos e sociais. O Estado democrático exige que economia e sociedade sejam democráticas e inclusivas. Nesse contexto, a economia mercantilista não atende às diretrizes traçadas pela Constituição de 1988. Assim se pronunciou o ministro na palestra que proferiu na última terça-feira, 23, durante a “1ª Semana Formativa de Magistrados do TRT-MG”.
Prosseguindo em seu raciocínio, o palestrante pontuou que, atualmente, há um processo de desgaste do paradigma humanista e social da Constituição brasileira. A estratégia de desprestígio constitucional foi sintetizada pelo ministro na frase de uma das maiores líderes do ultraliberalismo, Margareth Thatcher: o objetivo não é conquistar o mercado, mas a alma. “A alma das pessoas e das instituições”, completa, pesaroso.
Esse processo, de acordo com o ministro, alcançou amplo sucesso. E hoje a sociedade brasileira está em crise e desacreditada na Constituição de 88. “Até mesmo instituições, inclusive as jurídicas, que têm o dever de se reportarem à Constituição de 05/10/88, estão fraquejando na crença da Constituição. O ambiente é de crítica exacerbada e injusta à matriz constitucional de 88”, pondera, lamentando que as instituições, que deveriam ser o grande alicerce de preservação da Constituição, estejam perdendo a convicção ou permitindo que o pensamento manifestamente antissocial, ultraliberalista e manifestamente ideológico influenciem a sua atuação.
Ao tocar na questão da influência das ideologias, ponto nevrálgico nos dias atuais, ele cita como exemplo as torcidas para times de futebol. Cada um tem o seu time do coração, mas nem por isso juízes se julgam suspeitos para julgar causas envolvendo seus clubes. Isso porque são magistrados e o julgamento está além do pessoal. Conforme observou o ministro, a Constituição, sabiamente, conferiu independência aos magistrados. Deu garantias fortíssimas, exatamente para que sejam independentes, equidistantes da conjuntura política e ideológica, infensos a uma influência proporcional ideológica. “Claro que nós somos humanos, somos parte da sociedade, mas temos a maturidade institucional para estarmos equidistantes dos debates ideológicos”, pontuou.
Godinho lembrou Norberto Bobbio, cientista político e filósofo do direito. Para Bobbio, o que construiu a democracia no ocidente foi a descoberta, implícita ou explicita, da separação dos três grandes poderes que comandaram a História: o poder econômico, sempre preponderante; o poder ideológico, sempre muito ligado ao poder econômico; e o poder político, também sempre ligado aos dois anteriores. Mas, segundo ponderou, o processo democrático permitiu a separação dessas esferas, ainda que não a separação total, mas certa destruição dessa unidade. Assim, surgiram, por exemplo, a partir do século XIX, os sindicatos, que capturaram certa parcela de poder, modesta em comparação ao poder econômico, mas relevante. Nessa esteira, também nasceram e cresceram os partidos trabalhistas em geral, com uma agenda mais popular e de criação de direitos, fazendo um contraponto à unidade daqueles três poderes.
Ao lado disso, o ministro destacou a genialidade de um autor político do século XVIII, Montesquieu, que separou o Estado em três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. Com a evolução do Estado de Direito, o Judiciário foi ganhando independência, e mais: no Brasil, o Ministério Público também assume um papel importante e diferenciado, funcionando como contrapeso para o equilíbrio entre esses poderes. “Isso para não se subordinarem aos poderes econômicos, ideológicos e políticos dominantes. Só assim se pode preservar o Estado Democrático de Direito, o constitucionalismo, o humanismo social”, pondera o palestrante.
Nesse contexto, o ministro avaliou que a crise vivenciada hoje é esta: as instituições criadas, renovadas e reforçadas pela Constituição não podem incorporar ideologias do século XVIII ou do século XIX e encartar essa ideologia na Constituição humanista e social de 1988. “Nosso papel e nossas garantias são para fazer o contrário. Como magistrado, como membro do Ministério Público, há uma Constituição da República Federativa do Brasil e não existe mutação constitucional interna desse jaez”, finalizou.