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NJ Especial – 5º Painel: Trabalho Seguro na Terceirização.

publicado: 31/08/2018 às 01h03 | modificado: 31/08/2018 às 01h03

Thiago Augusto: Novas condições para a terceirização.

Logo do NJ EspecialThiago Augusto Gomes, auditor fiscal do trabalho, falou sobre a terceirização e a segurança no trabalho. Ele iniciou fazendo uma abordagem sobre a Lei 1.429/2017, mais conhecida como “Lei da Terceirização”, a qual fez importantes alterações na matéria, mas que, na opinião do palestrante, como demonstra uma leitura mais atenta dos seus dispositivos, não abriu as portas para a terceirização absoluta e irrestrita, mas, ao contrário, concedeu aos operadores do direito novas ferramentas para cuidar desse tema.

Histórico legal - Fazendo um histórico sobre a legislação a respeito da terceirização do trabalho, o palestrante citou o Decreto-Lei 200/1967, que fala da terceirização especificamente no serviço público, a Lei 7.102/1983, que permite a terceirização de serviços de vigilância, e a Súmula 331 do TST, que, conforme destacou: “era o nosso grande paradigma, a pedra de toque na análise da legalidade ou ilegalidade de uma terceirização da prestação de serviços a partir da circunstância de ela ocorrer na atividade-meio ou na atividade-fim da empresa que contratava o serviço terceirizado”. O expositor se reportou também às normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho, que dispõem sobre o cuidado com a saúde e segurança dos trabalhadores terceirizados: “A NR-4 diz que a empresa tomadora deve cuidar também da saúde e segurança dos trabalhadores da empresa que lhe presta serviços; a NR 5 diz que as Cipas devem ter atuação integrada quando há prestação de serviços dentro do meio ambiente de trabalho da tomadora; a NR-10 e a NR-32 dizem que há responsabilidade solidária no cumprimento dos fundamentos da norma tanto por empresa contratante, quanto pela contratada; a NR-22 estabelece que a responsabilidade no transporte dos trabalhadores é da empresa mineradora tomadora de serviço terceirizado, e a NR-24 e NR-31 dizem que o mesmo meio ambiente de trabalho deve ser estendido dentre empregados da tomadora e da prestadora de serviços. Há, ainda, a Lei 6.019, que se tornou o marco jurídico a respeito da terceirização, com sua redação original de 1974, lidando com trabalho temporário.

Sobre o conceito de trabalho temporário, o auditor fiscal do trabalho esclareceu que é um modo de contratação específico em que uma empresa de trabalho temporário, constituída unicamente para essa finalidade de fornecimento de mão de obra, envia, nos casos específicos que a lei determina (que são o acréscimo extraordinário de serviços e que pós-reforma tornou-se “uma demanda complementar de serviços”, ou para substituição transitória de pessoal permanente), um trabalhador temporário que vai atuar, dentro da empresa que lhe toma serviço, ao lado dos seus próprios empregados.

Terceirização e trabalho temporário - Thiago Augusto pontuou que a reforma trabalhista (primeiramente através da Lei 13.429 e posteriormente com a lei que reformou a CLT - Lei 13.467/2017 - e trouxe alterações no próprio texto da Lei 13.429) inseriu novos artigos na Lei 6.019 a qual, a partir daí, passou a dispor também sobre terceirização de serviços. Ele chamou a atenção para o fato de que o trabalho temporário trata de fornecimento de mão de obra e é a única modalidade lícita em que o objeto do contrato entre as empresas é a mão de obra e não um serviço. Mas ele ressaltou que pode haver uma grande confusão com a inserção dos novos artigos na Lei 6.019 a partir da reforma, já que a lei passou a tratar da prestação de serviço, modalidade que, embora tenha algumas semelhanças, tem também profundas diferenças com o trabalho temporário.

