NJ Especial – 1º Painel: “Enfrentamento e superação das violências no trabalho”.
Des. Sebastião Geraldo - Sinal vermelho para a violência: é tempo de cultivar a Paz!
Primeiro painelista do dia, o desembargador do TRT-MG Sebastião Geraldo de Oliveira, que é um dos gestores nacionais do Programa Trabalho Seguro, estabeleceu relação entre a violência da própria sociedade e a violência no ambiente do trabalho. Para ele, a sociedade como um todo está violenta e isso chega ao local de trabalho.
Com base no Atlas da Violência de 2018 e em dados do 12º Anuário de Segurança Pública, ele cita alguns números alarmantes: em 2017 foram 63.880 homicídios. Por dia, no ano passado, morreram assassinadas 175 pessoas, mais de 7 por hora. “Chegamos ao maior índice histórico no Brasil, de 30,8 mortes para cada 100 mil habitantes, o que é 30 vezes superior à média europeia”, alertou, acrescentando que esses dados, segundo o IBGE, vêm subindo nos últimos anos. Segundo esses mesmos relatórios, em 2017 foram registrados 60.018 casos de estupro, mas apenas 10% deles são notificados ou denunciados.
O desembargador manifestou sua preocupação com o aumento dos índices e lembrou que a história do trabalho no Brasil também é recheada de violência, a exemplo da escravidão, que ainda se faz presente em várias condutas das relações de trabalho e de poder.
Há 32 anos na magistratura, o palestrante aponta que o número de ações por acidente de trabalho disparou. Considerando que mais de 90% dos acidentes são previsíveis, considera que são também “preveníveis”. Isso porque é possível fazer o rastreamento e a prevenção adequada para evitar o acidente ou adoecimento. O número de reclamações por assédio moral e sexual também está aumentando, assim como as diversas modalidades de pedido de danos morais, seja por discriminação, seja por humilhação.
De acordo com o palestrante, a violência aparece no dia a dia em diversas modalidades, seja como constrangimento, intolerância, intimidação, assédio, abuso da violência física, entre as quais, lista: trabalho escravo, trabalho infantil, comportamento homofóbico, violência psicológica, invasão da intimidade, privacidade, metas abusivas, jornadas exaustivas, discriminação, violência por parte de clientes, assédio moral, bullying, cyber bullying.
Um caso absurdo de violência foi relatado pelo palestrante. Trata-se da situação apurada em investigação do Ministério Público do Trabalho, na qual gerentes mulheres de agências locais de um banco eram orientadas a se envolver sexualmente com clientes em busca de resultados.
Lei nº 13.663/18 (antibullying) - De acordo com Sebastião Geraldo, a frequência do bullying e cyberbullying cresceu tanto que foi criada uma lei para combatê-la. A lei antibullying ainda não é muito comentada, mas é importante sua aplicação não apenas no contexto escolar. Aliás, a finalidade básica também é criar uma cultura de paz, tolerância e respeito às diferenças.
Ainda segundo o palestrante, estudos realizados no Brasil e no exterior têm indicado que diversos gestores têm perfil de assediadores, o que causa grande estrago no ambiente da empresa. Ele identifica alguns tipos de gestores, como o perverso, o narcisista, o inseguro, o sádico, o paranoico, o psicopata, o sociopata. Todos eles, impondo metas abusivas e com comportamentos completamente invasivos da intimidade dos seus subordinados.
Como analisa o desembargador, todo esse contexto de violência gera relações tóxicas, estresse pós-traumático e transtorno de ansiedade. Tanto que a ansiedade e a depressão estão entre as três doenças que mais levam a afastamentos do trabalho. “Criam cicatrizes emocionais que geram efeito a longo prazo, absenteísmo ou presença com baixa produtividade, o que é uma questão preocupante”, pondera. Sem falar na possibilidade de suicídio. Aqui o palestrante se refere a caso ocorrido na França em que funcionários de empresas internacionais se suicidaram no ambiente de trabalho. Uma forma de protesto pela forma tão desumanizada de transformar as pessoas em robôs.
Equilíbrio – Sebastião Geraldo ressalta que a OIT tem se preocupado com o estresse fruto das violências no trabalho, que tem gerado aumento de doenças e uso de drogas e álcool.
De acordo com o desembargador, trabalhar com equilíbrio gera muito mais produtividade: “As atividades não devem nem ser muito lentas a ponto de gerar monotonia, nem muito aceleradas de modo a causar sobrecarga. Otimização é o que se busca, aquele ponto em que se tem motivação para trabalhar, e aí o ganho em produtividade é inegável”.
Lembra que as agressões laborais podem causar danos emocionais e psíquicos ao trabalhador. A pessoa pode sentir mal-estar, desconforto, humilhação, sofrimento, o que pode avançar para uma depressão, estresse pós-traumático, síndrome de burnout, álcool. O palestrante explica que a situação pode gerar indenização por dano moral, apesar de não haver uma doença ainda caracterizada. “É preciso levar noções de dano moral à compreensão dos peritos”, avalia, de modo a permitir que o profissional indique as consequências que essas atitudes geraram para a vítima, apesar de não ter atingido ainda o patamar de doença.
