Min. Aloysio Corrêa: O contrato de trabalho intermitente.
O Ministro do TST, Aloysio Corrêa da Veiga, iniciou sua fala expressando uma preocupação: estamos numa realidade em que, dos mais de 200 milhões de almas que habitam o Brasil, apenas 70 milhões estão, em tese, empregados. Diante desse contexto, refletiu, fizeram a reforma dizendo que estão colocando o Brasil no Século XXI. “Mas a realidade de miséria, mendicância e insegurança que vejo nas ruas não me convence disso”, externou.
Em um passo ousado, a reforma colocou empregados de alto escalão para negociar diretamente com empregadores. O ministro questiona: “Eu gostaria de manifestar minha capacidade de negociar se estivesse na pele do Neymar, com seu salário de 75 milhões. Ele, sim, pode impor ao negociar. Mas, no Brasil, não temos nem superempregados e nem superempresas. Temos problemas, tanto na área econômica, quanto na área profissional. Uma não vive sem a outra”, argumenta.
Falta de debate - Segundo pondera, é preciso buscar a harmonia, que só vem com o debate. E é este, justamente, o ponto que ele mais questiona nessa reforma que, a seu ver, careceu de debate amplo anterior, do necessário diálogo com os diversos setores da sociedade. “Era necessária uma reforma, porque navegar é preciso. Mas, ao fazê-la, era imprescindível estudar com afinco a realidade das categorias e empresas no país.”
O ministro contesta a acusação de excesso do princípio protetor na JT. E dispara: “Não se pode culpar o Direito do Trabalho se as grandes empresas não vêm para o Brasil. O grande problema aqui é o excesso de burocracia, de leis tributárias, comerciais etc.” Ele reconhece que é preciso, sim, modificar a CLT, que é antiga e não dá conta da realidade moderna. Mas há parâmetros a se observarem.
Brasil dos contrastes - Entrando nos pontos da reforma, ele pondera que a negociação deve valer sobre a lei, desde que não a contrarie frontalmente. “Se o trabalhador pode negociar sobre a lei, se prevalece o negociado sobre o legislado, o Estado sai de cena”, pontua. O problema, segundo pondera, é que ainda discutimos trabalho em condições análogas à de escravo neste Brasil do Século XXI. E, por isso, esse Brasil dos contrastes precisa debater, trocar ideias e negociar diante de uma questão: que Estado queremos?
Ao comentar sobre a saraivada de críticas com que foram alvejadas as Súmulas e jurisprudência do TST nesse processo de reforma, o ministro esclarece que essas súmulas partem de julgamentos que se repetem, isto é, situações concretas vivenciadas pelos trabalhadores de todo o Brasil e que chegam à apreciação do tribunal superior para uma regulação que resolva a vida das pessoas. Exemplo disso foi a apedrejada, e agora vetada, equiparação salarial em cadeia por paradigma remoto, formada a partir de precedentes clássicos que ele cita. Agora não vai mais poder. Ou seja, derruba-se toda a jurisprudência de um tribunal formada pelos julgamentos repetitivos. Diante disso, ele alerta: “É preciso cuidar da segurança do Capital, mas sem descuidar dos princípios básicos do Direito do Trabalho”.
Desafios da intermitência- Entrando no tema do trabalho intermitente, Corrêa da Veiga observa que essa matéria não é nova e vem sendo discutida desde a década de 80. Trata-se de contrato de trabalho atípico que, reconhece, precisava ser regulamentado. Nesse tipo de atividade econômica, marcada pela sazonalidade, a continuidade da relação de emprego é extremamente onerosa. “É preciso resolver isso, mas sem transferir o risco do negócio para o empregado”, frisou.
Como essas empresas alternam períodos de atividade com períodos de inatividade, o legislador quis buscar formas de compatibilizar essa característica com a lei trabalhista, criando esse contrato de trabalho que, sendo atípico, o palestrante entende que só pode ser visto como contrato especial, nunca como gênero.
Exemplos do direito comparado - Para essa regulamentação, o ministro diz ser necessário recorrer ao direito comparado, buscando nos inspirar nas boas experiências nesse campo. E ele cita Portugal e Itália. Ambos os países adotaram contrato intermitente, mas por escrito, com prazo determinado e com todas as obrigações decorrentes do trabalho sazonal. Em Portugal, o tempo de inatividade é remunerado, conforme ajustado em acordo, ou, pelo menos, em 20% do salário da época de atividade. Na Itália, o trabalhador recebe uma indenização por esse período de inatividade. Assim, segundo ressalta o ministro, durante o período de inatividade, o empregado não fica ao desemparo completo.