Nesse ponto, o palestrante passou a destacar alguns dos dispositivos da Lei 6.019 inseridos com a reforma. Ele citou os artigos 4º-A, 4º-B , 5ª-A e 5º-B que tratam do contrato de prestação de serviços a terceiros, o qual, como disse anteriormente, tem semelhanças, mas se diferencia do contrato de trabalho temporário. E explicou: “Em ambas as modalidades há uma empresa que vai enviar um trabalhador para o meio ambiente de trabalho de outra empresa: a tomadora dos serviços. Entretanto, a finalidade da empresa prestadora dos serviços não é fornecer mão de obra, mas executar alguma tarefa específica para a tomadora, o que, eventualmente, pode ser feito dentro do ambiente interno desta. Nesse caso, o objeto da contratação não é o envio desses trabalhadores, mais a consecução de uma atividade ou um serviço previamente determinado em contrato”. Para o auditor, aí reside a diferença fundamental entre as duas modalidades: “O trabalho temporário tem como objeto a mão de obra, o empregado ou o trabalhador que é enviado para atuar sob as ordens direitas daquele que lhe toma o serviço, a qual está subordinado. Por isso digo que ele está “ombreado” com os empregados da empresa tomadora dos serviços. Já na prestação de serviços terceirizados, a empresa prestadora deve agir com plena autonomia, mesmo que dentro do ambiente interno da empresa contratante, a qual não tem qualquer ingerência na execução dos serviços por parte do trabalhador”, completou. E acrescentou que isso é o que determina a lei, mas, como é sabido, não é o que acontece na prática, na maior parte das vezes.

Reforma trabalhista: terceirização sem limites? - Segundo o expositor, o artigo 4ª-A, que abre a exposição a respeito da prestação de serviços regulada na Lei 6.019, vem para derrubar literalmente o entendimento primordial da Súmula 331 do TST. É que o dispositivo afirma que se considera prestação de serviço a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviços, que possua capacidade econômica compatível com sua execução. O auditor acrescenta que a leitura rápida da lei, a ideia que se vendeu, é que a lei passou a permitir a terceirização em atividade-meio e atividade-fim de maneira plena e irrefreável. Mas, para Thiago Augusto, não é bem assim. Nesse ponto de sua exposição, ele convidou todos a fazerem uma leitura mais profunda do dispositivo legal.

Primeiramente, pontuou que o artigo 4-A considera prestação de serviço a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades (e não em “tarefas específicas” a serem executadas pelo trabalhador), inclusive da sua atividade principal, a uma pessoa jurídica de direito privado, que tem que ser devidamente constituída como prestadora de serviços. Em outras palavras: a empresa tem que ter por objeto a execução daquela determinada tarefa, não podendo ser uma empresa meramente intermediadora de mão de obra. A prestadora também deve ter capacidade econômica compatível com a execução do serviço. Esse requisito legal, explica o palestrante, não existia antes das alterações na Lei 6.019. Para ele, essas circunstâncias revelam que, no novo marco legal, não há abertura para mera intermediação de mão de obra. Tanto é assim que o parágrafo 1º do artigo 4º-A diz que a empresa prestadora de serviços é quem contrata, remunera e dirige o serviço realizado por seus empregados. Ou seja a pessoalidade, onerosidade e principalmente a subordinação, que caracterizam a relação de emprego e estão previstas no artigo 3º da CLT, vão estar presentes com a outra empresa, que é prestadora de serviço. “Qualquer caso diferente disso vai acabar se revelando como fraude” – alertou. Nesses casos, explica o expositor, aplicam-se os instrumentos legais pertinentes, daí que se tem quase como letra morta o parágrafo segundo do mesmo artigo que diz que “não se configura vínculo de emprego entre a tomadora e os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo (atividade-meio ou atividade-fim). “Mas se for constatada a subordinação, onerosidade e pessoalidade entre os trabalhadores terceirizados e a tomadora dos serviços, tendo em vista o princípio da primazia da realidade, impõe-se a aplicação do artigo 9º da CLT, como o reconhecimento da fraude trabalhista e as consequências de sua ocorrência”, alerta o auditor fiscal do trabalho.

Novas exigências - Segundo pontuou o expositor, a nova lei ainda trouxe mais exigências no tocante à terceirização de serviços. Entre elas é a capacidade econômica da prestadora para executar o serviço contratado, expressa no artigo 4º-A. da Lei 6.019 reformada. Ele explica que essa exigência não deve ser confundida com um dos requisitos de funcionamento da empresa que é o capital social mínimo e que se encontra previsto em outro artigo. E, como a lei não define exatamente o que vem a ser “capacidade econômica”, caberá ao operador do direito que estiver analisando o caso concreto investigar se a empresa prestadora satisfaz a exigência da capacidade econômica. Quanto aos requisitos de funcionamento da prestadora, esclarece o palestrante que é necessária a inscrição no CNPJ, a inscrição na junta comercial, ou seja, exige-se uma formalização específica dessa empresa prestadora e, ainda, o capital social compatível com o número de empregados. Esse último, na visão do auditor, não tem muita relevância, exatamente por não refletir capacidade econômica, já que o capital social integralizado no momento de formação da empresa não vai refletir a sua saúde econômica para fazer frente a suas obrigações trabalhistas no decorrer do tempo.