Reforma trabalhista - Uma novidade é que a Lei nº 13.467/17 previu o dano existencial no artigo 223-B da CLT. A reforma trabalhista definiu que cabe cumular dano moral e dano existencial. “Será que esses comportamentos estão gerando danos existenciais?”, questiona e explica que o dano existencial é aquele que compromete o projeto de vida. Já o dano moral, compromete o bem-estar imediato, é mais interno (vergonha, dor, sofrimento mais de imediato).
O expositor considera importante alertar os empregadores a respeito da culpa presumida do patrão pelo ato culposo do preposto. Muitas vezes, a empresa oferece um cargo de chefia para um gestor conduzir pessoas sem ter habilitação para tanto. Gestor esse que responde pelos seus atos, já que o Código Civil de civil 2002 claramente superou até a culpa presumida. Previu a culpa objetiva do patrão.
Agenda da ONU para 2030 - Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes e responsáveis. É o que está previsto na agenda da ONU para 2030, aprovada em 2015. É também prevista como forma de acabar com a violência: educação em Direitos Humanos, igualdade de gênero, instituição da cultura da Paz e da não violência, valorizando a diversidade cultural, ambientes não violentos na sala de aula. “A paz precisa ser trabalhada, falada e cultivada em todos os níveis”, afirma o desembargador.
“Como enfrentar essa violência que percebemos por aí, e que, de alguma forma, transborda nos processos que julgamos?”, questiona. Para o palestrante, é preciso, em primeiro lugar, implementar a cultura de uma conduta ética, de respeito e de pacificação nas empresas. Para romper a cultura de impunidade, é preciso proibir o comportamento desrespeitoso. O empregador também deve deixar claro que poderá acionar o empregado que contrariar suas regras nesse sentido. Outra forma apontada é a previsão em cláusulas de Convenções Coletivas de medidas de prevenção da violência no local de trabalho.
Preocupação da OIT - Sebastião Geraldo esclarece que, no mês de junho de 2018, foi aprovada em reunião ordinária da OIT, a Resolução nº 1421, que resolveu incluir o tema da violência em convenção internacional. Segundo o projeto, violência e assédio devem ser entendidos como o conjunto de comportamentos inaceitáveis de ameaça, referindo-se a dano físico, psicológico, social e econômico. São consideradas situações em que o trabalhador é vítima de violência e de assédio no trabalho, inclusive, quando praticadas por terceiros, como clientes, prestadores de serviços, usuários, pacientes, etc.
O desembargador relata a situação de uma empresa que coloca uma recepcionista em central de atendimento, a qual acaba suportando todo o assédio e a raiva dos clientes por serviços mal prestados pela empresa. O projeto considera a situação uma violação de direitos, sendo preciso o reconhecimento de que isso afeta a saúde psicológica, física e sexual das pessoas e a sua dignidade, afetando até o seu entorno familiar.
Ainda conforme exposto, peritos que se debruçaram sobre o tema da violência afirmam que o assédio inviabiliza empresas sustentáveis. “É como se tivesse internamente um vírus que vai corroendo as suas estruturas éticas e no final foge do controle, as pessoas querem fugir daquela empresa por ter ambiente desagradável para se trabalhar”, destaca.
Na visão do magistrado, é necessário informar e capacitar trabalhadores sobre os perigos e sobre a violência. Para ocupar um cargo de gestão, deve saber que pessoas exigem e merecem respeito. “Não podemos tratar pessoas como coisas de uma forma desrespeitosa, ferindo a sua dignidade”, pontua.
Ele lembra que a paz é a soma dos esforços de todos. Depende da paz de cada um. “Podemos tornar um pouco mais pacífico o nosso ambiente e aí a evolução ocorre do direito da força para a força do direito. Essa é a evolução”, ressalta.
Tempo de mudança – O desembargador finaliza afirmando que o momento é de mudança do período da indiferença para a vedação da violência em todas suas formas. O período do “manda quem pode, obedece quem tem juízo” está dando lugar ao período do “manda quem pode, mas com limites”. Para ele, o gestor do futuro, criativo, é aquele que propicia um bom ambiente de trabalho. Se ultrapassar limites, será afastado. “O poder diretivo tem que ser redesenhado porque agora a tendência é ter sinal vermelho para com a postura de violência”.
Des. Anemar Amaral: O foco é investir na educação para construir a ética do trabalhador e do empresário de amanhã.
Em sua fala como debatedor no painel, o desembargador Anemar Pereira Amaral observou que a violência no trabalho provoca inúmeras consequências nos campos profissional, familiar e até previdenciário. Entre as inúmeras consequências maléficas, ele dá destaque especial para a depressão, sobretudo por se tratar de uma situação muito sofrida para a vítima, mas invisível para quem está ao lado. Principalmente para quem deve analisar tecnicamente a situação, como em uma fiscalização do trabalho ou em um processo que chega à Justiça, envolvendo a questão da depressão decorrente da violência no ambiente de trabalho.
