DISSÍDIO COLETIVO - EC 45/2004 - INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO
DISSÍDIO COLETIVO - EC
45/2004 - INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO
EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO
Márcio Ribeiro do Valle 1
Tendo em vista as alterações emergentes da recente Emenda Constitucional 45/2004, a qual, aliás, ampliou consideravelmente a competência da Justiça do Trabalho no campo do direito individual, tem-se, no que concerne ao direito coletivo, a ocorrência também de ampliação quanto à competência para as ações declaratórias de ilegalidade de greve, havendo, contudo, noutro aspecto, o do ajuizamento do dissídio coletivo em si, pelas categorias respectivas, entendimento restritivo, tanto que muitos vêm sustentando que tal ajuizamento só será possível, agora, de comum acordo entre as categorias econômica e profissional, com o intuito de tal fato forçar a eleição de árbitros pelos sindicatos na busca da conciliação, na data-base, levando à celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalho, conforme o caso.
Ora, sabidamente, não há no direito sindical brasileiro tradição no uso da arbitragem, tanto que, em qualquer caso de arbitramento, a categoria prejudicada com o resultado, diante de suas pretensões, temos certeza de que ficará em sérias dificuldades para explicar isso aos seus componentes, sobretudo quando o pleito recusado for da profissional, o que porém não se dá, e nem se dará, em caso de decisão judicial, talvez pela tradição brasileira de aceitação do decidido judicialmente, depois de esgotada a via recursal.
Mas, na realidade, independentemente do aclarado, não nos parece jamais que hoje, após a EC 45/2004, só se possa falar em ajuizamento de dissídio coletivo de comum acordo, porque esta, segundo afirmações contidas em diversas publicações especializadas, seria a única hipótese constitucionalmente prevista.
Primeiro porque isso acabaria com o dissídio coletivo de natureza jurídica, que não está sequer referido na nova norma, mas é da tradição sindical brasileira e nitidamente indispensável à harmonia das categorias e no qual, sabidamente, o judiciário trabalhista exerce função que nada tem de poder normativo, mas é exclusivamente de prestação jurisdicional na elucidação de dúvida quanto ao alcance de preceito normativo já existente e que não será na decisão do dissídio coletivo criado, mas apenas interpretado, aclarado.
Por sobre isso, quer nos parecer estar havendo leitura equivocada da disciplinação da matéria em enfoque nos parágrafos 1 o e 2 o do art. 114 da CF, já com as inserções da EC 45/2004, porquanto o § 1 o diz que, “frustrada a negociação coletiva, as partes poderão (e não deverão) eleger árbitros”, uma mera faculdade, pois, e não uma imposição. Já no § 2 o temos uma determinante alternativa, no sentido de que “recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem (atente-se para a alternativa ou), é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica”, ou seja, novamente uma faculdade estratificada na expressão “é facultado às mesmas de comum acordo, ajuizar”. Vê-se, fácil, assim, que o ajuizamento de comum acordo é uma mera faculdade e apenas nas duas hipóteses referidas, ou seja, recusa à negociação coletiva ou à arbitagem. Aliás, por sobre isso, é de ver-se que de nenhum dos dispositivos transcritos se infere que o dissídio coletivo de natureza econômica só existirá se o ajuizamento for de comum acordo, pois isso, como visto, apenas ocorre em situações específicas, sendo, como já aclarado, uma faculdade e não uma imposição. O que está escrito, na mais real verdade, é que, recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem é que será possível e viável o exercício da faculdade (não obrigação, não imposição) do comum acordo no ajuizamento. Mas em não sendo assim, quando as partes tentarem, por exemplo, entre si ou intermediadas pelo Ministério do Trabalho, a conciliação e não chegarem a bom termo, aí, nitidamente, não teremos hipótese de recusa à tentativa conciliatória, mas sim malogro da conciliação tentada, o que é diferente. Logo, respeitosamente, quer nos parecer que nessa hipótese em que se busca a conciliação, mas não se a consegue, certificado isso, é possível o ajuizamento, sem o comum acordo, do dissídio coletivo de natureza econômica, pena, aliás, de se eliminar o direito constitucional de ação previsto, como norma pétrea, no inciso XXXV do artigo 5 o . da Constituição Federal.
Renove-se, como já dito, que nada está escrito no artigo 114 e parágrafos sobre o dissídio coletivo de natureza jurídica, mas nem por isso se há falar que o mesmo acabou. Assim, também, a exceção (mera exceção, repita-se) do comum acordo não quer dizer que, sem ela, não haverá hipótese de dissídio coletivo de natureza econômica.
Registre-se, nesta matéria, que não fora o entendimento que estamos defendendo como correto, e então bastaria que a categoria econômica recusasse a conciliação e a arbitragem e também não anuísse ao comum acordo, para não mais se ter no país CCT ou ACT e mesmo decisão judicial de cunho coletivo, acabando-se de vez com quaisquer pretensões sindicais da categoria profissional. É certo que se poderia dizer que será a hora então do exercício do direito de greve. Este, porém, é viável, bem sabemos, para os sindicatos do ABC paulista, das capitais e das grandes cidades, não porém para a maioria dos sindicatos do interior do país, fadados, se não acolhido nosso raciocínio, a uma evidente extinção. Isso sem se falar que, mesmo nos grandes centros, as greves, como regra geral, se efetivadas indiscriminadamente, acabarão mesmo é punindo a população estranha ao movimento paredista, como se tem exemplo claro nas paralisações dos transportes coletivos, dos serviços bancários, etc.
E, diante do que acabamos de expor, foi que, no TRT mineiro, não estamos extinguindo, por despacho monocrático, ante a ausência de possível pressuposto processual, qualquer dissídio coletivo de natureza econômica, pela falta do citado comum acordo, deixando assim que a matéria vá sempre ao crivo da Seção Especializada de Dissídios Coletivos do Tribunal, para o seu devido exame e com o julgamento comportando os recursos próprios para poder ser efetivamente pacificada a discussão.
Cumpre registrar, ainda nesta matéria, que em São Paulo, em vários dissídios coletivos ajuizados sem o comum acordo, já nesse ano, os sindicatos patronais, em alguns casos, não têm suscitado a possível falta de pressuposto processual, com evidente receio da conseqüente greve. E, ao entendimento, quer nos parecer, da existência, nestes casos, de anuência tácita, permissiva do exame da postulação, não se tem decretado a extinção processual, como aliás da mesma forma fez o próprio TST, no DC da Casa da Moeda, no mês de fevereiro último, quando sem o comum acordo, mas também sem a oposição patronal expressa, ao pálio da ocorrência de anuência tácita, partiu-se para o regular processamento do DC dos moedeiros, sem qualquer despacho extintivo do preclaro e sabidamente competente Ministro Ronaldo José Lopes Leal, instrutor do dissídio.
Vê-se, pois, que estão
surgindo reais e necessários caminhos para não se obstar, no campo do
direito coletivo, o constitucionalmente assegurado direito de ação, o que
nos parece oportuno e positivo.
1- Juiz Presidente do TRT-MG e Professor de Direito Processual do Trabalho no Curso de Pós-Graduação em Direito da Empresa da PUC/MG.