Thiago Augusto Gomes, auditor fiscal do trabalho (Foto: Thiago Soraggi).

Prosseguindo em sua exposição, Thiago Augusto ressalta que a nova lei trouxe requisitos formais para o contrato de prestação de serviços das empresas intermediadoras de mão de obra, como a qualificação das partes, a especificação do serviço a ser prestado (o que é muito importante já que vai delimitar a análise da licitude da terceirização, ou seja, se o serviço desempenhado pelo trabalhador está adstrito ao que foi estabelecido no contrato ou não). Outros requisitos formais são o valor do contrato, que, inclusive, poderá servir de parâmetro para a análise da capacidade econômica da empresa e o prazo, quando for o caso, já que poderá haver contratação de prestação de serviços por tempo indeterminado, acrescentou.

Empregados da prestadora e da tomadora: condições iguais - O auditor esclareceu que a lei traz também obrigações que acabam por reunir as determinações que se encontram esparsas nas normas regulamentadoras mencionadas no início da exposição, que passam, então, a ser impostas a todas as empresas quando há prestação de serviços dentro do ambiente de trabalho de uma tomadora, ou em algum lugar definido em contrato, que não sejam ambientes da própria empresa contratada. “Assim os empregados da empresa contratante e os empregados da empresa contratada têm direito às mesmas condições de alimentação quando fornecido em refeitórios; de transporte quando fornecido pelo contratante; de atendimento médico-ambulatorial quando existente dentro da empresa; de treinamento fornecido pela contratada e condições sanitárias de instalação de proteção à saúde e segurança. Nesse ponto, a norma é mais ampla, dizendo que todos os trabalhadores, empregados da contratada ou empregado da contratante têm direito a essas mesmas condições, conforme já preconizava a NR-24. E, segundo Thiago Augusto, a lei nova ainda avança um pouco mais, proibindo o desvio do trabalhador para atividades distintas daquelas contratadas. Para o palestrante, isso é uma decorrência lógica da impossibilidade desses empregados estarem subordinados ao mando da contratante, ou seja, se a tomadora determina a realização de tarefas que não foram contratadas estará colocando esses trabalhadores em condição de subordinação e, assim, estaria configurado o vínculo de emprego com a tomadora.

Quarentena evita pejotização - A nova lei impõe ainda uma quarentena de 18 meses, segundo registra o expositor. Ele explica que um empregado dispensado pela tomadora não poderá trabalhar na condição de emprego da empresa contratada por sua ex-empregadora pelo prazo de 18 meses, nem figurar como sócio desta empresa prestadora pelo mesmo prazo, a não ser no caso específico de empregados aposentados. “Essa quarenta tem o objetivo de evitar a pejotização. Na auditoria fiscal, tomamos conhecimento de empresas que estavam dispensando trabalhadores e recontratando na forma de terceirizados, atropelando frontalmente essa disposição legal”, pontua.

Saúde e segurança – Responsabilidade da tomadora - Segundo explicou o palestrante, uma regra trazida na lei reformada que não teve o destaque merecido na época de sua edição, mas que chamou bastante atenção na auditoria fiscal do trabalho, foi o artigo 5º parágrafo 3º, que estabelece a responsabilidade da empresa contratante (ou tomadora) de garantir as condições de segurança higiene e salubridade dos trabalhadores que prestam serviços em suas dependências, ou em local previamente convencionado em contrato.

