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Presidente do TST reafirma em Congresso Internacional compromisso com a defesa do trabalho decente no país

publicado: 12/10/2023 às 01h37 | modificado: 18/10/2023 às 15h09

Em nome da Justiça do Trabalho, o ministro Lelio Bentes, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), reafirmou o compromisso inabalável com a dignidade da pessoa humana, com a centralidade do valor trabalho na emancipação e construção da identidade social e com a garantia do direito humano ao trabalho decente, durante aula magna no início do Congresso Internacional de Combate ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas, na tarde desta quarta-feira (11/10), realizado na sede do TRT-MG, em Belo Horizonte. 

Para tanto, ele anunciou o lançamento do Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante e do Programa de Equidade de Raça, Gênero, que se somarão aos já existentes Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Incentivo à Aprendizagem e do Trabalho Seguro, conformando, assim, os quatro pilares de promoção ao trabalho decente.

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Música orquestrada na abertura

O evento foi aberto com a música da Orquestra Jovem das Gerais. Em seguida, o presidente do Tribunal, desembargador Ricardo Mohallem, fez a abertura oficial, destacando que o tema do Congresso há muito deveria estar erradicado e era pra ser visto sob um prisma histórico, e não atual. Ele utilizou o personagem Candinho, da obra de Machado de Assis, para fazer metáforas utilizando a literatura para ilustrar a importância de se defender o trabalho decente em nossa sociedade.

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Escravidão e enriquecimento da oligarquia

O ministro Lelio Bentes, presidente do TST e do CSJT, apresentou a primeira palestra da tarde: “Promoção do Trabalho Decente”. Ele iniciou com uma narrativa histórica para que, a partir da memória, o presente possa ser compreendido e, coletivamente, possamos construir novos alicerces para o futuro.

Bentes lembrou o Brasil Imperial de 1888, quando a bancada escravagista no Senado temia que a abolição mergulhasse o país em uma crise econômica. No entanto, “ao contrário do que se previa, a cruel exploração de seres humanos escravizados enriqueceu instituições e famílias inteiras, cuja fortuna segue concentrada de geração em geração até os dias de hoje”.

Segundo ele explicou, ainda nos dias atuais, o poder econômico vem reiteradamente apostando na precarização estrutural do trabalho e nas forças vitais de homens e mulheres, principalmente negros e pobres. O ministro frisou que cabe ao Estado e à sociedade combater as profundas desigualdades que assolam nosso país, a fim de que a miséria não arraste vítimas para o trabalho infantil, para o trabalho escravo e para o tráfico de pessoas. “O bem-estar do ser humano que vive do trabalho deve ser tutelado não apenas na dimensão física, mas também mental e social”, destacou.

Pobreza e degradação do trabalho

O presidente do TST demonstrou também grande preocupação com a piora no quadro de condições de trabalho, surgimento de novas formas de trabalho degradante, devido ao aumento da pobreza, após a pandemia de Covid-19 e também devido a condições climáticas e outros fatores, como as guerras, que afetam especialmente grupos tradicionalmente excluídos, como negros, pobres, indígenas, refugiados e outras minorias. Ele apresentou dados do período anterior à pandemia, quando eram 27 milhões de pessoas em condições de trabalho escravo, das quais três milhões estavam em condições piores. Hoje, no Brasil, há cerca de um milhão de pessoas nessa condição, três vezes mais do que se verificava em 2018.

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Conclamação à magistratura

“O que podemos contribuir para além de nossas atividades jurisdicionais é com a cobrança de nossos gestores públicos pela implementação de políticas de acolhimento, resgate, tanto quanto a política de repressão aos abusos. Na Justiça do Trabalho temos atividades, como este congresso, que alertam a própria magistratura sobre a responsabilidade de dar combate efetivo a essas mazelas,” afirmou.

Ele conclamou a magistratura de trabalho brasileira a se comprometer com os pilares do trabalho decente. “Sejamos essa justiça que abraça, que acolhe e cumpramos nossa vocação constitucional de assegurar direitos e dignidade a todas as pessoas no ambiente de trabalho”, finalizou.

Exclusão tem quadro profundo no Brasil

O ministro Maurício Godinho iniciou a segunda apresentação da tarde com destaque para a exposição “A Democratização do Retrato Fotográfico Através da CLT”, de Assis Horta, que está no Centro Cultural da Justiça do Trabalho. A mostra traz fotografias dos primeiros trabalhadores que emitiram a carteira de trabalho no Brasil, a partir de 1943, após a criação da CLT. Segundo o ministro, que veio a Belo Horizonte lançar o livro “Direito do Trabalho no Brasil: Formação e Desenvolvimento – Colônia, Império e República”, a mostra de fotografia é a prova de que o nosso Direito do Trabalho é a mais importante política pública de distribuição de renda, de inclusão econômica, social, institucional e cultural existente no nosso país.

