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Painel: A tarifação dos danos extrapatrimoniais e a segurança jurídica - Victor Dietzold e Des. Sebastião Geraldo

publicado: 17/08/2017 às 00h18 | modificado: 30/08/2017 às 15h42

O painel sobre o tema em questão trouxe dois palestrantes de peso que colocaram suas análises e ponderações sobre esse ponto, considerado o mais polêmico e vulnerável da reforma. Confira:

Palestrante 1 - Victor Tainah Fernandes Dietzold

Pós graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes e Gerente jurídico do Sistema FIRJAN, Victor Tainah Fernandes Dietzold iniciou sua fala explicando que a Lei 13467 trouxe o dano extrapatrimonial como gênero, dele derivando como espécies o dano moral e o dano existencial. E, pela nova doutrina, o dano moral não é mais apenas violação da alma, mas atinge aspectos exteriores, como a imagem e a boa fama. Já o dano existencial, mais moderno, envolve aspectos da vida pessoal do trabalhador. Ou seja, o dano seria a frustração do projeto de vida pessoal do empregado, como as jornadas extenuantes que impedem que ele desfrute do convívio familiar e social.

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Mas o que assombra o palestrante é a multiplicação desenfreada dessas ações. Ele cita dados do TST, pelos quais de 1% a 2% dos processos de 2016 traziam exclusivamente pedidos de dano moral. Por outro lado, mais de 40% das ações trabalhistas contém pedidos de dano moral. Na verdade, o dano moral tornou-se um pedido acessório nas ações comuns.

O problema maior, no entanto, segundo aponta Dietzold, é o chamado “sistema aberto”, adotado no Brasil, em que o magistrado tem liberdade para arbitrar o quantum indenizatório, a seu juízo. E o faz, critica o palestrante, sem usar critérios lógicos para chegar ao valor da condenação. Daí as decisões díspares, como a citada por ele, em que dois cobradores de ônibus assaltados em serviço ganharam, pela mesma situação, indenizações de 10 mil um e 60 mil o outro. Isso, de acordo com o palestrante, gera insegurança jurídica. “Como um advogado vai explicar ao cliente que casos idênticos ganham indenizações totalmente diferentes?”, questiona.

Assim, prossegue, diante do excesso de subjetividade que rondava as decisões nessa matéria, a reforma criou artigos para regulamentar a questão das indenizações. Só que aí veio uma incoerência e até uma inconstitucionalidade na lei.

O art 223-A- diz que “Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste título”. Ou seja, criou-se uma regra específica para regulamentar a reparação do dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho. Esse artigo, como esclarece Victor Fernandes, deve ser interpretado conjuntamente com o 223-G, que elenca parâmetros para o juiz se nortear na hora de quantificar o dano moral no caso concreto. Nesse ponto, ao mesmo tempo em que elogia a norma por trazer esses parâmetros norteadores, o palestrante faz dura crítica ao parágrafo primeiro desse artigo, que estabelece uma espécie de tarifação para o dano moral e, ainda, adota como base de cálculo o salário contratual do trabalhador.

Apesar de se dizer um total defensor da reforma, nesse ponto, ele entende que há contradição e até uma inconstitucionalidade. Isto porque a Constituição Federal não limita a quantificação do dano e nem acolhe parâmetros que possam induzir a privilégios para alguns. Assim como está, as indenizações de quem ganha altos salários vão ser sempre bem maiores que as do trabalhador braçal ou mais humilde.

Ele observa que, pelo controle difuso de constitucionalidade, o próprio magistrado que se deparar com um caso desses vai dizer na fundamentação que não aplica a lei porque a considera inconstitucional. “Mas aí, será que continuarão aplicando os métodos antigos?”, teme o jurista.

De toda forma, o palestrante traz a notícia de um Texto de Medida Provisória em que o governo já se dispõe a corrigir isso. Esse texto altera o art. 223-A para ampliar o rol dos bens juridicamente tutelados (o que, no seu entender, seria desnecessário porque o que está lá deve ser lido como rol não exaustivo) e muda também o art. 223-G para adotar como base de cálculo o teto da Previdência Social, isso valendo para todos os trabalhadores. Segundo aponta, essa medida resolveria o problema da disparidade das indenizações entre trabalhadores de faixas de rendas diferenciadas, mas permaneceria a afronta ao artigo 5º, V, pelo qual a reparação deve ser proporcional ao agravo, já que a lei impõe um teto à reparação. “Ou seja, a MP não resolve tudo”, alerta. Inclusive, no dano decorrente de morte, a lei da reforma limita a indenização até 50 salários do trabalhador, o que, se se considerar o salário mínio, fica bem abaixo das condenações atuais.

