Discurso do Juiz Antônio Álvares da Silva na solenidade de posse da nova Administração do TRT 3ª Região - biênio 2006/2007
1-OS BENS NECESSÁRIOS À FELICIDADE HUMANA
Arthur Schopenhauer começa seu famoso livro, Aforismos para a Sabedoria da Vida , destacando os três elementos que compõem a vida de todos os homens :
a) o que somos
b) o que temos
c) e o que representamos.
O que somos é a nossa constituição física , o corpo como suporte material da vida . Sem ele não se manifestam as atividades psíquicas e seria impossível a vida do intelecto e da cultura .
O que temos corresponde à propriedade , tanto no sentido material como cultural. Um mínimo de segurança econômica é necessária , para que se garantam a isenção e a independência .
Aristóteles já dizia que de um homem faminto e doente não se pode exigir nenhum comportamento ético . E Bobbio, na sua última obra traduzida para o português , lembra que a necessidade não conhece regras .
Finalmente , o que representamos, ou seja, o papel que exercemos na sociedade , o conceito que os outros fazem de nós em razão da vida que levamos, da conduta que praticamos e do bem que exercemos.
A composição deste três fatores é que constitui o requisito de uma vida saudável , tranqüila e reconhecida.
Os quatro colegas que vão compor a administração preenchem os requisitos de Schopenhauer para uma vida feliz e equilibrada. Têm boa saúde , o que lhes garante a força para o trabalho . Possuem independência financeira , por isso não precisam de favores que comprometeriam o exercício do cargo . E representam para a comunidade a imagem de pessoas corretas.
2- A VIDA DE CADA UM
TARCÍSIO GIBOSKY
Os 58 anos que hoje possui são o epílogo no tempo de uma vida que merece ser conhecida por todos .
Ainda na tenra infância , a família mudou-se para São Paulo.
Seu pai era um humilde cortador de sola de sapatos . A mãe , para ajudar nas despesas da família , fazia furos numa matéria prima especial , a fim de produzir tampa de frascos de remédio .
Em 1959, a família volta para BH, já agora com 6 novos irmãos .
Começa os estudos no Colégio Salesiano , que só não foram interrompidos, por falta de meios para pagar a mensalidade , porque sua avó materna socorreu o neto , garantindo-lhe o curso básico .
Na época do vestibular , trabalhava o dia inteiro , pois não podia renunciar ao meio de sustento próprio em benefício dos estudos . Por isso , levantava-se às 4 hs. da manhã , estudando até às 7. Corria ao trabalho e à noite ainda tinha forças para freqüentar a Universidade .
Em 1970 começou a exercer a profissão . Aceitou um cargo da Fetaemg, em que teve seu primeiro contato com o Direito do Trabalho .
Em 1972 casou-se com sua dedicada Maria Helena e teve três filhos- Tales , Patrícia e Alessandra.
Em 77, fez o concurso para juiz do trabalho . Só havia uma vaga , deixada pela aposentadoria do Prof. Messias Pereira Donato. Entre 321 candidatos , 15 foram aprovados . Entre eles , estava nosso Presidente .
Aqui dentro , fez a carreira normal de juiz substituto e titular . Ocupou o cargo de corregedor e agora assoma à Presidência .
A vida de Tarcísio Giboski é um exemplo para mostrar que o trabalho compensa e que , para os lutadores , não há barreiras impossíveis .
Trará na certa para a administração tudo que aprendeu na vida : humildade , esforço dedicação e amor . A instituição vai na certa crescer mais ainda .
MARIA LAURA FRANCO LIMA , VICE-PRESIDENTE JUDICIÁRIA .
Conheço-a há muitos anos e tenho com ela laços afetivos que o tempo jamais desmanchará. Foi minha aluna da primeira turma que tive na Faculdade de Direito . Ambos começávamos a vida . Daí a amizade que mantemos pelos anos que se seguiram.
Desde cedo , vi, naquela aluna aplicada e pontual , a vocação para o Direito . De início , a advocacia . Depois o Ministério Público e finalmente a magistratura , aqui em nossa Casa , onde cumpre com assiduidade e eficiência seus deveres.
Dedica-se exclusivamente ao Tribunal . Mantém os julgamentos absolutamente em ordem . É uma juíza exemplar .
Casada com Roberto Faria, meu colega da turma de 1965 da Faculdade de Direito da UFMG, tiveram dois filhos , que seguiram o exemplo dos pais , no lar harmônico em que se criaram.
Guilherme, aos 25 anos , fez seu primeiro e difícil concurso para delegado da Polícia Federal . E passou brilhantemente . Hoje , não obstante a juventude que ainda desfruta, exerce um cargo de grande importância social .
Bernardo estuda engenharia de produção . Vai pelo mesmo caminho do outro irmão . Dedicado aos estudos , não lhe faltarão as oportunidades . Em breve , estará também servindo o País , em cargo público ou na iniciativa privada .
