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NJ Especial:Trabalhador resgatado em condições análogas às de escravo em fazenda tem vínculo reconhecido e será indenizado

publicado: 05/11/2014 às 02h00 | modificado: 05/11/2014 às 04h00
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Vejam-se outras decisões do TRT mineiro sobre a matéria (imagem 1)

Doente. Sem dinheiro. Sem comida. Sem energia elétrica em casa. Sem condições de higiene, convivendo inclusive com animais. Na mais completa miséria e em estado de inanição, sem forças físicas e psicológicas para sair da situação. Esse cenário estarrecedor foi o encontrado por uma assistente social ao resgatar um trabalhador em uma fazenda situada em Muzambinho-MG após uma denúncia feita por um vizinho.

O trabalhador era explorado pelo fazendeiro, em condições análogas à escravidão. Durante os 15 anos que trabalhou para ele, viveu sem ter satisfeitos seus direitos básicos. Quando não pôde mais produzir, foi abandonado à própria sorte. O drama vivido pelo trabalhador é também o retrato de uma triste realidade no Brasil: ainda são inúmeros os casos de trabalhadores reduzidos a condições semelhantes às da escravidão. Essa chaga social insiste em persistir no País mais de 100 anos depois da abolição da escravatura pela Lei Áurea.

No caso, o trabalhador resgatado na fazenda foi socorrido e ajuizou uma reclamação trabalhista. Ele conseguiu obter o reconhecimento do vínculo de emprego com o fazendeiro e também uma indenização no valor de R$10 mil por dano moral. A decisão foi do juiz Cláudio Roberto Carneiro de Castro, que julgou o caso na Vara do Trabalho de Guaxupé. Ele não se convenceu pelas provas de que a relação seria de parceria agrícola, como alegado pelo fazendeiro. Dentre as várias provas produzidas nesse sentido, o julgador constatou que o documento de meação foi feito muito tempo depois do início da prestação de serviços.

O juiz identificou as artimanhas do réu para tentar afastar uma relação de emprego com o reclamante, que é semi-analfabeto. Ele lembrou que o contrato de trabalho é regido pela primazia da realidade, não importando qual a forma aparente que o empregador tenta impingir à relação. No caso, a prova testemunhal trazida pelo trabalhador desmistificou todos os ardis empregados pelo réu.

Uma testemunha relatou que o reclamante nunca vendeu café em seu próprio nome e que o produto era vendido pelo patrão. A versão também foi a apresentada pelo próprio reclamante, que disse que apenas acompanhava o réu nas vendas de café para a Central de Café em Muzambinho. Outra testemunha disse que o fazendeiro não dava parte do dinheiro apurado com a venda para o reclamante. O pagamento a ele era feito por semana, girando em torno de R$25/30,00. Segundo a testemunha, as condições financeiras do trabalhador eram precárias.

"Ora, se realmente existisse parceria agrícola e se o produto das vendas do café fosse partilhado, por óbvio que o reclamante não teria sido encontrado em condições de absoluta miséria e nem necessitaria de cesta básica, quando as vendas do café eram boas" , registrou o juiz na sentença, não tendo dúvidas de que o reclamante apenas emprestava o nome para o réu negociar o café produzido na propriedade. Conforme apurado, o réu precisava fazer negócios em nome de outras pessoas por entender que só assim não perderia seu direito de aposentadoria. "Certamente por ingenuidade e devido a sua pouca leitura, em troca de emprego, moradia e por um certo amparo, o autor aceitou essas condições, assinando uma falsa meação, termo de responsabilidade como produtor rural, emitindo ainda notas de vendas de café em seu nome como se produtor fosse" , destacou.

Nesse contexto, foi reconhecida a relação de emprego entre as partes desde fevereiro de 1998 e declarada a rescisão indireta do contrato de trabalho. O réu foi condenado a cumprir todas as obrigações decorrentes.
Danos morais

A situação de miséria e abandono em que o trabalhador se encontrava ficou fartamente provada no processo, inclusive por fotografias. Ele foi resgatado pela assistente social graças à denúncia de um vizinho, já em estado de inanição, com sérios problemas de saúde e com o pé inchado. Após o resgate foi providenciado tratamento médico, sendo que a psicóloga do hospital para onde ele foi levado suspeitou da doença de Alzheimer e detectou o alcoolismo.

O juiz reconheceu a culpa do reclamado pela situação do reclamante, repudiando o argumento de que ele seria o único e exclusivo responsável pelo seu estado de penúria e miséria humana. "É muito cômodo para o réu escudar sua defesa no alcoolismo do autor, esquecendo-se que por trás do trabalhador que lhe prestou serviços por muitos anos há um ser humano que merece ser tratado com dignidade e respeito" , destacou o magistrado e, com amparo na lei civil e constitucional, condenou o réu ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$10 mil.


Recurso

Acompanhando o voto desembargador Sércio da Silva Peçanha, a 8ª Turma do TRT de Minas negou provimento ao recurso apresentado pelo fazendeiro e manteve a condenação: "O Reclamado agiu culposamente quando utilizou o nome do Reclamante para negociar o café produzido, sem partilhar o produto da venda, e, ainda, ao abandoná-lo à própria sorte na sua propriedade, sem salário, sem alimentos, à beira da morte, com sérios problemas de saúde, sem tomar providência alguma" , destacou o relator no voto. Por entender que houve desrespeito à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho (art. 1º, III e IV da CF/88), decidiu confirmar a condenação do reú por danos morais.

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