Trabalho escravo: triste realidade que atinge 20 milhões de pessoas no mundo
O Seminário Combate ao Trabalho Escravo reuniu, nesta sexta-feira (10/5), no auditório da Escola Judicial do TRT-MG, autoridades, magistrados, advogados, estudantes, servidores para discutir tema, que, desde a abolição da escravatura, em 1888, ainda é uma triste realidade no Brasil, e hoje, com uma economia em rede, no mundo. O evento trouxe reflexões importantes sobre diversos pontos de vista em relação ao tema.
O seminário foi aberto pela presidente do TRT-MG, desembargadora Denise Alves Horta. Em suas palavras, ela destacou o quão grave é a realidade do trabalho escravo na sociedade contemporânea, uma vez que, em pleno Século 21, alcança mais de 20 milhões de pessoas no mundo, segundo dados da OIT. Ela destacou diversos normativos, convenções ratificadas pelo Brasil e os objetivos dos constituintes de 1988 revelados já no preâmbulo da Carta Magna, em assegurar os direitos sociais e individuais, a segurança, o bem-estar, igualdade e justiça. “Direitos que não se materializam sem o respeito à dignidade da pessoa humana”, arrematou.
Afronta à dignidade
A primeira painelista da tarde foi a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Delaíde Alves Miranda Arantes, que falou, por vídeoconferência, sobre a "Agenda 2030 da ONU, Agenda do Trabalho Decente da OIT e o Combate ao Trabalho Escravo". Para a ministra, o déficit de trabalho decente cresceu ainda mais, com a precarização ampliada no campo justrabalhista trazida pela reforma trabalhista (Lei 13.467/2017).
A ministra alertou que o trabalho escravo é uma afronta à dignidade da pessoa humana, que está concebida na Constituição Federal de 1988, aos preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao conceito de Trabalho Decente da OIT e ao objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8, trabalho decente e crescimento econômico da Agenda 2030 da ONU.
Vulnerabilidades invisibilizadas
A segunda painelista, Tatiana Leal Bivar Simonetti, procuradora do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco e vice-coordenadora nacional da erradicação do trabalho escravo e enfrentamento ao tráfico de pessoas no âmbito do MPT, falou sobre o tema “Desafios dos casos concretos de trabalho escravo contemporâneo e atuação do MPT”. Ela trouxe reflexão sobre as diversas formas de trabalho escravo existentes na sociedade contemporânea e falou de realidades complexas, invisibilizadas como o trabalho escravo sexual. “Na área trabalhista, nunca olhamos para isso com seriedade. Recebemos poucas denúncias e não estamos preparados para lidar com esta realidade complexa, como a vulnerabilidade de mulheres trans, cuja exclusão costuma se iniciar na discriminação familiar e sexual desde criança. São pessoas excluídas da educação formal, com carência afetiva emocional, baixa estima, falta de capacitação profissional, pessoas que ficam fora do mercado de trabalho. Portanto, somam diversos elementos de vulnerabilidade que fazem com que sejam recrutadas e caiam numa rede de exploração sexual. Por fim, defendeu que é muito importante que a Justiça do Trabalho esteja atualizada sobre a validade dos elementos de prova encontrados nas redes sociais, mensagens do WhatsApp, ameaças por meio virtual, especialmente em casos sensíveis e complexos, nos quais a prova não dependa somente do depoimento da vítima. A mesa para realização do painel foi composta pelos mediadores Lívia Mendes Moreira Miraglia, presidente da Comissão de Enfrentamento ao Trabalho Escravo em Minas Gerais e da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da UFMG, advogada e professora da UFMG; Adriana Goulart de Sena Orsini, desembargadora do TRT-MG e gestora regional do Programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade; José Eduardo Chaves Júnior, desembargador aposentado do TRT-MG, e Laura Ferreira Diamantino Tostes, professora da Faculdade de Direito Milton Campos e assessora jurídica do TRT-MG.