Nesse ponto, o auditor fiscal disse ser necessário diferenciar dever e responsabilidade. Ele lembrou que o dever é imposto a quem tem a efetiva condição de cumpri-lo. No caso da prestação de serviços a terceiros, o dever específico de garantir o cumprimento das normas de saúde e segurança é da empresa que contratou o empregado, ou seja, da prestadora de serviços, pontuou. Mas acrescentou que a responsabilidade que decorre do descumprimento desse dever pode ser atribuída tanto a quem o descumpriu, quanto a um terceiro, e é exatamente isso o que a lei vem dizer, que esse dever é da prestadora dos serviços, ou seja, da empresa contratada (que tem o know-how específico e deve garantir equipamentos de proteção adequados a seus empregados), mas essa responsabilidade é extensiva à empresa que contrata um serviço terceirizado, que, afinal, será executado dentro do seu ambiente de trabalho. Nas palavras do expositor: “A norma estabelece que a empresa contratada é responsável direta pelo cumprimento das normas regulamentadoras e a empresa contratante dos serviços tem que garantir o cumprimento dessas normas. E, para tanto, não basta que ela, a tomadora, fique apenas observando de longe, ou insira em cláusulas contratuais a necessidade de que a empresa contratada cumpra as normas. Ela tem que acompanhar de perto e zelar para que as normas de saúde e segurança sejam cumpridas. Caso contrário, se as normas regulamentadoras forem infringidas, teremos a responsabilização da empresa contratante, com aplicação de um auto de infração, fundamentado no artigo 157, combinado com 201 da CLT.”

Thiago Augusto ressalta que, com a reforma na Lei 6.019, o tomador dos serviços poderá ser penalizado por cada infração à norma regulamentadora que ocorra dentro do seu ambiente de trabalho, já que ele tem a obrigação de garantir as condições de saúde e segurança, nos termos do artigo 5º, parágrafo 3º, combinado com o artigo 19 da Lei 6.019. “Isso já está sendo instrumentalizado pela auditoria fiscal do trabalho”, destacou.

Concluindo sua exposição, o auditor fiscal pontua que, embora haja um esforço da lei reformista para encerrar o debate entre atividade-meio e atividade-fim, o que, de fato, vai estabelecer a existência de vínculo empregatício entre a tomadora e o empregado terceirizado não é atividade em que ele está inserido, mas a forma como ele está inserido. “Se a inserção dele naquele trabalho o subordina ao mando da tomadora, não interessa se em atividade-meio ou atividade-fim, estará configurada a relação de emprego diretamente com a contratante dos serviços terceirizados”, afirma e conclui: “Não podemos nos esquecer de que o princípio da primazia da realidade continua em pleno vigor, através do artigo 9º da CLT, que não sofreu nenhum arranhão pela reforma trabalhista, e levar sempre em conta as novas obrigações que a Lei 6.019 trouxe às empresas envolvidas na terceirização de serviços”.

 

Odete Reis: Números da precarização no trabalho terceirizado.

 

Segunda painelista, a auditora fiscal do trabalho Odete Cristina Pereira Reis falou, de um ponto de vista mais prático, a partir das fiscalizações feitas, sobre o que, de fato, acontece com os trabalhadores face à terceirização. Mas ela também abordou o tema maior do seminário, que é sobre as situações de violência vivenciadas no trabalho. Falou também sobre a precarização do trabalho e as situações de assédio moral vivenciadas pelos bancários e pelos trabalhadores do teleatendimento. Segundo a palestrante, o que mais a auditoria fiscal do trabalho tem encontrado nos últimos anos são irregularidades nas atividades de teleatendimento e do setor bancário: “Hoje temos um projeto de intervenção em bancos e teleatendimento e, não por acaso, essas duas atividades estão no mesmo projeto. Elas têm muita semelhança em relação à cobrança de metas, cobrança por produtividade e a intensificação do trabalho”, destaca.

Precarização do trabalho - Sobre precarização do trabalho, Odete lembra Giovanni Alves, doutor em ciências sociais pela Unicamp e que, segundo ela, abordou magistralmente o tema na obra intitulada “Dimensões da Precarização do Trabalho (Ensaios de Sociologia do Trabalho”). Nessa obra, ele diz a precarização do trabalho é um processo de supressão ou diluição dos obstáculos à voracidade do Capital, obstáculos constituídos pela luta de classe”. O sociólogo chama atenção para o fato de que, quando se fala em precarização do trabalho, não se faz referência aos trabalhadores que já estão à margem da legislação trabalhista e previdenciária, mas ao núcleo mais organizado do trabalho, que conseguiu através de lutas políticas e sociais, alguma forma de controle sobre suas condições de existência.

