Doutora em Ciência Política encerra congresso em Tiradentes
“É preciso ter cuidado porque não há apenas um sentido da judicialização da política. Há um outro, representado pela idéia de ativismo judicial” (Foto Leonardo Andrade) |
A professora Gisele Guimarães Cittadino, mestra em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Ciência Política pela SBI IUPERJ, encerrou, esta noite, o I Congresso Mineiro de Processo do Trabalho , realizado na cidade histórica de Tiradentes, proferindo palestra cujo tema foi Direito, Democracia e Interpretação Constitucional .
De acordo com a palestrante, o processo de ampliação da ação judicial pode ser analisado à luz das mais diversas perspectivas: o fenômeno da normatização de direitos, especialmente em face de sua natureza coletiva e difusa; as transições pós-autoritárias e a edição de constituições democráticas, seja em países europeus ou latino-americanos, e a conseqüente preocupação com o reforço das instituições de garantia do estado de direito, dentre elas a magistratura e o Ministério Público; as diversas investigações voltadas para a elucidação dos casos de corrupção a envolver a classe política, fenômeno já descrito como “criminalização da responsabilidade política”; as discussões sobre a instituição de algum tipo de poder judicial internacional ou transnacional, a exemplo do Tribunal Penal Internacional; e, finalmente, a emergência de discursos acadêmicos e doutrinários, vinculadas à cultura jurídica, que defendem uma relação de compromisso entre Poder Judiciário e soberania popular. “Se considerarmos qualquer uma dessas chaves interpretativas, podemos compreender porque a expansão do poder judicial é vista como um reforço da lógica democrática”, completou a professora.
Ao contrário da Europa, em que os Estados e suas instituições vão se constituindo/desenhando através de um processo de luta política que, desde o início da modernidade, envolve as camadas populares (múltiplas revoluções, que se dão “por baixo”), no Brasil as grandes mudanças se dão através de revoluções “pelo alto”, prosseguiu Gisele Cittadino.
A palestrante analisa que isso começa a mudar com o fim da ditadura militar que representou, é verdade, uma espécie de aliança política de todos com quase todos; mas, ao contrário do passado, esse processo envolveu, desde o início da crise econômica que o deflagra, a participação do conjunto da sociedade brasileira: movimento sindical dos anos 80, que está na origem da reorganização partidária da qual resulta a criação do PT e do PSDB, o movimento das diretas já, a luta pela anistia, a assembléia nacional constituinte e, finalmente, a participação política da sociedade no processo de impeachment de Fernando Collor são ações políticas que contaram com uma forte participação política do conjunto da sociedade e suas organizações (OAB, ABI, CNBB, múltiplos movimentos de defesa dos direitos humanos ).
E destaca: A assembléia nacional constituinte é o momento que quero agora destacar. Foi intensa a participação da sociedade civil. 122 emendas populares, que reuniram um total de dez milhões de assinaturas. E isso, sem dúvida, ajuda a explicar a primeira característica da constituição que quero demarcar: o seu amplo sistema de direitos fundamentais- que transformou todos os direitos da declaração da ONU em direitos legais no Brasil – se deve, em parte, a esse processo de participação popular.
A segunda característica salientada por Gisele Cittadino é a inclusão no texto constitucional das garantias de efetivação dos direitos fundamentais – especialmente o mandado de injunção (sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania); e na ação de inconstitucionalidade por omissão, (que pode ser proposta, entre outros, por partidos políticos, confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional). “Essa inclusão é resultado do trabalho de muitos constitucionalistas na ANC. A previsão dos instrumentos de efetivação foi resultado da participação conjunta das assessorias do PSDB (José Afonso da Silva) , PT (Fábio K. Comparato e Eduardo Seabra Fagundes) e PDT (Carlos Roberto Siqueira Castro). Aqui, a luta é pelo dever de ação Estado e não pelo dever de abstenção. Falamos, portanto, do processo de concretização da Constituição como capacidade de controle, por parte da comunidade, das omissões do poder público”, ressalta.
A palestrante afirma, ainda que com esses instrumentos, mas também com o mandado de segurança coletivo (que pode ser impetrado por partido político, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída, em defesa dos interesses de seus membros); na ação popular (em que os cidadãos podem pedir a anulação de ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural); na denúncia de irregularidades por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato ao Tribunal de Contas da União; a Constituição estimula a autonomia pública, favorecendo a idéia da ampliação do seu círculo de intérpretes.
“Tudo isso tem permitido que sejamos capazes de construir, no país, um novo espaço público, o judicial, como uma arena política de uma cidadania juridicamente participativa, conclui”.