Na platéia , uma senhora distinta de 86 anos , D.ª Maria de Araújo Franco Lima , D.ª moça , como gosta de ser tratada , vê orgulhosa a filha assumir o importante cargo que agora vai desempenhar .
Deus quis que ela vivesse até agora , participando desta solenidade , para colher os frutos de seu esforço e dedicação com o lar e família .
A ela também nossos cumprimentos e a certeza de que comemoramos em breve seus 90 anos .
JOSÉ MIGUEL DE CAMPOS
É um exemplo para todos nós a saga de sua bela vida .
O pai , homem pobre e honrado, foi um simples servente do então DNER. No começo , a família morou em casa humilde , em rua sem calçamento .
Seu primeiro emprego foi o de auxiliar de um cartório . Ganhava meio salário mínimo . Com este dinheiro contado, custeava seus estudos .
Nesta época , um fato raro marcou sua vida . Um major do Exército , descobrindo o gosto do garoto do cartório pela leitura e estudos , propôs-lhe uma troca de pai para filho : por uma simples coleção de Direito Civil , possivelmente a de Washington de Barros Monteiro, o major cedeu-lhe cerca de duzentos livros de filosofia e sociologia . Karl Marx e Engels lá estavam, encabeçando a lista em primorosa edição , pois o militar jogava mais à esquerda .
Perguntei-lhe sobre o destino de tão preciosos livros .
Ele respondeu-me, seco e curto : o rio Paraibuna.
Como assim , o rio Paraibuna? Por quê ?
Então me explicou: com o golpe de 64, houve cerrada perseguição daqueles que , embora não fossem da militância esquerdista, tinham livros de autores socialistas ou comunistas .
Para que não fosse prejudicado e perseguido, José Miguel foi obrigado a ocultar no fundo de um rio obras preciosas por causa da intolerância política .
Mas o gosto pela leitura ficou no jovem que ganhava meio salário mínimo e ainda economizava para comprar livros .
Depois , vieram os cargos sempre obtidos por concurso público : Academia da Força Aérea , Banco do Brasil, Petrobrás, Fiscal de Tributos Federais e professor de Direito do Trabalho e Previdência Social da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora . Cito apenas os principais.
Recebeu diversas honrarias , entre os quais a comenda Alfredo de Souza Bastos , a mais alta e significativa de Juiz de Fora .
Admirado e querido da comunidade a que serviu, José Miguel colhe os frutos que a vida oferece aos homens de bem .
Agora , na presença de sua esposa Maria do Carmo e de seus dois filhos , recebe mais este desafio da Vice-Presidência administrativa . Homem experiente , com passagem por diferentes cargos , tem uma visão lúcida e progressista do Judiciário trabalhista.
Em vez de aposentar-se e gozar o ócio com dignidade , repouso que Sêneca justificava para os que exerceram trabalho decente, preferiu um prazer maior ainda : o trabalho com dignidade . Não o repouso , mas a luta . Ainda está cedo para encostar as ferramentas .
Seu descanso se limitará às pescarias de fim de semana , no seu aprazível sítio em Matias Barbosa, em companhia da neta .
É este o homem que vai servir-nos na Vice-Presidência administrativa . Experiente , com passagem por vários cargos , independente e humilde , conhecedor da pobreza e das dificuldades da vida , José Miguel ganha hoje mais um instrumento para servir ao povo . E vai usá-lo para o bem de todos , como sempre fez no exercício dos cargos que ocupou.
PAULO ROBERTO SIFUENTES COSTA
É o mais jovem da equipe , mas possui a experiência e o equilíbrio para o cargo que vai exercer .
Pela substituição no TST, viu de perto os problemas da jurisdição do trabalho através do órgão de cúpula .
Como professor da PUC por mais de 20 anos , desenvolveu a visão crítica e discernidora, que a atividade docente desperta.
Como presidente da Amatra, conhece de perto os problemas da magistratura , principalmente dos juízes de primeiro grau , que são a parte mais importante do Judiciário , em qualquer jurisdição .
Costumo chamá-los de nossa tropa de infantaria jurídica , pois são eles que abrem a porta da Justiça ao povo , têm contato direto com o jurisdicionado, levando-lhes a prestação jurisdicional que foram buscar em nossas Varas .
Os juízes de primeiro grau , em sua absoluta maioria , são excelentes magistrados . Nossa preocupação há de ser a de conceder-lhes todos os meios necessários para que aumentem cada vez mais a qualidade de seu trabalho .
De gênio afável e conciliador, não terá nosso corregedor maiores problemas .
Sua juventude , colocada a serviço da Justiça , renderá fruto para todos nós .
Finalmente , o fato muito significativo .