Números da precarização - No ano passado, o DIEESE editou uma nota técnica sobre terceirização e precarização das condições de trabalho, mostrando, com números, o que de fato acontece com os trabalhadores terceirizados, em comparação com os tipicamente contratados: “Os dados são de 2014 e demonstram que cerca de 26% dos trabalhadores formalmente contratados são terceirizados, contra 74% contratados de forma típica. Em relação à remuneração, os terceirizados recebem 23,5% menos do que os tipicamente contratados. Quanto ao tempo no emprego, os terceirizados ficam quase 50% menos tempo na empresa, o que revela a alta rotatividade no setor. A jornada semanal contratada no caso dos terceirizados é maior do que as do normalmente contratados e finalmente, os acidentes de trabalho típicos também acontecem em número bem maior nos terceirizados, sendo que em alguns setores esse número até duplica”, aponta a auditora.

Segundo Odete, um outro auditor e também pesquisador, Victor Filgueiras, por 5 anos (de 2010 a 2014), levantou os 10 maiores casos de resgates de trabalho em condições análogas de escravo: “Dos 50 casos pesquisados por ele, 44 envolviam trabalhadores terceirizados, sendo que mais de 80% dos trabalhadores resgatados eram terceirizados. Foram 3.300 terceirizados resgatados contra 801 contratados diretamente”.

Assédio Moral: riscos psicossociais e doenças mentais - Sobre assédio moral, a auditora fiscal ressaltou que não cabe mais falar em subjetividade para a investigação do risco psicossocial e o diagnóstico de transtornos mentais, inclusive para o estabelecimento do nexo causal com o trabalho. Segundo ela, a averiguação dos riscos psicossociais e dos transtornos mentais decorrentes não é tarefa simples. Por exemplo, não basta medir o grau de ruído a que o trabalhador se expõe e a doença da surdez que ele causa: “A questão é cercada por uma complexidade maior e o diagnóstico dos fatores de risco psicossociais demanda uma análise da organização do trabalho, um estudo mais aprimorado e mais demorado, mas que é possível de se fazer”, registra.

Odete realça que trabalha em áreas em que esses riscos psicossociais são muito gritantes e que, lamentavelmente, nunca se deparou com algum programa de qualquer empresa que enfrentasse esses riscos e suas relações com os transtornos mentais. Ela lembra que, como já dito pelos outros palestrantes, essas doenças, assim como os riscos psicossociais que as causam, são cercados por certa invisibilidade. “Ainda há um estigma muito grande em relação às doenças mentais, por parte da sociedade e até do próprio doente, que se sente fraco e culpado, preferindo não falar sobre sua doença, o que acabando fazendo com que ele não busque ajuda profissional”, pontua.

Quanto à subjetividade para o diagnóstico desse tipo de doença, a auditora acrescenta que os transtornos mentais como a depressão, ansiedade e síndrome do pânico são doenças muito bem descritas na medicina. Dessa forma, através dos sintomas e sentimentos descritos pela pessoa, o médico será plenamente capaz de fazer o diagnóstico, não havendo, portanto, dificuldade quanto a isso, conclui.

O sentido do trabalho - Nesse ponto, a auditora passou a discorrer sobre o sentido do trabalho na vida das pessoas, já que, segundo ela, é exatamente esse sentido que é mais afetado pelo assédio moral sofrido pelo empregado. Ela cita vários estudiosos e autores, e reporta uma pesquisa feita pela canadense Estelle Morin que, ao questionar pessoas sobre o que fariam se tivessem dinheiro suficiente para passar o resto da vida sem trabalhar, vivendo confortavelmente, mais de 80% das pessoas responderam que trabalhariam mesmo assim. E os motivos mais citados por elas são: para se relacionar com outras pessoas, para ter o sentimento de vinculação, para ter algo a fazer, para evitar o tédio e para ter um objetivo na vida.

A palestrante citou outros dois pesquisadores, Hackman e Oldham, que, em 1976, fizeram um estudo sobre os fatores de motivação no trabalho, chegando a conclusão de que, para que o trabalho tenha sentido, é preciso haver 6 características: ter variedade e ser desafiador, possibilitar a aprendizagem contínua, permitir a autonomia de decisão, possibilitar reconhecimento e apoio, trazer uma contribuição social e, finalmente, permitir um futuro desejável.

