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Isabela Alcântara: justiça gratuita x honorários

publicado: 26/03/2018 às 00h01 | modificado: 26/03/2018 às 01h22

Logo do NJ EspecialEmocionada e extremamente agradecida pela oportunidade de coordenar a obra, a professora e servidora da Casa, Isabela de Alcântara Fabiano, exaltou a coautora de seu artigo, Sara Costa Benevides, doutora e mestre em direito do trabalho, especialista em Direito Civil e também professora e advogada.

Como expôs, ao tratar dos institutos da justiça gratuita, honorários periciais e honorários advocatícios de sucumbência, as autoras tentaram apresentar proposições, a fim de trazer alternativas no que diz respeito a eles, na eventualidade da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5766, ajuizada no Supremo em agosto/2017, perder o fôlego, caso alguns artigos sejam declarados materialmente constitucionais.

A reforma trabalhista, como registrou a articulista, trouxe mudanças significativas em relação ao instituto da justiça gratuita. Assim, se antes havia dois critérios para a concessão desse benefício - sendo um quantitativo e objetivo, cuja base de cálculo eram dois salários mínimos ou a mera possibilidade de a pessoa declarar sua pobreza no sentido legal - com a Reforma, passou a se adotar um único critério objetivo, qual seja, a pessoa deve receber até 40% do teto da Previdência Social. Esse valor, como registrou, equivale a R$2.258,32 e, pelo parâmetro antigo de duas vezes o salário mínimo, o valor seria de R$1.908,00.

Diante disso, passou a responder o questionamento de muitos acerca do acerto ou não da reforma no que diz respeito à adoção de um critério objetivo como regra e exclusão daquele alternativo. E para essa resposta, as autoras entendem ser pertinente comparar o CPC com a CLT, já que há um sistema processual em jogo, considerando a tendência de constitucionalização do direito e o movimento expansivo das normas constitucionais. Estas, segundo enfatizou, devem ser observadas em todos os ramos jurídicos brasileiros, citando princípios muito relevantes, como da isonomia substancial, do acesso à ordem jurídica justa e da assistência jurídica integral e gratuita. 

A propósito disso, a palestrante lançou os seguintes questionamentos: se o CPC prevê uma regra que admite que a justiça gratuita possa ser deferida em razão dessa declaração de pobreza, porque excluir isso do jurisdicionado trabalhista? Será que não se estaria criando uma categoria de subclasse de jurisdicionado? Para as autoras, infelizmente, essa é a realidade, fazendo menção à intenção oculta da reforma de minguar a Justiça do Trabalho e de reduzir a índole social da JT.

Citando um pensamento do Ministro do TST José Roberto Freire Pimenta, a palestrante frisou que, cada vez que se criam mais obstáculos e limitações para o jurisdicionado trabalhista, na verdade estamos fomentando uma litigiosidade contida, pois as pessoas ficam receosas de ingressar no Poder Judiciário.

Honorários em debate - Em relação aos honorários periciais, a professora frisou que a mudança foi gritante e muito maliciosa. O artigo 790-B previa que honorários periciais seriam devidos pela parte vencida no objeto da perícia, salvo se a parte vencida fosse beneficiária da justiça gratuita.

Mas, como alertou a palestrante, a reforma mudou um termo. Retirou o "salvo" e trocou por "ainda". De forma que hoje, a tônica é completamente diferente: a parte vencida no objeto da perícia pagará honorários periciais ainda que seja beneficiária da justiça gratuita. Isso já gerou grande impacto na JT, fazendo com que as pessoas evitem propor ações. Hoje há várias desistências de pedido envolvendo perícias.

No seu entender, mais uma vez o princípio da inafastabilidade da jurisdição está sendo afetado. Por medidas que parecem pequenas, o grande propósito constitucional de abrir as portas do Judiciário com uma prestação de qualidade efetiva, de resultado útil em menor tempo possível, está sendo minimizado.LeiseLetrasIsabela.jpg

A servidora expôs que houve várias mudanças em relação aos honorários periciais.  Mas uma das mudanças que choca, ao seu ver, e que tem sofrido grande resistência na doutrina e na jurisprudência, diz respeito ao artigo 790-B, §4º. Isso porque esse parágrafo diz “que somente nos casos em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar os honorários periciais, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo”. Antes, se a parte era beneficiária da Justiça gratuita e vencida no objeto da perícia, a União pagaria os honorários periciais, no valor definido pelo CSJT. Agora, ainda que a parte seja beneficiária da justiça gratuita, serão investigados os demais pedidos e a parcela paga ao perito será retirada de eventual crédito por ela recebido. “Óbvio que isso causa medo. E talvez a parte vá pensar: “ não vai sobrar nada para mim” – frisou a palestrante.

