Artigo – Juízo Auxiliar de Conciliação em Precatórios – TRT 3a Região
Angela Castilho de Souza Rogedo – Juíza do JACP
Marco Antonio Rosa – Assessor no JACP
Até o ano de 1993, o pagamento referente aos débitos trabalhistas por parte do Estado de Minas Gerais era efetuado regularmente. Conforme dispositivo constitucional, os precatórios apresentados até o dia 1 o de julho de determinado ano eram quitados até o final do exercício seguinte (§ 1 o do artigo 100 da Constituição da República).
Contudo, ainda que houvesse tal regularidade, do ponto de vista prático, a quitação de fato ocorria em torno de 18 meses depois da última atualização do débito, em virtude, justamente, da norma constitucional acima citada. Desta forma, face à voracidade da inflação à época, esses pagamentos representavam valores ínfimos que não condiziam com o real montante da dívida, obrigando os credores à formação de precatório complementar, além de não causar impacto nas finanças do Estado.
Num cenário de inflação elevada ficava evidente o prejuízo dos credores. Além disso, pagando dessa forma, o Estado não tinha noção real da dívida no momento de sua quitação.
Com a implantação do Plano Real, em junho de 1994, e o controle da inflação, os precatórios emitidos já não sofriam corrosão de seus valores. Assim, o Estado mensurou o valor real de sua dívida e chegou a uma triste conclusão: não era mais viável o pagamento de seus precatórios sem que houvesse prejuízos em seus projetos prioritários, pois o impacto nas finanças seria considerável.
Foi neste momento que o Estado optou por revisar os cálculos e implementar uma ampla auditoria nos pagamentos a serem efetuados. Realizada a auditoria, constatou-se que havia inúmeras irregularidades nas contas, o que gerou um desafio: corrigir tais erros encontrados nos processos, embora eles já se encontrassem em fase de precatório, ou seja, de imediato pagamento.
A estratégia inicial apresentada pelo Estado foi apresentar impugnações aos cálculos dirigidas ao Vice-presidente do TRT Mineiro, visando à correção de erros existentes, ao argumento de que a res judicata não estava sendo observada.
Inúmeras foram as petições protocolizadas pelo Estado no sentido de revisão dos cálculos, sobrecarregando ainda mais o Tribunal Regional do Trabalho.
De início, poder-se-ia imaginar que o pedido seria indeferido à luz da preclusão, já que o momento oportuno já havia há muito expirado.
Todavia, os pedidos de revisão apresentados pelo Estado foram, em sua grande maioria, indeferidos, ao argumento de que o pedido de retificação de cálculo formulado não se enquadrava no conceito de erro material.
Continuou ainda o Estado tentando a revisão de cálculos, oferecendo Embargos Declaratórios, Agravo de Petição recebido pelo TRT como Agravo Regimental, aplicando-se o princípio da fungibilidade dos recursos, e Recurso Ordinário, não tendo obtido sucesso com nenhum deles.
Todas estas medidas contribuíram para o acúmulo de precatórios pendentes de pagamento, gerando protestos veementes por parte dos advogados e reclamantes, que começaram a desacreditar nas decisões do Judiciário, uma vez que não havia mecanismos suficientemente fortes para pressionar o Estado a quitar suas dívidas.
Com o decorrer dos anos, instalou-se o caos, pois o número de precatórios crescia cada vez mais gerando um acúmulo de processos sem solução.
E foi justamente na tentativa de equacionar tal situação caótica que o Tribunal Regional do Trabalho, após longas negociações com a OAB e a Procuradoria do Estado de Minas Gerais, resolveu criar o Juízo Auxiliar de Conciliação em Precatórios em março de 2000, por intermédio da Resolução Administrativa No. 79 de 2000.
Tendo em vista as negociações entabuladas, o Estado de Minas Gerais vem, desde então, depositando uma quantia mensal à disposição do Juízo Auxiliar de Conciliação de Precatórios. Os precatórios pendentes de pagamento são colocados em pauta sempre com observância da ordem cronológica e no momento de realização das audiências os cálculos são atualizados para pagamento imediato do valor, mediante expedição de alvará pelo Juízo Auxiliar.
Para atuar no Juízo Auxiliar de Conciliação em Precatórios foi designada uma Juíza Substituta que auxilia todas as Varas do Trabalho do TRT mineiro. Foi preparado espaço físico próprio, com servidores designados.
Para a audiência de conciliação, o Juízo intima as partes e seus procuradores que, necessariamente, têm que ter poderes para transigir, receber e dar quitação. Uma vez conciliados os precatórios, é expedido, de imediato, alvará no valor da negociação, autorizando o pagamento.