Assédio moral organizacional - A expositora alerta que o assédio moral organizacional é muito difícil de ser percebido porque a prática empresarial não visa evitar o assédio, mas alcançar metas. A palestrante destaca que a psicóloga da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Liz Sobol, autora de livros sobre o tema, define o assédio moral organizacional como o conjunto sistemático de práticas reiteradas inseridas nas estratégias e métodos de gestão, por meio de pressões, humilhações e constrangimentos, para que sejam alcançados determinados objetivos empresariais ou institucionais. Para a psicóloga, o assédio moral organizacional se expressa através de métodos de gestão, citando a gestão por estresse, cujo objetivo é o cumprimento das políticas de metas. As características são a supervisão exagerada, cobranças de metas, alta produtividade, mais rapidez e eficiência. Há ainda a gestão por medo de ameaça implícita ou explícita, que, segundo Sobol, visa a adesão do trabalhador aos objetivos organizacionais.

Odete Cristina Pereira Reis, auditora fiscal do trabalho (Foto: Thiago Soraggi).

Situações práticas: a triste realidade dos bancários - A palestrante relatou que a auditoria fiscal do trabalho realizou uma ação em um Banco, alcançando 51 agências em Belo Horizonte, mais 2 na região metropolitana. Foram 646 empregados alcançados, cerca de 1400 autos de infração lavrados, uma multa aplicada estimada em 6.500.000 reais. “Nós visitamos os locais de trabalho em cerca de 38 agências, fiscalizamos  documentos, fizemos entrevistas com os trabalhadores e aplicamos questionários, principalmente com os gerentes de relacionamento”, relata a auditora. Durante o procedimento, foram feitas análises de quatro doenças do trabalho, transtornos psíquicos, pois foram encontrados trabalhadores afastados por doenças mentais que o INSS tinha considerado como doenças do trabalho, embora não tenha havido a emissão de CAT (Comunicação de acidente de trabalho).

Odete Cristina esclarece que, o objetivo da fiscalização foi verificar a política de metas, como era realizada a cobrança por produtividade, a questão do assédio moral, a jornada de trabalho (a sétima e oitava horas trabalhadas pela gerente de relacionamento) e a conclusão foi de que essa jornada estava irregular, ou seja, esses trabalhadores deveriam estar incluídos na previsão do artigo 224 da CLT, cumprindo a jornada de 6 horas diárias dos bancários.

A auditoria também constatou muitos casos de adoecimentos e terceirização de serviços e, ainda, um grande número de dispensas, inclusive por causa da terceirização, já que se contratam outras empresas para a execução do trabalho do gerente. Odete conta que uma dessas empresas terceirizadas também foi analisada pela auditoria fiscal, que observou que ela presta serviços somente para esse banco e que seus empregados são correspondentes bancários, com a atribuição de ligar para os clientes do banco oferecendo empréstimos consignados.

Em relação às metas, a auditoria concluiu que elas são abusivas, já que 45% dos trabalhadores disseram não conseguir atingi-las, por serem muito altas, o que acaba lhes exigindo um ritmo muito intenso de trabalho e gerando concorrência entre os empregados. Segundo a auditora, 70% trabalhadores relataram ameaça de demissão pelo não cumprimento de metas.

Adoecimentos - Por levantamentos feitos em arquivos de CATs, de 2014 a 2017, Odete Cristina realça que foram 55 CATs aqui no Estado, somente desse banco, sendo que dessas, 52 eram relativas a transtornos mentais, sendo 29 casos de depressão.

Teleatendimento - Lembrando o trabalho de Louis Le Guillant, “A neurose das telefonistas”, de 1956, pontua a auditora que ele já falava muito dessas questões que nós estamos travando até hoje. Desde aquela época, as operadoras ou telefonistas tinham apenas 5 minutos para ir ao banheiro. Até hoje, quando a atendente que demora mais que isso no banheiro tem de responder um questionário enorme e explicar o motivo de ter excedido o tempo. Há ainda a questão da monitoria, as ligações atendidas pela operadora são escutadas sem que ela saiba quando isso vai ocorrer, o que também é um enorme motivo de estresse.

O que mudou? - Hoje, o que mudou nas condições de trabalho no teleatendimento? – indaga a palestrante. E responde: “As mudanças ocorreram no aparato para controlar e vigiar esses trabalhadores, que se tornou muito mais sofisticado: Hoje se consegue controlar de uma forma inimaginável!”

