Discurso de Posse do Juiz Jorge Berg de Mendonça
É com muita honra que tomo posse nesta solenidade no cargo de Juiz de 2ª Instância do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais.
Faço-o como representante do que conhecemos como 5º Constitucional, a representação da sociedade, amparada na Carta Magna, mas, sobretudo, respaldada pelo caráter social da Justiça do Trabalho.
Percorri um longo caminho até chegar a esta Corte. Estão vivos em minhas lembranças cada um dos momentos da vida, que tem sido de constantes lutas e todas numa só direção.
A representação do 5º Constitucional, como é conhecida, não transforma ninguém em Magistrado menor. Dá-lhe a retaguarda da sociedade e obedece a rígidos trâmites que ampliam e aumentam nossas responsabilidades.
Há exemplos de Cortes maiores, como o Superior Tribunal de Justiça onde essa fração vira terço.
Somos uma justiça especializada, resultado de um processo de lutas que vêm desde tempos imemoriais e se constitui na luta da classe trabalhadora. Não somos necessariamente representantes dessa classe, mas, com certeza, perquiridores de justiça, instrumento final de uma Nação que se pretende ordenada de maneira democrática, justa e leal com seus filhos. Muitas vidas se perderam nesse caminho, contudo não foi deixado de lado o ideal.
O 5º Constitucional é, pois, a representação da cidadania.
É a Justiça cumprindo o papel de estar mais próxima do cidadão em si e de todo o conjunto de cidadãos que trabalha e produz, na busca incessante de uma ordem que nos permita viver segundo a máxima clássica de “a cada um segundo as suas necessidades, de cada um segundo as suas possibilidades”.
Esse é o pilar fundamental da Justiça do Trabalho. E não é por outra razão que, até hoje, setores retrógrados tentam diminuir-lhe o peso, ou mesmo, extingui-la. Hoje há quem entenda que o aumento de competência se lhe dá mais força. Corremos o risco de nos transformarmos numa justiça imersa em carimbos e outros apetrechos burocráticos, quando somos fundamentais numa ordem diversa que é a ordem social.
Com esse espírito e com tal consciência que chego a esse Tribunal. São essas as lições de vida de quem nasceu em casa de pais trabalhadores e pobres, mas que, em momento algum, deixou de receber lições de trabalho e dignidade, exemplos que cultivo e que trago comigo.
Não há procedência no argumento que somos, os juízes do 5º Constitucional, produto de campanhas políticas em que se misturam interesses partidários e pessoais. Fomos buscar a concretização do que hoje vivencio indicado por companheiros, aprovados em sabatinas da categoria, indicados por representações populares, como acontece em regimes democráticos e provando efetiva experiência e vivência no Direito do Trabalho e no Direito como um todo no curso do exercício da profissão de advogado.
Todos os juízes de tribunais como o nosso são designados por ato do Poder Executivo. É que dispõem os documentos legais brasileiros, é o que estabelece nossa Constituição.
Trazemos todos os reclamos tanto do advogado, quanto do cidadão. Conhecemo-los de perto.
Vivemos um momento singular da história da humanidade. O avanço vertiginoso da tecnologia, a cada dia uma novidade espantosa, aliado a um quadro social injusto e desigual em nosso País e em muitos outros ao qual se incorpora um instante histórico em que desaparecem fronteiras e se mesclam interesses quase sempre dos países dominantes.
O Direito do Trabalho tem sido questionado, as conquistas da classe trabalhadora têm sido postas em cheque numa nova ordem econômica que, em muitos momentos, se assemelha a uma nova Idade Média. Esta do poder tecnológico, predador e desumano, os castelos de máquinas impedindo o exercício da vida no seu mais pleno sentido: o da cidadania, destruindo valores como a solidariedade, a própria liberdade e transformando homens em robôs.
No Brasil, especificamente, está em curso uma etapa do processo histórico em que se enfrentam as elites retrógradas e a necessidade e a sede de Justiça, etapa que perpassa todo o sub-continente da América do Sul e, no Brasil, mostra-se visível no governo do companheiro e Presidente Luís Inácio Lula da Silva.
O desafio, ou um dos desafios, é da agilidade na distribuição de Justiça, no reconhecimento do direito, sem perda do fundamental básico, sem o açodamento do mal feito, mas com o sentimento do dever mais que cumprido: o da consciência dos tempos em que vivemos, suas implicações, suas desigualdades, suas conseqüências nefastas e nefandas.
Toynbee, o notável historiador inglês, disse que a sociedade, de um modo geral, marchava para uma hecatombe, pensava, inclusive, em sua época, em desastre nuclear. Mas, percebeu o avanço desmesurado e a velocidade espantosa da máquina sobrepondo-se ao homem. Encareceu a necessidade de retomarmos o caminho do humanismo.
Hoje, brinca-se de ser Deus. Esquecemos, como afirmou o poeta irlandês Irvin Cobb, que “o homem é imagem e semelhança de Deus, mas, às vezes, esquece-se de que é apenas imagem e semelhança”.
Cá, neste Tribunal, num canto do mundo, haveremos de cumprir o nosso dever com o sentimento de que somos responsáveis por uma ordem jurídica, política, institucional, econômica e social que se prime pela Justiça. “Se formos capazes de organizar nosso universo, seremos capazes de organizar o mundo”. A afirmação é de Paulo Freire.