Os precatórios são atualizados até a data do efetivo pagamento, o que acaba com a necessidade de se formar precatório complementar, extinguindo-se a execução.
Em audiência as alegações de erros porventura existentes são analisadas, chegando-se à conclusão do valor devido pelo Estado no precatório. Tais erros consistem, basicamente em: a) presença de parcelas não deferidas na sentença, portanto indevidas; b) ausência de cálculos concernentes a parcelas devidas, porquanto deferidas na sentença; c) cômputo de juros sobre juros, o chamado anatocismo.
O veio iluminador na feitura dos cálculos é a sentença que transitou em julgado. Ela, sim, está resguardada na Constituição da República. A mera alegação de preclusão não poderia fazer com que o “sentir” do Juízo, retratado na decisão proferida, fosse desconsiderado. Os cálculos devem sempre guardar fidelidade aos parâmetros traçados no decisum . Tal critério objetivo, considerado para correção de cálculos, tanto pode fazer com que o valor a ser pago seja maior do que aquele inicialmente previsto (no valor de face do precatório, após atualização), como pode resultar em valor inferior.
Assim, conforme salientou o Juiz Tarcísio Alberto Giboski, quando no exercício da Vice-Presidência do TRT da 3 a Região, “a adequação dos cálculos naquilo que têm de exorbitante, revelando absurdos e parcelas estranhas ao que foi determinado na sentença proferida no processo de conhecimento, deve ser medida prontamente determinada no precatório.
Como se sabe, ao Judiciário é vedado chancelar pagamento indevido e sem previsão em título executivo judicial, ainda mais tratando-se da coisa pública, onde se impõem os princípios da proteção e da moralidade” (decisão proferida nos autos do Precatório 847/95, publicada no Minas Gerais de 19 de novembro de 2003).
Importante também salientar o comportamento dos credores ao constatarem que o cálculo do processo estava errado. A boa-fé e a ética, de um modo geral, prevalecem, sendo interessante observar que diversos credores já disseram: “...estamos aqui para receber o que é nosso, aquilo que o Juiz mandou pagar, nem mais nem menos!”.
Pois bem, os cálculos são analisados e, em caso de se constatar a existência de algum erro, com ampla oportunidade de manifestação pelas partes, efetua-se a correção. Para tanto, o Juízo Auxiliar conta com um calculista, podendo, ainda, enviar os autos ao Setor de Cálculos do Tribunal em caso de necessidade. Também às partes franqueia-se a oportunidade de apresentar as contas, conforme entenderem correto.
A única preocupação - sempre a nortear a análise dos cálculos, sejam eles apresentados pelas partes, pelo calculista do Juízo Auxiliar ou pelo Setor de Cálculos -, é a RIGOROSA observância da coisa julgada.
Aliás, tal atitude de se efetuar as mencionadas correções, que vinha sendo observada pelo Juízo Auxiliar, veio a ser corroborada com a edição da MP 2180-35, de 24 de agosto de 2001.
Refeitos os cálculos e tendo havido anuência dos litigantes com as eventuais correções, procede-se à sua atualização e o pagamento da dívida, em sua integralidade, é feito mediante expedição de alvará para recebimento imediato pelo credor.
Em caso de não haver acordo, os autos são remetidos à Vice-Presidência para que haja quitação do valor de face, devidamente atualizado conforme previsão constitucional, caso em que o credor deverá providenciar a formação de Precatório complementar para correção do valor devido após o dia 1 o de julho do ano em que houve inclusão no orçamento. Se formos considerar que o atraso no pagamento dos Precatórios passou a ocorrer a partir de meados de 1993, é certo que a atualização dos cálculos, a ser paga após a liberação do valor de face, abrangerá um largo lapso temporal. Assim, é muito mais vantajoso para o credor receber o valor já atualizado até a data do pagamento, mediante conciliação no Juízo Auxiliar de Precatórios.
Quando do início dos trabalhos do Juízo Auxiliar havia 4236 precatórios pendentes de pagamento. Passados cinco anos e meio, o número de precatórios pendentes é inferior a 350 sendo que a previsão é de zerar a dívida em aproximadamente um ano. Os novos precatórios, a partir daí, serão quitados de imediato.
Desta forma, com uma medida simples, inovadora e criativa, estamos conseguindo quitar todos os Precatórios pendentes de pagamento do Estado de Minas Gerais, com segurança e clareza aos entes envolvidos, sem perder de vista a ética, os princípios da moralidade e da legalidade e o integral respeito à cidadania dos credores.