O tema também é político
No terceiro painel da tarde, o desembargador aposentado do TRT-MG, Márcio Túlio Viana, abordou o tema: “O Trabalho entre liberdade e escravidão”. Ele abriu sua fala citando que a fraude se faz cada vez mais presente na sociedade contemporânea, pois está na exploração de trabalho escravo, nas violações da lei que existem por todo lado no Brasil, com frequência. “O patrão vai moldando a lei, conforme ele molda a força de trabalho. No trabalho escravo a situação é mais grave e os interesses são tão grandes, que desliza para o campo político”, afirmou. O desembargador destacou a importância de simplificar a linguagem para ampliar o diálogo com pessoas e grupos, de forma a atrair atenção fora do mundo jurídico. “Para combater o trabalho escravo, não basta repetir denúncias e razões para nós mesmos. Mas é preciso ver que a própria interpretação de tudo hoje sofre os efeitos da política, da ideologia, mais do que antes. O tema é também político, não só jurídico. Significa atrair outras pessoas para os grupos, mesmo fora do jurídico, fora do país, pois tem relação com empresas transnacionais, mesmo fora da área intelectual. Quanto mais gente, melhor. Preciso trocar o virtual para o real. Mais encontros com alunos, professores, mais pessoas. Se a imagem da empresa se abala, a venda diminui. Sensibilizar a mídia, de forma mais simples, com postura mais simples, palavreado simples, ao alcance do povo”.
O painel teve mediação dos desembargadores Marcelo Lamego Pertence, gestor regional do Programa Trabalho Seguro, Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim, desembargadora do TRT-MG e gestora regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem.
Casos devem ser apreciados pela Justiça
O auditor-fiscal do trabalho, Marcelo Gonçalves Campos, o último painelista da tarde, falou sobre o tema “Escravidão contemporânea: a triste realidade” . Ele lembrou que a escravidão é produto de 500 anos da História brasileira, pois “a base da economia do Brasil colônia foi o trabalho escravo e isso está no DNA de gerações. Mas os operadores do direito não deveriam se surpreender com a presença do trabalho escravo contemporâneo, pois a libertação dos escravos em 1888 foi uma mera formalidade, uma vez que a elite brasileira não tinha motivo para proteger os ex-escravos. A pouca legislação trabalhista que surgiu depois da Abolição não garantiu direitos aos trabalhadores negros, atingiu mais aos imigrantes italianos, que trabalhavam nas cidades. A política pública de combate ao trabalho escravo no Brasil só se iniciou em 1995”. Até então, Marcelo Gonçalves lembra que não havia e ainda não há grandes discussões sobre a temática de definição do trabalho escravo. O trabalho análogo ao de escravo, desde a Abolição, só foi definido em 2003, quando o artigo 149 do Código Penal tornou contemporâneo o entendimento do crime e ainda não há jurisprudência sobre o assunto. Ele defendeu que, em vez de firmar Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), todos os casos investigados deveriam ser levados pelo MPT à apreciação da Justiça do Trabalho, “pois esta avaliação é que vai construir jurisprudência, o que não temos hoje”. Segundo o painelista, o trabalho escravo em Minas Gerais ocorre em lavouras café, cebola, alho, carvoarias, construção civil, mineração e no trabalho doméstico que, incrivelmente, só começou a ser visualizado e percebido recentemente. Atuaram como mediadores do painel Wânia Guimarães Rabello de Almeida, advogada e professora, Carolina de Souza Novaes Gomes Teixeira, professora da PUC-Minas, Thiago Raso, auditor-fiscal do trabalho, instrutor da Escola Nacional da Inspeção do Trabalho, professor de Direito do Trabalho.
Mesa de honra
A mesa de honra do evento foi composta pelos juízes Cléber Lúcio de Almeida, coordenador acadêmico da Escola Judicial, Adriana Freire Pimenta, gestora regional do Programa de Combate ao Trabalho Escravo, pelos desembargadores Mônica Sifuentes, presidente do TRT6, Delvan Barcelos Jr., do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por Arlélio de Carvalho Lage, procurador-chefe do MPT, desembargadora Paula Cantelli, gestora regional do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante, Andréa de Jesus, deputada estadual (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de MG (ALMG), Carlos Calazans, superintendente regional do Ministério do Trabalho e Emprego em MG e Júlio César de Paula Guimarães Bahia, advogado, representante da Associação Mineira dos Advogados Trabalhistas de MG (Amat) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Prêmio Antônio Álvares da Silva
Durante o evento, foi lançado o Prêmio Professor Antônio Álvares da Silva. O prêmio é voltado para pesquisadores do Direito do Trabalho. A presidente do TRT-MG, desembargadora Denise Alves Horta, ainda outorgou o desembargador aposentado Márcio Túlio Viana com a Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho, agraciado no Grau Cruz.
O seminário foi uma iniciativa da gestão regional do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), em parceria com a Escola Judicial do TRT-MG e apoio da Associação Mineira da Advocacia Trabalhista (Amat), da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da UFMG e da Clínica de Combate ao Trabalho Escravo Contemporâneo e Tráfico de Pessoas da Faculdade PUC Minas – Betim.