Porteiro de cemitério discriminado por sua orientação sexual consegue indenização
Um trabalhador procurou a Justiça do Trabalho pedindo que o cemitério onde trabalhou como porteiro fosse condenado ao pagamento de uma indenização por danos morais. O motivo: a discriminação sofrida no ambiente de trabalho em função de sua orientação sexual. O caso foi examinado pelo juiz substituto Ednaldo da Silva Lima, na Vara do Trabalho de Santa Luzia. Após avaliar as provas, o magistrado deu razão ao ex-empregado.
O porteiro alegou que era desrespeitado por um supervisor, que se dirigia a ele de forma ofensiva, utilizando palavras de baixo calão, com piadas e grosserias. Ele contou ter sofrido diversos dissabores e todo o tipo de escárnio em função de sua orientação sexual.
A versão foi confirmada por testemunhas. Uma delas relatou que o representante fazia brincadeiras discriminatórias de cunho sexual, do tipo: "a borboleta está aí? a mariposa está aí? chama a bonita aí; vou pedir uma pizza, você quer de calabresa ou de salaminho, já que você gosta?" A percepção da testemunha era de que o reclamante não gostava e nem aceitava essas brincadeiras. Tanto que já tinha reclamado ao supervisor, porém, nenhuma atitude foi tomada.
Essa mesma testemunha contou ainda que estava presente no dia em que o porteiro reclamou sobre um pagamento que não havia sido feito. De acordo com o relato, ele se dirigiu ao chefe da seguinte forma: "Você disse que palavra de homem não dá curva. Quando será feito o pagamento que você marcou e não cumpriu?". Ao que o representante do réu respondeu: "Você não pode me cobrar palavra de homem porque você não é homem aqui e nem em lugar nenhum".
O julgador também citou depoimento da testemunha indicada pelo réu, que confirmou certa conduta maldosa por parte do chefe em relação ao reclamante, ao dizer que ele tinha de "virar homem" e respeitá-lo.
Para o magistrado, não há dúvidas de que o empregador denegriu a honra, a imagem, a vida privada, a intimidade e a dignidade do reclamante, ao permitir que se referissem a ele no ambiente de trabalho com tom pejorativo em relação à homossexualidade. "O empregador tem o direito de organizar sua atividade econômica, de forma a obter melhores resultados, porém deve aliar a isso a preservação dos direitos de seus trabalhadores, e de forma geral, os direitos fundamentais previstos na Constituição da República", ponderou o juiz sentenciante, lembrando que o artigo 170 da Constituição Federal prevê expressamente que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegurando a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
"A propriedade, pois, tem sua função social, sendo certo que não deve ser usada de modo a ferir direitos de personalidade de quem quer que seja", registrou, ao final. Considerando provada a conduta e a culpa do empregador, o dano e o nexo causal entre a conduta e o dano, decidiu condenar o réu a pagar indenização no valor de R$2.500,00. A decisão se amparou no artigo 927 do Código Civil, bem como artigo 5º, V e X, da Constituição e artigos 186 e 927 do Código Civil, levando em consideração diversos critérios para fixação do valor.
RecursoAo examinar o recurso apresentado pela empresa, a 1ª Turma do TRT-MG confirmou o entendimento adotado em 1º Grau. O desembargador relator, Emerson José Alves Lage, lamentou que nos dias de hoje ainda existam casos de discriminação como esse. "Tanto se tem falado na promoção da igualdade e na necessidade de erradicar a exclusão e a discriminação das pessoas historicamente desfavorecidas, que causa espanto constatar, nos dias atuais, atos discriminatórios e desrespeitosos com o trabalhador que ali está, empregando sua força de trabalho em prol da atividade econômica da empresa", registrou, recordando que há muito a discriminação sofrida por trabalhadores que se enquadram em grupos minoritários mereceu a atenção do legislador infraconstitucional, com a edição da Lei 9.029, de 13/04/1995. Aqui, prosseguiu, surge o Direito do Trabalho exatamente com o ideal de garantir o cumprimento dos preceitos da Constituição da República, eliminando desigualdades já notoriamente existentes entre empregadores e empregados e que são agravadas quando atingidos grupos e minorias desfavorecidos, definidos a partir de raça, sexo, condição econômica, social e até mesmo deficiência física.
Ainda, de acordo com a decisão, órgãos internacionais, como a OIT, vêm buscando combater essas desigualdades que têm impedido a plena inserção das minorias sociais no mercado de trabalho. É o que ocorre, por exemplo, com a Convenção nº 111, de 1958, ratificada pelo Brasil em 1968, que conceitua a discriminação nas relações de trabalho como sendo (...) qualquer distinção, exclusão ou preferência fundada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, origem social ou outra distinção, exclusão ou preferência especificada pelo Estado-Membro interessado, qualquer que seja sua origem jurídica ou prática e que tenha por fim anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego ou profissão.
O relator destaca que, nessas situações, é evidente a ofensa aos princípios primordiais da Constituição Federal, concernentes à dignidade da pessoa humana, ao valor social do trabalho, à igualdade, à não-discriminação e à busca do pleno emprego. Diante do tratamento discriminatório imposto ao reclamante, entendeu que deve haver justa reparação, a cargo do reclamado, confirmando a sentença no aspecto.