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Finalizando, Dietzold pondera que não adianta só criticar. É preciso discutir, na prática, uma saída jurídica para essas situações e também uniformizar a jurisprudência para termos decisões mais coerentes. E ele se arrisca a sugerir duas alternativas:

Primeiramente, utilizar o método bifásico do STJ para quantificar o dano moral. Esse método consiste de duas fases. Na primeira delas, analisa-se cada tipo de dano (ex perda de membro), de acordo com um conjunto de precedentes, para se fixar um valor básico ideal de indenização, com base nesses precedentes. Já na segunda fase, parte-se para a análise da circunstância do caso concreto para fixar o valor justo para a situação específica. “Isso eliminaria a subjetividade na fixação dos valores de indenização”, pontua.

A outra saída apontada para a eliminação da subjetividade é que o artigo 489 do CPC seja de observação obrigatória pelos juízes. Esse artigo estabelece que não se considera fundamentada  decisão que empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; ou que invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; ou que não enfrentar argumentos deduzidos no processo, capazes de infirmar a decisão do julgador. Ele diz que, na prática, não tem visto muitos juízes aplicando isso.

Por fim, pondera que é preciso discutir urgentemente alternativas para estabelecer parâmetros para as indenizações: “Ainda navegamos na insegurança ante a possibilidade desses artigos da reforma serem considerados inconstitucionais”, arremata.

 

Palestra 2 – Sebastião Geraldo de Oliveira

Também convidado a falar sobre o mesmo tema, o desembargador do TRT-MG Sebastião Geraldo de OliveirazSebastio.JPG lembrou que a reforma trabalhista aprovada vai entrar em vigor no dia 11/11/2017, com vacatio legis de 120 dias. Tínhamos, até então, na CLT, o Título II, tratando das normas gerais de tutela do trabalho, e no Título III, as normas especiais. “Depois que a CLT foi ‘lipoaspirada’, colocaram um implante no Título II (o Título II-A), que agora regula o direito extrapatrimonial em sete itens”, alfineta.

O palestrante explica que o Direito do Trabalho adota um conceito mais amplo de dano moral, agora previsto na lei da reforma como dano extrapatrimonial. Ele acredita que poderá haver algum entrechoque porque o civilista e o consumerista continuarão utilizando a terminologia dano moral, mas na seara trabalhista, agora aplica-se o termo “dano extrapatrimonial”, que é basicamente a mesma coisa, mas com regras diferentes. A pretensão do legislador aí foi criar um microssistema de dano moral que é válido só para o Direito do Trabalho. E por isso incluiu lá no texto legal que, em matéria trabalhista, aplica-se “apenas o previsto neste artigo”, ou seja, exclui expressamente a lei civil para os casos de dano moral trabalhista. Mas o palestrante entende que o dano material continuará sendo regulado pelo direito civil. Essa regulação só vale para o dano extrapatrimonial.

Para o desembargador, essa regulamentação é singela para dar conta de todos os institutos da responsabilidade civil, apesar de oferecer algumas diretrizes importantes para tal.“Da minha parte não sou legislador, mas como magistrado, a minha intenção é aplicar a lei em seus devidos limites e contornos, com a devida interpretação. Sem um ‘pré conceito’ como alguns que estão rejeitando de antemão ou aplaudindo entusiasticamente. É como aplicador da lei e como jurista que vou analisá-la e com o cuidado de interpretá-la juridicamente”, pondera.

Partindo para a análise do teor do artigo, Sebastião Geraldo explica que lá está expresso que só caberá reparação ao titular do direito, ou seja, à pessoa física que foi vítima do dano, seja em caso de assédio moral, dano moral, acidente do trabalho etc. E aí ele aponta o primeiro alvo de questionamento: Não cabe mais o dano em ricochete? No entendimento dele, não. “A intenção do legislador foi clara: afastar o dano em ricochete. E é algo que nós julgamos com frequência na JT”. Ele relata o caso de um tratorista do Norte de Minas que sofreu um acidente, ficou paraplégico e recebeu indenização. Posteriormente, veio a esposa à Justiça dizendo que ela também foi atingida indiretamente (dano em ricochete), já que o marido passou a necessitar dos seus cuidados e também perdeu funções sexuais, o que a afetou diretamente. Por isso, o desembargador entendeu que houve dano em ricochete e concedeu a ela a indenização respectiva.

