Colhedor de cenouras acometido por doença na coluna será indenizado por danos morais e materiais
Resumo em texto simplificado
Os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG reconheceram o direito de um trabalhador rural de receber do empregador indenização por danos morais e materiais, em razão da doença de coluna agravada pelo trabalho. O empregado atuava na colheita de cenouras e o trabalho foi uma das causas do surgimento da doença, já que ele tinha que se curvar repetidamente para colher os legumes. Segundo o trabalhador, os problemas de coluna foram agravados pelas atividades desempenhadas, resultando em dores crônicas e afastamentos médicos frequentes. Para o desembargador relator Luiz Otávio Linhares Renault, a doença do empregado teve causas multifatoriais, entre elas, as condições antiergonômicas do trabalho. O relator ponderou que o simples fato de se tratar de doença degenerativa não exclui a origem ocupacional, causal ou concausal, cuja existência depende das condições e do ambiente de trabalho. O julgador fixou então a indenização por dano moral em R$ 25 mil, além da indenização por dano material já que ele está parcialmente incapaz para a atividade habitual. A indenização por dano material será apurada na fase final do processo.
Saiba mais sobre esta iniciativaOs julgadores da Primeira Turma do TRT-MG, por unanimidade, reconheceram o direito de um trabalhador rural a receber do empregador indenização por danos morais e materiais, em razão de doença de coluna agravada pelo trabalho. O empregado atuava na colheita de cenouras e a decisão apontou que o trabalho foi uma das causas que concorreram (concausa) para o surgimento da doença. Ele tinha que se curvar repetidamente para colher os legumes, exercendo as atividades em condições de risco ergonômico.
Sentença oriunda da Vara do Trabalho de Patrocínio havia negado as indenizações, adotando as conclusões do perito oficial, que afastou o nexo de causalidade entre o trabalho realizado e o quadro de saúde apresentado pelo autor.
Mas, ao examinar o recurso do trabalhador, o desembargador Luiz Otávio Linhares Renault, que atuou como relator, proferiu voto condutor no sentido de reforma da decisão de primeiro grau, ressaltando que o julgador não está limitado às conclusões da perícia e que, no caso, ficou provado que a doença do empregado teve causas multifatoriais, entre elas, as condições antiergonômicas do trabalho.
"Para fins de fixação da responsabilidade empresarial, na concausa não se mede, necessariamente, a extensão de uma e de outra causa, já que ambas se somam, se fundem, se agrupam para desencadear a doença. A situação não é, por conseguinte, de principalidade ou de acessoriedade, nem de anterioridade ou de posterioridade da doença, mesmo porque a medicina não é uma ciência exata, que permite ao Médico, sempre e sempre, um diagnóstico milimetricamente preciso a esse respeito”, destacou o desembargador.
O julgador frisou que o que importa, efetivamente, na esfera da responsabilidade trabalhista, é a existência ou não de fatores relacionados com o trabalho que tenham contribuído para o desencadeamento da doença, devendo-se considerar que, “em casos difíceis, que cabe à empresa o risco da atividade econômica: “seria como que um risco ao mesmo tempo da atividade econômica e social”.
O relator ainda ponderou que o simples fato de se tratar de doença degenerativa, como no caso do autor, não exclui a origem ocupacional, causal ou concausal, cuja existência depende das condições e do ambiente de trabalho. “Existe aforismo francês, segundo o qual, ‘en médicine et en droit, ni jamais ni toujours’ (em medicina e no direito, nem jamais nem sempre). Cada caso é um caso e tudo depende da realidade laborativa”, enfatizou.
Contexto e diagnóstico médico
No recurso, o trabalhador argumentou que seus problemas de coluna foram agravados pelas atividades extenuantes que desempenhava na colheita de cenouras, o que o teria levado a sofrer de dores crônicas e afastamentos médicos frequentes. Em defesa, a empresa, do ramo do agronegócio e situada no município de Rio Paranaíba-MG, sustentou que o trabalhador nunca exerceu funções que comprometessem sua saúde, uma vez que sempre teve pausas e alternância de atividades para evitar sobrecargas físicas.
Laudos médicos apresentados no processo indicaram que a condição de saúde do trabalhador apresentou diagnóstico de doença degenerativa da coluna lombar, associada à lombalgia crônica e alterações nos discos intervertebrais, o que justificou o afastamento temporário para tratamentos como fisioterapia e, inclusive, a mudança de função na empresa.
Perícia médica realizada pelo INSS havia constatado, na época, a incapacidade temporária do reclamante, então com apenas 28 anos, para o exercício da função de colhedor de cenouras, bem como a concausa entre o adoecimento e as atividades realizadas. Segundo a perícia do órgão previdenciário, os gestos repetitivos e posições forçadas no campo (abaixando e levantando para colher cenoura, colocando na caixa) contribuíram para a “agudização da patologia”.