O palestrante rechaça a tese de que, no período de inatividade, o empregado não prestará serviços e ficará livre para arranjar outro emprego, o que desoneraria a empresa de qualquer obrigação. “Mas como arranjar outro trabalho se mora em local em que a atividade é sazonal?”, indaga.
Falha do modelo brasileiro - Pela lei da reforma, no entanto, diferentemente do direito estrangeiro, o contrato será escrito, mas não haverá remuneração no período de inatividade. Para o ministro, não poderia haver o abandono total do trabalhador no período de “entressafra”. Afinal, ele não está prestando serviços, mas está à disposição para ser convocado e, nesse período, precisará de atividade para sobreviver. Atividade essa que, segundo avalia, será autônoma ou de subemprego.
Culpa da crise - Para Corrêa da Veiga, a única forma de solucionar a questão social e econômica do país é com uma política séria e eficiente de geração de empregos. Sem ciclo de geração de empregos não há atividade econômica, analisa, e isso só se constrói com um projeto, hoje inexistente no país, que deveria estar investindo em infraestrutura, como a reconstrução da sua malha ferroviária sucateada há mais de cem anos. Isso, sim, geraria empregos.
Ele acrescenta que todas essas mudanças só estão ocorrendo no país porque há uma crise imensurável, sem precedentes. E, na crise, é preciso buscar saídas. Justamente, o trabalho intermitente foi adotado na França e em Portugal em momentos de crise nesses países. “A questão não é a necessidade de modernização da CLT, mas a crise econômica em que vivemos”, frisou.
Inclusão dos informais - A boa notícia é que, acredita o ministro, o trabalho intermitente pode, sim, abarcar trabalhadores que estão hoje no mercado informal, fora da proteção da lei. E eles são mais de 40% da população economicamente ativa. Mas ele aponta outra falha na nova regulação: a atividade é que deveria definir a necessidade do trabalho intermitente, e não, simplesmente, a vontade das partes. Ou seja, essa forma de contratação não poderia ser estendida a toda e qualquer atividade que não tenha intermitência. “Porque se assim for estará apenas precarizando o trabalho, criando o subemprego”, concluiu.
Por atividade sazonal podemos entender, por exemplo, os desfiles de carnaval no Rio de Janeiro, em que a necessidade de mão de obra volumosa só ocorre nessa época. O ministro chama a atenção para a diferença entre o trabalho intermitente e o trabalho temporário. O intermitente irá se repetir todos os anos, em certas épocas.
Segundo pontuou o palestrante, a justificativa do legislador ao criar essa modalidade contratual foi a de que muitos trabalhadores hoje em dia desejam trabalhar em tempo parcial, em função de estudos, família etc. Mas ele lembrou que há aqueles que precisam trabalhar o tempo todo e esses profissionais necessitarão de certa garantia de sobrevivência.
Intermitência necessária - Concluindo, o ministro coloca alguns requisitos para que haja trabalho intermitente: alternância entre períodos de atividade e inatividade da empresa; contrato escrito, subordinado e descontínuo, determinando-se a quantidade de horas, dias e meses trabalhados; e remuneração não inferior ao salário-mínimo ou àquele pago ao pessoal permanente. Tudo, segundo o palestrante, para extirpar qualquer possibilidade de precarização do trabalho. “Porque, se voltarmos à precarização, teremos de voltar a conviver com uma situação indesejável, que é desemprego, informalidade, subemprego”, pontuou.
Ao final, o palestrante manifestou a sua esperança de que a reforma possa trazer como consequência o que as justificativas para a sua adoção apresentaram: que ela seja, de fato, vetor de crescimento, de desenvolvimento social e de pleno emprego. “E, para tanto, é preciso termos como parâmetro uma reflexão maior: o que queremos, para onde vamos e como vamos chegar lá. Não há resistência à reforma, mas é preciso que ela se afirme, na realidade, como algo que vai harmonizar a relação entre trabalhador e empregador, entre Capital e Trabalho, para que a empresa possa ser uma força motriz capaz de potencializar a riqueza do país”.