Caso de assédio sexual em loja do centro de BH gera indenização de R$ 20 mil para vendedora
Resumo em texto simplificado
A Justiça do Trabalho determinou o pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 20 mil, à vendedora vítima de assédio sexual em uma loja do centro de Belo Horizonte. Ela contou que, sete meses após a admissão, o proprietário abraçou-a maliciosamente, teceu elogios sobre a aparência dela e a convidou para sair. Mesmo diante da negativa, a vendedora disse que ele passou a abordá-la de forma mais agressiva. Segundo a profissional, ele chegou a levantar a blusa dela, passar a mão nos seios e nas partes íntimas com o uso da força. Diante da situação, a vítima fez gravações do assédio e comunicou ao proprietário, que fez o acerto rescisório. Ela registrou então um boletim de ocorrência, o que encorajou mais nove vítimas a registrar denúncias semelhantes, apontando, como agressor, o pai e o filho, que é sócio da empresa. A empregadora negou os fatos. Mas, para o desembargador relator da Terceira Turma do TRT-MG, Milton Vasques Thibau de Almeida, as provas demonstraram o assédio sexual. Para o julgador, a falta de respeito pelo gênero feminino exige uma atuação precisa do Poder Judiciário, que não pode compactuar com esse comportamento, tampouco com a normalização do abuso do poder diretivo do empregador.
Saiba mais sobre esta iniciativaPara marcar a Semana da Mulher, o TRT-MG traz uma coletânea de casos decididos conforme o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021, que estabelece orientações para que os julgamentos realizados considerem a igualdade e a não discriminação, especialmente no que diz respeito às questões de gênero. Em alguns casos, o número do processo foi omitido, para preservar a privacidade das pessoas envolvidas. Acompanhe!
A Justiça do Trabalho determinou o pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 20 mil, à vendedora vítima de assédio sexual em uma loja no centro de Belo Horizonte. O caso ganhou repercussão após a trabalhadora registrar boletim de ocorrência contra o proprietário, e a Polícia Civil tomar conhecimento de outras nove vítimas, que citaram ainda o filho dele como abusador.
Em seu depoimento pessoal, a vendedora contou que, cerca de sete meses após a admissão, o proprietário abraçou-a maliciosamente, teceu elogios sobre sua aparência e a convidou para sair. “Mesmo diante da negativa, continuou com as investidas, questionando os motivos da recusa e prometendo benefícios, tudo de forma inconveniente, causando constrangimento”, disse.
Informou também que as tentativas eram feitas sempre em locais não monitorados pelas câmeras de segurança. Alegou que o assediador tinha muito poder, dinheiro e influência, “de forma que ninguém acreditaria em uma eventual denúncia”.
Sustentou ainda que, a partir de novembro de 2020, o assediador passou a abordá-la de forma mais agressiva e incisiva, encurralando-a contra as paredes e impedindo o deslocamento. Segundo a vendedora, com o uso da força, ele chegou a levantar a blusa, passar a mão nos seios e nas partes íntimas.
Diante da situação, a vítima contou que resolveu produzir provas do assédio. Fez uma gravação e comunicou ao proprietário, que, segundo ela, providenciou o acerto rescisório. Em parte do áudio, o assediador diz: “(…) quer sentar no meu colinho?”. A ex-empregada nega, dizendo: “(…) para”. E ele repete o assédio: “(…) então senta aqui”. Ela se recusa, negando novamente a investida.
A profissional narrou, por fim, que, após a ruptura contratual, compareceu na delegacia de polícia e registrou boletim de ocorrência, o que encorajou outras nove vítimas a registrar denúncias semelhantes, apontando como agressores o filho e o pai, que é sócio da empresa. A notícia teve grande repercussão na mídia, sendo decretada a prisão dos dois empresários.
Ao decidir o caso, o juízo da 32ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte garantiu à trabalhadora indenização de R$ 20 mil. Mas as duas lojas rés interpuseram recurso pedindo a exclusão da condenação ou a redução do valor da indenização.
Recurso
As empregadoras negaram os fatos, alegando, em síntese, que a autora da ação mantinha boa convivência com os referidos sócios, evidenciando relação de amizade. Aduziram que a vendedora tinha liberdade de se queixar de problemas pessoais com o empregador, “além de apresentar comportamento descontraído e proximidade com os demais empregados e chefes”.
Afirmam que, desde janeiro de 2021, a autora tentou, por diversas vezes, ser dispensada. “Em abril de 2021, surpreendeu o empregador com a ameaça de que, caso não fosse atendida, denunciaria o suposto assédio. E, após a ruptura contratual, ela teria incentivado outras ex-empregadas a denunciar os sócios, alegando que teriam direito a uma indenização de R$ 30 mil”, disse a defesa.
Mas, para o desembargador relator Milton Vasques Thibau de Almeida, da Terceira Turma do TRT-MG, as provas dos autos demonstraram a prática de assédio sexual. O julgador destacou que as empresas impugnaram o áudio, ao argumento de que ele não foi periciado, “não sendo possível identificar, de forma clara, as falas e o conteúdo”.
Entretanto, segundo o relator, as empresas não trouxeram prova capaz de afastar a culpa do assediador. “Ao contrário, conforme ‘prints’ colacionados na própria impugnação, elas admitem que, na data de 19/4/2021, a vendedora quebrou as normas da empresa, ao esconder o celular pessoal, para gravar a situação”, pontuou.
O julgador ressaltou que as teses de defesa apontam questões relativas ao comportamento pessoal da autora, na tentativa de insinuar que ela teria concordado ou contribuído para o ocorrido. Conforme pontuou o magistrado, a vítima não deve ser culpada pelo modo de ser, agir, relacionar-se, vestir-se, falar, nem por estar sozinha no local ou no momento. “Essas escolhas pessoais, por si, não são permissões para que seja assediada, nem qualquer outro tipo de consentimento”.
O magistrado destacou ainda o relatório policial e a denúncia oferecida pelo Ministério Público, que apontam que a conduta do sócio era recorrente, havendo outras vítimas de abusos semelhantes aos apontados pela autora. Para o julgador, a falta de respeito pelo gênero feminino é latente e exige uma atuação precisa e eficaz do Poder Judiciário, que não pode compactuar com o comportamento de assediadores, tampouco com a normalização do abuso do poder diretivo do empregador. “Não se pode aceitar que, ao vender sua força produtiva, o empregado também ponha à disposição a honra e a dignidade”, pontuou.
No entendimento do relator, a violação reiterada dos direitos da pessoa agredida gera sentimento de impotência, silencia a vítima, fazendo com que ela não acredite na possibilidade de ajuda. “Todavia, a inação ou a demora em denunciar a violência ou o assédio não são sinônimos de concordância com a situação. Ao revés, representam, apenas, sua maior vulnerabilidade diante do nefasto risco de desemprego”.
Assim, demonstrado o assédio, o julgador reconheceu a responsabilidade pela reparação do dano, não exigindo da vítima demonstração de sofrimento, que, segundo ele, é presumido.
“Considero que a julgadora de primeiro grau apreciou adequadamente o conjunto probatório, sobretudo ao destacar a importância de se considerar a palavra da reclamante e a produção de provas indiretas, uma vez que os atos de assédio geralmente ocorrem de forma clandestina”, concluiu o magistrado, mantendo o valor arbitrado de R$ 20 mil pelo dano moral. Ao final, a juíza sentenciante homologou um acordo celebrado entre as partes, que ainda está em andamento.