A auditora alerta que o enfrentamento das condições de trabalho no teleatendimento é um grande desafio: “E não é por falta de legislação”, pontua. Ela cita o Anexo 2 da NR-17, que proíbe o uso de práticas que causam assédio moral, medo ou constrangimento. “A norma diz que não se pode restringir o tempo para o trabalhador fazer suas necessidades fisiológicas e também foca no adoecimento, falando sobre a repercussão das metas e do controle sobre os trabalhadores”. No entanto, Odete lamenta que essa norma não seja aplicada, como demonstram as constantes autuações das empresas pelo descumprimento dela.

Resiliência - Nesse ponto de sua exposição, a palestrante destaca a “resiliência” que é levantada como a principal qualidade que deve ter um teleatendente. E destacou os seguintes dizeres, colocados em uma advertência aplicada à empregada de uma empresa de teleatendimento, por não ele ter sido “resiliente”: “Resiliência é uma mobilidade extremamente necessária para quem trabalha no ramo de telemarketing. Aconteça o que acontecer o profissional permanece firme, supera as ofensas e continua realizando seu trabalho com qualidade. sem estresse.” No caso, a atendente havia encerrado a chamada de um cliente insatisfeito que, por várias vezes, usou palavras de baixo calão, mesmo após ser avisado pela profissional que a chamada poderia ser encerrada.

Segundo a auditora fiscal do trabalho, a “resiliência” é usada no contexto organizacional das empresas de teleatendimento com o intuito de que tudo seja tolerado pelos indivíduos: “isso diminui a consciência de exploração e de justiça, aumenta a alienação e quebra o espírito de coletividade”, alerta.

Lembrando das características que o trabalho deveria ter para fazer sentido, Odete finaliza sua exposição com uma frase que está no livro “Os sentidos do trabalho”, do sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes: “Se por um lado necessitamos do trabalho humano e de seu potencial emancipador, devemos também recusar o trabalho que explora, aliena e infelicita o ser social”.

 

Desembargadora Rosemary Pires: Reflexões sobre a terceirização.

 

 “Ministério Público, auditores ficais do trabalho, Judiciário trabalhista, somos todos partícipes de um único processo, que é evolutivo das relações de trabalho no nosso País”. Foi com essas palavras que a desembargadora do TRT-MG, Rosemary de Oliveira Pires, iniciou sua fala como debatedora do painel. Em seguida, lançou no ar um alerta: com base em dados do Ministério Público do Trabalho e da Universidade Federal de Santa Catarina, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial em números de acidente do trabalho, perdendo apenas para a China, Índia e Indonésia. Segundo ela, esses dados também demonstram que, de 2012 a 2018, ou seja, em 7 anos, o país gastou 27,3 bilhões com auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte e auxílio-acidente. “Evidentemente, esses gastos se projetam no futuro, já que são benefícios de prestação continuada”, comenta a palestrante.  “Trata-se de uma sangria que talvez possa nos fazer questionar sobre a necessidade de uma reforma da previdência”, lamenta.

Nesse cenário, a palestrante concluiu que, acidente do trabalho, portanto, não é apenas uma questão jurídica e humanitária, mas é também uma questão orçamentária: “Trata-se de política de governo e de se questionar que tipo de sociedade nós queremos construir, não só do ponto de vista da fraternidade, mas dessa sangria de dinheiro público que poderia estar sendo utilizado em áreas que sabemos que são prioritárias para a sociedade, como educação e saúde”, destaca a desembargadora. Ela pontua que o problema é de prevenção, para que se evite esse sangramento dos cofres públicos.

Terceirização – Reflexões sobre a nova legislação - Rosemary de Oliveira disse que há muito percebe a terceirização como algo preocupante, sobretudo em um país subdesenvolvido como o Brasil, de precariedade na área da fiscalização e na judicialização e sua efetividade. “Na época da minha posse aqui no TRT mineiro, já nos preocupávamos com a lei que veio a vingar em 2017, a Lei 13.429, que ampliou a terceirização e alterou a Lei 6019/74 sobre o trabalho temporário. O que nós não esperávamos é que a Lei 6.019 seria ainda mais amplamente alterada pela Lei 13.467, também de 2017, mais conhecida como a lei da reforma trabalhista. A partir dessa lei, a terceirização passou a ser ainda mais aberta e, portanto, mais precarizante do trabalho, na medida em que passou a ser permitida em quaisquer atividades da empresa contratante ou tomadora dos serviços”, registra a palestrante.