À Justiça do Trabalho, mesmo não se lhe cabendo poderes legislativos, quais sejam os de fazer as leis, cabe buscar, de forma incessante, o equilíbrio, o princípio fundamental da igualdade perante a lei.
Temos desafios a serem vencidos. A Justiça é em si o derradeiro instrumento do cidadão. É nos tribunais que muitas vezes a esperança e a fé, vencidos pelo poder e pela prepotência, vêm buscar abrigo. A velha mas nunca esquecida expressão demanda.
É nos tribunais que o cidadão, a sociedade, demanda o seu direito.
É aqui, em tribunais como o nosso e em todos os outros, que esse direito tem que ser reconhecido.
Cresci vivendo e praticando esses conceitos. Hoje vislumbro daqui figuras que foram fundamentais em meu processo de formação e me permitam citar três delas.
D. Luciano Pedro Mendes de Almeida, cuja trajetória lúcida, serena e peregrina, fez-me e faz-me enxergar a importância de calçar as sandálias da humildade e que o viver absoluto está na Justiça, na busca permanente e na simplicidade.
Por incrível que possa parecer, numa sociedade cada vez mais desumanizada, somos fator de resistência.
A Justiça é, por si só resistência. A presença divina se faz materializada no ideal de igualdade, de liberdade e porque não de fraternidade. São princípios de uma revolução, a francesa, mas repletos de humanismo.
O ex-deputado e sindicalista Clodesmith Riani que, com sua coragem, integridade e determinação, mostrou ao trabalhador brasileiro, a visão que a luta, qualquer que seja, é um processo que exige tais qualidades, isso, muitas vezes à custa de enormes sacrifícios pessoais, deixou-nos um legado pessoal, pela proximidade da convivência constante, de que é possível triunfar mesmo nas adversidades, se tivermos a perspectiva do outro, do conjunto. Tudo isso pode ser entendido na frase “aqueles que defendem a igualdade de direitos, com sabedoria e honradez, não devem desistir jamais. A luta continua”. Foi dita por ele, Clodesmith Riani.
Meu pai, Nery Mendonça, um advogado que traz consigo o mesmo brilho de juventude da primeira causa: o direito de exercer a advocacia com incrível consciência social, conquistado a duras penas numa realidade adversa, depois de sofrer sanções arbitrárias de um período de trevas que nosso País viveu.
Mecânico de aviação, fundador do sindicato nacional dos aeroviários, combatente de primeira hora da campanha do Petróleo é Nosso, professor de mecânica do SENAI e da Escola de Engenharia, estudante de Direito com direitos cerceados pela ditadura militar até chegar a este momento da vida em que olha os dias vividos e sabe que como ensinou Einstein, o tempo é ilusão, o pensamento é a realidade. Passado, presente e futuro se misturam e se fundem em exemplos de quem milita até nossos dias e com o mesmo ardor.
Granjeou o respeito de adversários exatamente por esses predicados, o maior deles, a fidelidade a princípios fundamentais na vida de cada um.
Eu e meus seis irmãos somos o resultado de Nery de Mendonça e Dolores Berg de Mendonça. Em suas vidas desvelaram-se e desvelam-se de maneira enérgica, corajosa e determinada, no amor e na verdade.
É um preito público de admiração a essas três figuras ilustres, mas acima de tudo de um carinhoso respeito e para quem, tomo a liberdade de pedir a todos, uma salva de palmas.
Estendo essas homenagens a minha mãe Dolores, que tantas renúncias fez em sua vida para bem criar seus 07 filhos, aos meus filhos Lucas, Luís Arthur e Ana Luisa que está por chegar, a minha mulher Vanessa, a qual, com sua fibra, me fez transpor barreiras, como aos meus irmãos (Rosa, Ingrid, José, Heloisa, Pedro e Yvone), a minha sogra Maria e meu sogro Vicente, aos meus sobrinhos, cunhadas e cunhados, aos tios e primos, como aos muitos amigos que vêm trilhando comigo essa caminhada. São muitos, não teria como citá-los. Aos colegas advogados, bem como os agradecimentos àqueles que compreenderam que nossa luta para chegar a este Tribunal transcendia à conquista de posições, prendia-se, como se prende, ao ideal e à convicção de um outro mundo que é possível e viável, sem perda dos valores da liberdade.
Professo minha fé na Justiça do Trabalho, conquista dos trabalhadores e do próprio ordenamento jurídico institucional de uma sociedade democrática. Minha certeza de que o meu trabalho aqui será o reflexo de toda essa caminhada, onde fui recolhendo exemplos, lições, transformando-os em ideal de vida.
Sou um homem simples. Não tenho ambições pessoais além daquelas de ser um cidadão cumpridor dos meus deveres. Sou um homem que crê e teme a Deus. E, por isso, crê na Justiça como base de uma sociedade justa e perfeita em seus fundamentos.
Sou, em seis décadas, o primeiro Juiz do interior do Estado a ocupar a vaga do 5º Constitucional da OAB neste Egrégio Tribunal Regional do Trabalho. Isso é um marco de que muito me orgulho.
Que Deus – Grande Arquiteto do Universo - ilumine a todos nós, pois cabe-nos buscar essa Justiça.
Muito obrigado.
JORGE BERG DE MENDONÇA