Na platéia , assenta-se um casal de 86 anos . São os pais de Paulo Sifuentes. Deus lhes deu a longevidade com saúde para que pudessem ver seu filho assumir um cargo de significativa importância para nosso Tribunal . Herdando deles o exemplo de trabalho e honradez , chegou a hora de revertê-lo para o jurisdicionado.
Na certa eles estarão aqui no futuro para ver o filho ascender a outros cargos .
Este é o desejo de todos nós .
2-A MENSAGEM
Senhores: para saudar a nova administração do nosso Tribunal , não precisaria dizer mais nada . Os exemplos e a vida destes homens calam as palavras .
Porém , numa solenidade como esta, uma reflexão , embora pequena e rápida , deve marcar este grande dia . Por isso me animo a fazê-la.
Quando ando por este Brasil afora , em conferências e aulas , sempre ouço uma constante afirmativa : o TRT de Minas é um dos melhores do Brasil. Para não receber o elogio apenas como lisonja mas sim como compromisso de constante aperfeiçoamento, pergunto a razão .
A resposta é sempre a mesma : a profundidade dos acórdãos , o ritmo de trabalho , a organização interna e a conduta honrada de seus magistrados e servidores .
Trata-se, portanto , de um resultado que não é o esforço de um , mas a virtude de todos que aqui trabalham: servidores , juízes, procuradores e advogados .
Toda instituição é a exata medida dos que nela atuam. No mundo cultural, somos não só criadores , mas também dependentes de tudo aquilo que edificamos.
Nosso Tribunal é o resultado do esforço coletivo de todos nós . Por isso , todos nós nos orgulhamos dele.
3-O NOVO DIREITO DO TRABALHO
O Direito do Trabalho sofreu uma profunda mudança nos dias atuais . Tão drástica e radical que dela nós próprios muitas vezes não nos damos conta .
O trabalho subordinado acabou. O que ainda existe é residual e instável . Dificilmente abrimos um jornal diário sem uma manchete anunciando dispensa coletiva de trabalhadores de uma grande empresa .
Nenhum país do mundo superou a crise do desemprego, nem jamais a dominará. Desmontando-se o Direito do Trabalho atual , outro deve ser criado . Em que base ? O que faremos dos que perderam seu meio de sustentação ?
O exército dos desempregados vai em breve ser a maioria na sociedade ? Como lhes devolveremos o trabalho , já que os empregados acabaram?
Estas perguntas inquietam nossas mentes e desafiam nossa inteligência .
A EC45/04 mudou também de modo radical nossa jurisdição , nela reunindo toda prestação de trabalho e não apenas o trabalho subordinado .
Neste aspecto , somos pioneiros no mundo ocidental . Não se conhece nenhum País que tenha feito tão profunda mudança . Nossa Justiça se transformará num laboratório desta nova experiência , pois temos a chance de unificar o trabalho não só do ponto de vista do direito processual, mas também do direito material .
Daqui podem sair as luzes da grande reforma que o mundo espera de nós . compartilhando a experiência com outros povos e outras culturas .
A nova Administração vai viver esta experiência e participar desta nova evolução . Por isso , crescem as expectativas e esperanças .
Sem dúvida vai aumentar – e muito- nosso trabalho . Mas aceitamos o desafio com destemor . Não nos faltam saúde e disposição para servir o país .
Já vimos até agora que este aumento da competência é plenamente suportável. Por isso pedimos mais ao legislador . Queremos agora a Previdência Social, os crimes contra a administração do trabalho e os servidores públicos .
Assim fecharemos o cerco e começaremos a aventura de uma nova vida para a Justiça do Trabalho no Brasil.
4-ÚLTIMAS PALAVRAS
Presidente Márcio Ribeiro do Vale .
Sua missão está cumprida. Nosso Tribunal esteve muito bem em suas mãos , acompanhado da decisiva ajuda de Deoclécia Amorelli Dias , Antônio Fernando Guimarães e Júlio Bernardo do Carmo.
A atual administração , chegando hoje ao fim da estrada , pode voltar os olhos para o caminho percorrido e ver o bem que fez e as obras que realizou. Terá na certa o julgamento positivo da História e o reconhecimento de todos nós .
Para a administração que entra, nossa certeza de que rasgarão no futuro a nova estrada que nosso Tribunal vai percorrer , para que prestemos, com eficiência cada vez maior , justiça às partes , colaborando para o equilíbrio das relações sociais e o bem-estar do povo e do País .
Tarcísio Gibosky, Maria Laura , José Miguel e Paulo Sifuentes.
Nossa Casa se abre em festa para recebê-los. Estamos prontos para ajudá-los a enfrentar e vencer novos encargos que desafiam a Justiça do Trabalho .
Lembramos que na História da Humanidade os deuses sempre abençoaram os homens que fazem do trabalho o objeto de sua existência ; do amor , o ideal de seus corações e da Justiça, a razão maior de suas vidas .