Prosseguindo, ela ponderou que, no cotejo entre CPC e CLT, verifica-se que a solução dada pelo CPC é muito mais salutar para o jurisdicionado da Justiça Federal ou da Justiça Comum. Afinal, lá no CPC, admite-se que a perícia seja realizada por servidor do próprio Judiciário ou por órgão público conveniado e, nesse caso, a verba será paga pelo recurso próprio daquele órgão e, se for tratar de perito particular, a União vai pagar os honorários e só depois poderá executar a parte vencida para se ressarcir do valor pago a título de honorários. 

Nesse contexto, a professora levantou de novo a dúvida: “Por que dar um tratamento tão lesivo ao jurisdicionado trabalhista?”.

Em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, a palestrante também registrou ter sido a mudança enorme, considerando que ela foi boa para os advogados, mas meio perigosa para os jurisdicionados.  Isso porque antes a regra era que honorários advocatícios sucumbenciais não existiam na JT. Agora, inverteu a lógica e viraram regra, como explicou, sendo devidos no percentual de 5 a 15%, sobre a base de cálculo, a depender do caso concreto (valor da liquidação, proveito econômico, valor atualizado da causa).

Além disso, lembrou que o §3º do artigo 791–A da CLT diz que, na hipótese de sucumbência parcial, o juiz arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada compensação entre os honorários. E, como pontuou, as estatísticas demonstram que, na maior parte das ações trabalhistas, há procedência parcial, isto é, sucumbência recíproca.

Por fim, a professora questiona novamente o tratamento dado à parte no §4º, objeto da ADI 5766, que novamente usa da tática de investigação do crédito anterior, isto é, investiga antes se o devedor tem crédito, ainda que em outro processo, para fazer a reserva do valor referente aos honorários periciais. Se não der certo, essa obrigação ficará com a exigibilidade suspensa.

Por que esse tratamento?” – insiste a palestrante e, em seguida, expõe as proposições formuladas.

Em relação aos honorários periciais, expõe que intenção das autoras é tentar disseminar a prática cada vez maior de aplicabilidade do CPC de forma subsidiária ou supletiva, frisando que ainda há resistência em relação à aplicação supletiva do CPC. Como esclarece a palestrante, quando de fato há um vazio legislativo, usa-se o CPC, quando houver compatibilidade com os princípios do processo do trabalho. Mas, muitas vezes, as normas da CLT, embora existam, não se adequam ao critério de justiça, de efetividade, nem são razoáveis para a solução que se precisa. Nesse caso, entendem que o diálogo das fontes é o melhor caminho a ser usado.

Ainda em relação aos honorários periciais, argumentando que há decisões recentes do TST admitindo provas emprestadas, a servidora lembra que aqui na JT há casos repetitivos e litigâncias habituais e pontua que eventuais dúvidas podem ser sanadas, sendo possível a colheita de prova documental, de interrogatório. Cita, como exemplo de caso clássico, discussão sobre fornecimento regular de equipamentos de proteção individual – EPI, uma vez que a prova é documental. Acrescenta que a própria CLT, em seu artigo 195, admite que quando não houver perito habilitado, se tentem outras saídas, com outros órgãos.

“É possível, portanto, de acordo com o diálogo das fontes, que haja a prova técnica simplificada” -, conclui a palestrante, frisando que o juiz pode inquirir o perito por qualquer meio tecnológico, para sanar a dúvida e resolver o processo.

Quanto aos honorários advocatícios sucumbenciais, a professora faz menção à exposição do professor Boucinhas e uma súmula do STJ, no sentido de que o acolhimento do pedido em valor menor do que o pedido não é sucumbência.

Direito intertemporal - E, encerrando, toca na tormentosa questão da aplicação da norma processual no tempo. Inicialmente, lembra que a regra é que a norma processual tenha aplicação imediata; ela não retroage e os atos consumados são intangíveis. A esse respeito, registra que Humberto Theodoro Júnior analisou a questão de direito intertemporal com muita profundidade, entendendo que os honorários sucumbenciais previstos no CPC de 2015 são aplicáveis ainda que a ação tenha sido ajuizada antes da vigência do novo código, ao fundamento de que o fato gerador é a decisão e não o ajuizamento da ação. Refletindo sobre a questão, a professora concluiu que ele está certo, mas pondera que já havia honorários sucumbenciais no Código de Processo Civil de 1973. Na sua visão, assim, ele estava certo dentro daquele cenário.

Mas questiona sobre como deve ser aplicada a norma aqui, enfatizando que, para o processo trabalhista, foi uma enorme novidade, com um impacto imenso. E se pergunta se seria coerente ou sensato ou, ainda, se não feriria o princípio da segurança jurídica. E esclarece que, na verdade, quando a ação foi ajuizada antes da reforma, havia uma expectativa de direito em relação às verbas pelo credor trabalhista. Mas em relação aos honorários sucumbenciais sequer havia expectativa.

Finaliza dizendo ser preciso pensar sobre isso, ressaltando que, na sua visão, a Justiça do Trabalho também precisa ser tutelada.

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