No entanto, o perito designado pela Justiça do Trabalho concluiu que a doença tem origem degenerativa e não estava associada às condições de trabalho, ainda que pudesse haver “um nexo concausal leve e moderado”, ou seja, uma possível contribuição das atividades para o agravamento do quadro. “No caso em tela, a postura com o tronco semifletido, mesmo com as pausas pela sequência descrita do trabalho é o maior agravante para ocasionar as dorsalgias.", registrou o perito oficial do juízo, que concluiu pela inexistência de redução da capacidade de trabalho do autor. O especialista observou ainda que, na época do exame pericial, o reclamante encontrava-se afastado, com recebimento do benefício previdenciário, em razão de decisão judicial.
“Verdade real”
Ao afastar as conclusões do perito oficial do juízo e entender pela existência de nexo direto entre as atividades exercidas e a condição de saúde do trabalhador, o relator citou artigo 479 do CPC, segundo o qual o juiz não está limitado ao laudo, quando houver elementos mais consistentes e persuasivos em sentindo contrário, como ocorreu no caso.
Para o relator, ficou demonstrada a concausa entre o adoecimento do reclamante e as atividades realizadas. Ele observou que o próprio Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) elaborado pela empresa reconheceu o risco ergonômico a que o trabalhador estava submetido, em razão da necessidade de agachar para fazer a colheita da cenoura. “Apesar de se tratar de doença que decorre de fatores multicausais, incluindo predisposição individual, obesidade e encurtamentos musculares, e que pode ter outras circunstâncias que influenciem no surgimento das patologias, a exposição a determinados riscos pode antecipar ou acelerar o seu processo natural”, destacou.
Segundo pontuou o desembargador, não são poucos os casos de acometimento de empregados em funções relacionadas a esforços por doenças relacionadas ao trabalho, em sua maioria doenças osteomusculares, decorrentes de condições inadequadas de ergonomia em que o trabalho é realizado. Ponderou que a doença ocupacional pode, em certas situações, ter mais de uma causa, sendo, inclusive e eventualmente, uma intra e outra extraocupacional. “Concausa significa a coexistência de causas geratrizes de determinada patologia”, frisou.
Conforme destacou o relator, o juiz tem o comando do processo e deve decidir de acordo com a verdade real, que “ganha contornos significativos quando se trata de doença, cujas sequelas restringem ainda mais o já limitadíssimo mercado de trabalho, e, por consequência, o acesso ao direito ao emprego, constitucionalmente garantido”.
Culpa e responsabilidade da empresa
Na decisão, foi reconhecida a culpa da empresa que, conforme o artigo 157, incisos I e II, da CLT, deveria ter adotado medidas preventivas para evitar doenças profissionais. No entendimento do desembargador, estiveram presentes todos os elementos da responsabilidade civil, incluindo a ocorrência do dano, o nexo causal entre a doença e o trabalho, além da atuação culposa do empregador, impondo-se o dever de reparação da empresa, conforme artigos 186 e 927 do Código Civil.
Indenizações por danos morais e materiais
Quanto ao dano moral, o relator observou que o impacto psicológico é presumido, resultante do próprio dano, não havendo como exigir prova concreta do abalo íntimo sofrido pela pessoa prejudicada. A indenização, nesse sentido, prescinde de prova, tendo sido fixada em R$ 25 mil, levando em conta o nexo de concausalidade, a condição econômica das partes, a gravidade da lesão e a função pedagógica da medida, assim como o fato de a empresa ter recolocado o autor em função que exigia menos esforço físico.
A indenização por danos materiais foi deferida com base artigo 950 do Código Civil, ao fundamento de haver incapacidade laborativa parcial e permanente, concluindo-se que o autor está incapaz para atividades que exijam esforços físicos e/ou sobrecarga em coluna vertebral, além de parcialmente incapaz para sua atividade habitual - serviços rurais.
Para tanto, foi considerado o laudo médico apresentado no processo nº 5003135-09.2022.8.13.0555, que tem como partes o autor e o INSS e que concluiu pela incapacidade do trabalhador. O relator ainda sublinhou que a empresa determinou a mudança de função para o setor de beneficiamento de cenouras e que o perito oficial, embora tenha atestado a plena capacidade do reclamante, deixou expressa a recomendação de que ele buscasse outras alternativas de trabalho, evitando exposição aos riscos ergonômicos. Essas circunstâncias reforçaram a conclusão sobre a impossibilidade do reclamante exercer as funções para as quais foi contratado, em razão dos problemas na coluna.
A indenização por danos materiais será apurada em fase de liquidação da sentença, considerando a última remuneração do trabalhador, o grau de incapacidade, o nexo concausal de 30%, a idade do autor quando ajuizou a ação e a expectativa de vida (75 anos – IBGE), acrescidos, nesse cálculo, o valor do 13º salário e do terço de férias.