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Ele frisou que o Brasil é recordista em injustiça social, é o segundo país que distribui a renda de forma desigual, sendo que, entre todos, é o mais rico, ou seja, 13o PIB do planeta. Godinho lembrou que 90% da população do sistema capitalista vive do seu trabalho e, por isso, é fundamental que o trabalho seja objeto de uma política pública forte.

Para o ministro, o desrespeito ao trabalho e a falta de institucionalidade de proteção ao trabalhador no Brasil deve-se à tradição escravagista. Desde que foi autorizado o primeiro normativo imperial de 1515 para escravização de indígenas, que não deu certo, depois, a escravização de pessoas negras trazidas da África, que passou a se firmar, a partir de 1530, até hoje, não conseguimos nos livrar da escravização. Conforme afirmou, num sistema escravista não é só o Estado que é autocrata, mas todas as pessoas que possuem uma propriedade têm o direito de serem autocratas. “Isso ingressa no interior do ser humano, no interior das famílias”.

Godinho lembrou que o primeiro governo republicano que durou 41 anos não tomou nenhuma medida para incluir a população negra. Também os pactos políticos que duraram no Brasil até 1963 excluíram a população rural da vigência de suas normas. Portanto, permitiram uma escravidão disfarçada nas fazendas.

Somente a partir de 1930, passamos a ter políticas de inclusão, o Direito do Trabalho começa a ser criado. Mas logo veio a ditadura, que não tinha nenhum interesse em estender o direito do trabalho ao campo. Por isso, frisou o ministro, o quadro de exclusão é muito profundo. Também a categoria doméstica, que era forte no campo e na cidade, ficou excluída, o que deixava de fora uma parcela pobre da população, que mais trabalhava.

Os direitos só começaram a avançar após a Constituição de 1988. Provavelmente, o país deu um salto de civilidade ao criar essa Constituição. Portanto, a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, as entidades da sociedade civil, tão debilitadas pelos adversários do Direito do Trabalho, têm um papel a cumprir. “Não permitamos que sejam excluídas as pessoas. Quaisquer que sejam, elas estão na centralidade da ordem jurídica. E no mundo do trabalho, significa ter direitos, ter garantias e, para isso, não necessariamente dentro da CLT, pois há leis especiais dentro do Direito do Trabalho”, concluiu. 

Autoridades

A mesa de honra deste primeiro dia do congresso foi composta pelos palestrantes, o presidente do TST e do CSJT, ministro Lelio Bentes, e pelo diretor da Enamat, ministro Maurício Godinho Delgado; pelas desembargadoras Rosemary de Oliveira Pires Afonso, 2a vice-presidente do TRT-MG, ouvidora e diretora da Escola Judicial e Paula Cantelli de Oliveira, coordenadora do Comitê de Enfrentamento ao Trabalho Escravo Contemporâneo; pelo procurador-chefe do MPT, Arlélio de Carvalho Lage; pela juíza do trabalho Luciana Conforti (TRT-PE); pela professora Lívia Mendes Moreira Miraglia e pela advogada Cássia Hatem, presidente da Amat, que representou o presidente da OAB-MG, Sérgio Rodrigo Leonardo; e pela deputada estadual Andreia de Jesus, presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG.

Participaram do evento desembargadores do TRT-MG, servidores, advogados, e estudantes, sendo a maioria do Centro de Ensino Grau Técnico - Unidade Barreiro, acompanhados da professora Miriane Francielle Pereira Machado. 

Brasil não tem como cumprir agenda 2030

O procurador-chefe do MPT, Arlélio de Carvalho Lage, falou que todos nós temos o dever de denunciar condições desumanas de trabalho, mas o que faltam são campanhas para conscientizar as pessoas. Ele disse que existe legislação suficiente e que o MPT continua resgatando pessoas vítimas de trabalho análogo à condição de escravo no Brasil. No entanto, ele diz não acreditar que o país chegue a 2030 sem trabalho escravo e sem trabalho infantil, uma vez que o país não tem condição de cumprir os objetivos de sustentabilidade da agenda 2030 preconizados pela ONU.

Chaga

A desembargadora Paula Cantelli ressaltou que vê a escravidão como uma chaga, um vírus que vem se transformando no decorrer do tempo, mas sempre apresenta uma nova face, uma nova roupagem, que vem maquiar a realidade. Porém, carrega sempre a mesma essência perversa. 

“É importante a união de todas as instituições para atuar conjuntamente no combate ao Trabalho Escravo”. A desembargadora reiterou o convite para a segunda parte do congresso, a ser realizada no próximo dia 20 de outubro, na sede da Escola Judicial, rua Guaicurus, 201, Centro, BH. Para mais informações veja a programação.

Veja galeria de fotos

Assistam na íntegra ao primeiro dia do Congresso Internacional, que contou com transmissão ao vivo pelo Youtube do TRT-MG: 

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