Sobre o requisito da capacidade econômica da empresa prestadora para executar os serviços que lhe foram contratados pela empresa tomadora, previsto na lei reformista, a desembargadora acredita que ela deve ser constatada, sob pena de se considerar ilícita essa terceirização. “Essa empresa deve ter capacidade econômica não só para executar os serviços contratados, como também para fornecer as medidas e equipamentos de proteção ao trabalho, inclusive, nessa investigação financeira da prestadora, deve ser levado em conta o número seus débitos trabalhistas advindos de condenações anteriores na Justiça do Trabalho”.  Ela ressalta que é essa a leitura que fará da norma legal, sugerindo que o Ministério Público do Trabalho, assim como a auditoria fiscal do trabalho, façam uma reflexão sobre essa questão.

Em relação ao inciso II do artigo 4º-C, introduzido na Lei 6.019 pela reforma trabalhista, a desembargadora realça que, de fato, como dito pelo auditor fiscal do trabalho Thiago Augusto, a norma diz que são assegurados aos empregados da empresa prestadora de serviço, quando executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições sanitárias, de proteção à saúde e segurança no trabalho, de instalações adequadas à prestação dos serviços, assim como de treinamento adequado, este último a ser fornecido pela contratada. Mas, para a expositora, apesar de a norma falar expressamente que o treinamento é dever da prestadora de serviços, esta não é uma obrigação exclusiva dela, mesmo porque a lei não fala isso. Ela acredita, portanto, que não há impossibilidade, mas, pelo contrário, é até conveniente que a empresa tomadora também forneça esse treinamento aos empregados terceirizados, o que inclusive é mais compatível com a jurisprudência trabalhista, que caminha no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária das empresas envolvidas na terceirização, ou seja, da prestadora e da tomadora dos serviços, frente aos acidentes de trabalho sofridos pelos empregados terceirizados.

Números “estarrecedores”- Nesse ponto de sua exposição, a debatedora passou a falar dos números, em suas palavras, “estarrecedores” da terceirização no Brasil, anteriores, inclusive, à reforma trabalhista, que a ampliou ainda mais. Ela pontua que de cada 10 trabalhadores acidentados, 8 são terceirizados. Na visão da desembargadora, apenas esse número já seria suficiente para que se discutisse a legalidade da terceirização no Brasil: “Não é possível que, para facilitar para dinamizar os custos, qualquer que seja a sua ligação à empregabilidade e à competitividade de empresas, permita-se a terceirização da mão de obra, ignorando-se esse número absurdo, mesmo porque, com mais terceirização, esse número tende a ser ainda maior”, lamenta, lembrando que a precarização aumenta o risco de acidentes de trabalho.

Desembargadora Rosemary de Oliveira Pires (Foto: Thiago Soraggi).

Mas, a partir de levantamentos realizados em 2018, a desembargadora apresenta mais dados. Ela registra que esses números são muito importantes para que se perceba a dimensão do problema da terceirização, demonstrando que já são 12 milhões de trabalhadores brasileiros terceirizados contra 35 milhões de contratados diretos. “Ou seja, nós já temos 1/3 da mão de obra formal do país de trabalhadores terceirizados”, observa, demonstrando preocupação com a tendência de crescimento desenfreado desse número a partir de agora.

No entendimento da desembargadora do TRT mineiro, a reforma trabalhista piorou a situação dos trabalhadores, em vários aspectos: “Piorou porque realmente precarizou, e precarizou terceirizando, o que, pra mim, foi o mais prejudicial da reforma.”

 Entre os vários “perigos” da reforma, a expositora aponta a flexibilização da jornada extra, a jornada em ambiente insalubre, a jornada em ambiente prejudicial a lactantes e gestantes e ainda a precarização do teletrabalho, que se projeta para a empresa, mas como termo de responsabilidade do teletrabalhador, que também poderá ser terceirizado, além da legalização do trabalho intermitente.

A palestrante ainda chamou a atenção para o fato de que é preciso refletir sobre a questão das cotas para deficientes, no caso de empresas que terceirizam mão de obra com mais de uma empresa prestadora, questionando se a fiscalização não poderá somar o número de trabalhadores terceirizados, incluindo os contratados de todas as prestadoras de serviços, para efeito de cumprimento das cotas legais de trabalhadores com deficiência. “É preciso que haja um novo olhar do Ministério do Trabalho, no sentido de se fazer esse fechamento preventivo, porque senão nós vamos ladeira abaixo, criando um custo Brasil sem precedentes”, finaliza.

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