O palestrante cita pesquisa que apurou os tipos de profissionais que mais se sujeitam a esse tipo de violência: são os ligados à área de saúde, da educação, os militares e os juízes. Mas a cada dia surgem novas profissões e novas atividades que se destacam entre as mais afetadas.
Em sua fala, lembra que tempos atrás a gerência de um banco conferia ao seu titular um certo status, sobretudo nas cidades interioranas. Hoje, no entanto, ser gerente de um banco é exercer uma atividade de risco. Além da sobrecarga emocional própria da atividade bancária, cobrança de metas, alta competitividade, etc., o posto também confere ao titular o ônus de ser guardador da chave do cofre. Nesse caso, a violência não se limita à pessoa do gerente, atingindo, inclusive, a família dele.
Foi o que demonstrou reportagem recente de TV. Na oportunidade, o setor bancário informou que, em 2017, foram mais de cem casos de sequestro de família de gerente de banco. Como ponderou o magistrado, tem que ter muita coragem para assumir a função, por se tratar efetivamente de uma atividade de risco ou de alto risco, ultimamente.
Outras profissões e atividades que se destacam no quesito risco são os cobradores de ônibus. Aqui recorda que recentemente foi aprovada uniformização de jurisprudência estabelecendo que a atividade de cobrador de ônibus transporte coletivo é de risco e enseja a responsabilidade objetiva do empregador, sendo devida indenização por danos morais em decorrência de assalto sofrido no desempenho da função. Também o transporte de numerários por bancários ou outros empregados de empresas fora dos casos previstos na Lei nº 7.102/83, que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores.
O painelista aponta que o empresário, diante desse contexto, toma suas providências para evitar o prejuízo material. Mas o que faz é contratar um seguro contra roubo e instalar um equipamento de segurança. No entanto, o principal, que é a afetação da saúde e da vida dos seus dos trabalhadores, continua sem proteção.
“O que se fazer diante dessa situação?”, questiona, considerando inclusive que os casos só chegam ao Judiciário depois que o prejuízo está consumado, após a vida do trabalhador ser afetada. Aqui lembra a Convenção nº 155 da OIT, que trata de segurança e saúde dos trabalhadores, aprovada em 1992 e ratificada pelo Brasil. No artigo 14, prevê medidas a serem adotadas para promover, conforme a prática e as condições nacionais, a inclusão de questões de segurança, higiene e meio ambiente de trabalho em todos os níveis de ensino: superior, técnico, médio e profissional.
Em 2011, foi instituída a Política Nacional de Segurança do Trabalho. O Decreto nº 7.602 trouxe as ações que deveriam ser desenvolvidas, dentre elas a adoção de medidas especiais para as atividades de alto risco, promoção da implantação de sistema e programas de gestão da segurança da saúde nos locais de trabalho, reestruturação da formação em saúde do trabalhador e em segurança no trabalho e o estímulo à capacitação e educação continuada de trabalhadores.
O palestrante se referiu também à Resolução CSJT 96/2012, que instituiu o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho, trazendo, dentre as suas inúmeras linhas de atuação, a seguinte diretriz: colaborar na implementação de políticas públicas de defesa do meio ambiente, da segurança e da saúde no trabalho e de assistência social às vítimas de acidentes de trabalho. Prevê educação para a prevenção: desenvolvimento de ações educativas, pedagógicas e de capacitação profissional em todos os níveis de ensino, diretamente a estudantes, trabalhadores e empresários.
Segundo Anemar Amaral, o Programa Trabalho Seguro, em Minas Gerais, tem desenvolvido ações concretas e com resultados objetivos nesse foco da educação. Ele noticiou que foi editado um Decreto instituindo que todos os contratos de terceirizações feitos com o estado de Minas Gerais, relacionados com o Poder Executivo, deveria instituir cláusulas exigindo das empresas de prestação de serviços a implantação de políticas de prevenção, de educação e de qualificação dos trabalhadores no que diz respeito à segurança no trabalho. O Programa também conseguiu obter, junto à Secretaria de Educação, a implantação em currículos escolares de, no mínimo, 50 escolas profissionalizantes, em que se instituiu na grade curricular a disciplina com conteúdo relacionado à saúde e higiene em ambiente de trabalho.
Para fechar a palestra, o magistrado reforça a ideia de que a saída está na instituição de políticas internas no local de trabalho, priorizando a constituição de uma cultura de trabalho decente, de valorização da pessoa humana, com ética laboral, respeito mútuo, tolerância, oportunidades iguais e cooperação. Na visão do magistrado, é preciso investir na educação. Deve-se atuar na origem, cuidando do empresário que hoje se encontra no ensino primário ou no ensino médio. Da mesma forma quanto ao trabalhador. Eles serão os atores do amanhã. De acordo com o painelista, são esses empresários que exercitarão no futuro a questão dos Direitos humanos, do respeito à dignidade dos trabalhadores como uma das políticas que fortalecem e permitem que a empresa progrida com uma estrutura saudável e com futuro num mercado que será, por seu turno, cada vez mais exigente.