Agora, vem o novo dispositivo e diz que a reparação só se aplica ao titular, e não ao terceiro. Daí vem novo questionamento: o dano do terceiro não é indenizável? Ou é indenizável na Justiça Comum? Os atingidos indiretamente irão buscar reparação onde? Ou ficarão irreparados esses danos? “Essa é uma questão que ainda vai dar muita discussão”, vaticina o palestrante, entendendo que foi criada uma limitação da amplitude do tema dano moral. Até porque, critica o jurista, se assim for, ficaram excluídos do direito à reparação  os descendentes, cônjuge, pais etc. Mas, então, em caso de morte do pai trabalhador, não mais poderão ser concedidas indenizações ao filho ou aos pais do falecido? E, por outra, já que, por lei, o direito é transmissível, como fica o direito dos herdeiros, em relação aos danos morais sofridos pelo pai falecido? São outras respostas a se buscar, na visão de Oliveira.

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Quanto à tarifação, que o desembargador prefere chamar de tabelamento, ele comenta que a ideia da lei foi fixar uma tabela para o dano moral, com base no salário do trabalhador, o que resultará na fixação de indenizações diferentes para pessoas que sofreram a mesmíssima lesão. Para ele, seguramente, há aí um tratamento discriminatório e grave violação ao Texto Constitucional. “A pobreza ou a riqueza do lesado não pode servir de critério para que ele receba mais ou menos. Afinal, a dor dos humildes não é menor que a dos mais ricos”, pondera, afirmando estar aí o ponto mais vulnerável da reforma. Ele cita o caso fictício em que subiram no elevador da obra o engenheiro, o pedreiro e o empreiteiro. Se cai esse elevador, ainda que todos, igualmente, quebrem a perna e sofram o mesmo dano moral, as indenizações teriam de ser diferentes, de acordo com o padrão salarial de cada um.

Segundo explicou, esse dispositivo contraria, inclusive, o Enunciado 588, do Conselho da Justiça Federal, criado em uma Jornada de Direito Civil, pelo qual o patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro preponderante para o arbitramento de compensação por dano extrapatrimonial. “É uma ideia que na doutrina civilista já está bem fixada”, esclarece o magistrado.

Outro problema apontado é a previsão de que só caberá uma indenização, sem direito a cumulação, mesmo que haja múltiplas ofensas. Assim, se houver mais de um dano pelo mesmo fato (como dano à imagem, à honra, à intimidade etc), pela nova lei, haverá direito a apenas uma indenização. E ainda há o tabelamento em graus: de natureza leve, média, grave ou gravíssima.

“Mas e no dano moral coletivo?”, indaga o palestrante. A lei fala em indenização “a cada um dos atingidos”. O desembargador entende que se a Ação Civil Pública indica o universo dos trabalhadores que estão sendo atingidos pela situação denunciada, o juiz deve fixar indenização considerando cada um dos lesados, cada um dos ofendidos. Seria a interpretação mais coerente, a seu ver.

De toda forma, o palestrante lembrou que há o compromisso do governo de modificar esse texto, adotando como parâmetro o teto do benefício pago pelo INSS. Daí a indenização poderia ser igual para todos os que caíram no elevador do exemplo supra citado. Por outro lado, ele aponta acórdãos do STF e do STJ no sentido de que a tarifação do dano moral fere a Constituição Federal. E lembra que, justamente por isso, o plenário do STF afastou a aplicação da Lei de Imprensa como parâmetro para a fixação das indenizações, já que tarifava os danos morais conforme a natureza da lesão ou da ofensa, limitando a indenização a 10 vezes a tarifação das empresas jornalísticas. Já o  STJ editou Súmula 281, dizendo que a indenização por dano moral não está sujeita ao tabelamento ou tarifação prevista na Lei de Imprensa.

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Assim, a conclusão do palestrante é de que, se no controle de constitucionalidade quem decide é o Supremo, parece já haver um indicativo da posição da Corte, no sentido de que a Constituição Federal não comporta tarifação do dano moral. E, a essa altura, ele desabafa: “Ou será que ficaremos com dano moral tarifado só no direito do trabalho?”

Essas e outras dúvidas ainda permanecem nas mentes, para serem dirimidas no ato da aplicação da nova lei. Uma delas é clássica: aplicam-se esses novos dispositivos aos contratos atuais? E para lesões ocorridas antes da entrada em vigor da nova lei? O desembargador lembra o não menos clássico princípio constitucional, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Assim, é preciso ver a data da lesão para saber que lei aplicar. Afinal, o tempo rege o ato. Portanto, ele pretende aplicar a lei a fatos ocorridos depois de 11 de novembro de 2017.

Dito isso, encerra a sua fala ponderando que tudo isso são só as primeiras impressões e opiniões e que devemos olhar desapaixonadamente o contexto que se nos apresenta, para aplicar com justiça a lei posta.

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