Justiça do Trabalho anula dispensa por justa causa de motorista que liderou movimento de paralisação considerado ilegal pela empresa
Os julgadores da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), por unanimidade, anularam a pena de dispensa por justa causa aplicada pela empresa a um motorista, por ele ter liderado movimento de paralisação dos empregados. Foi acolhido o voto da relatora, juíza convocada Ângela Castilho Rogêdo Ribeiro, que, ao constatar que o movimento grevista ocorreu com observância das normas legais, considerou que o motorista não praticou falta grave capaz de ensejar a dispensa por justa causa. Nesse contexto, foi dado provimento ao recurso do trabalhador, para modificar sentença oriunda da 2ª Vara do Trabalho de Ouro Preto, que havia confirmado a justa causa.
Diante da descaracterização da justa causa, a empresa foi condenada a pagar ao motorista as parcelas da rescisão imotivada do contrato de trabalho, incluindo os direitos relativos à estabilidade provisória no emprego a que ele tinha direito, considerando que compunha Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio – CIPA, tudo com reflexos em aviso-prévio, 13º salários, férias+1/3 e FGTS+40%.
Segundo o apurado, o autor foi escolhido em assembleia geral dos empregados, com a participação do sindicato profissional, para integrar comissão de negociação de reivindicações trabalhistas perante a empresa, tendo sido atendidos os requisitos previstos em lei para a deflagração do movimento de paralisação ocorrido, o qual foi pacífico e parcial. Conforme registrado na decisão, não houve falta grave, mesmo porque o trabalhador considerava que os seus atos estavam acobertados pela lei, ao integrar uma comissão representativa e participar de movimento grevista, após o fracasso das negociações prévias, procedimento que, inclusive, tem respaldo no artigo 3º da Lei 7.783/1989 e na Orientação Jurisprudencial nº 11 da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho.
“Considerando que foi legítima a participação do reclamante no evento considerado ilegal pela reclamada e que motivou a dispensa do empregado, reputo ilícita a justa causa aplicada e declaro que a dispensa decorreu de ato potestativo da reclamada, sem justa motivação, tendo em conta que o reclamante compunha a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio - CIPA na empresa e gozava da garantia provisória no emprego”, destacou a relatora.
Entenda o caso
A empresa do ramo de transporte coletivo de passageiros dispensou o motorista por justa causa, acusando-o de mau comportamento e da prática de ato de indisciplina e insubordinação, nos termos do artigo 482, alienas "b" e "h", da CLT. Contou que, em meados de outubro de 2021, ele teria deixado o posto de trabalho para liderar movimento de paralisação dos empregados da empresa. O argumento da empresa foi que o movimento seria ilegal, porque não teria contado com a “coordenação/intervenção” do sindicato da categoria profissional, em desacordo com o que determina a Lei 7.783/1989. Mas a tese da empregadora não foi acolhida pelos julgadores.
Lei de Greve
Inicialmente, a relatora esclareceu que a simples participação do motorista no movimento de paralisação não seria suficiente para caracterizar falta grave apta a autorizar a dispensa por justa causa. Para tanto, seria necessária prova de que o empregado, de fato, atuou na liderança de movimento ilegal e abusivo, devido ao descumprimento dos requisitos previstos na Lei de Greve.
É que, como constou da decisão, a adesão do empregado a um movimento paredista ou grevista não configura falta grave, nos termos da Súmula 316 do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a Constituição da República assegura o direito de greve, o qual está regulamentado pela Lei 7.783/1989. Os artigos 2º e 3º desta lei conferem aos trabalhadores o direito de suspenderem a prestação de serviços ao empregador, de forma coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, quando frustrada a negociação coletiva ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral.
Na decisão, foi ressaltado que a lei mencionada também estabelece os requisitos essenciais para deflagração de greve, dentre eles, a convocação de assembleia geral, destinada a definir as reivindicações da categoria e deliberar sobre a paralisação, bem como a prévia notificação aos empregadores. Segundo o pontuado, nos termos do artigo 14 do diploma legal, constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas legais, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
Assembleia prévia e comissão de trabalhadores
Para a relatora, o movimento de paralisação, o qual durou apenas três horas e contou com a liderança do motorista e de mais dois colegas de trabalho, ocorreu de acordo com a legislação aplicável e, portanto, não poderia ter sido considerado ilegal ou abusivo pela empresa. No contexto, o fato de o autor ter atuado como um dos líderes do movimento não configura falta grave, de forma a configurar a justa causa para a dispensa.
Ficou evidenciado no processo que, cerca de 20 dias antes da paralisação, foi realizada assembleia, com a participação do sindicato profissional, em que foram apresentadas reivindicações que visavam à melhoria nas condições de trabalho dos motoristas. Na oportunidade, também houve deliberação sobre a constituição de comissão de apoio, composta de três trabalhadores, dentre eles o reclamante, os quais agiriam como porta-vozes das negociações entre empresa e sindicato.
Conforme pontuou a relatora, a empresa recebeu as reivindicações dos trabalhadores, mas não reconheceu a representatividade da comissão integrada pelo reclamante, respondendo, por ofício ao sindicato profissional, que o acordo coletivo ainda não havia sido firmado, razão pela qual seria inoportuna a manifestação dos empregados. Na oportunidade, a empregadora ainda afastou qualquer possibilidade de que fosse conferida estabilidade provisória aos empregados que integravam a comissão representativa. Nesse quadro, as negociações entre o sindicato e a empresa não evoluíram e tiveram fim no mês anterior à assinatura do acordo coletivo de trabalho, em agosto de 2021.
Para a relatora, a circunstâncias apuradas demonstraram que, inicialmente, houve a tentativa prévia de solucionar o conflito, de forma direta e pacífica, o que afasta o caráter abusivo e ilegal da greve, ao contrário do entendimento adotado na decisão de primeiro grau. “A empresa atuou em represália à manifestação dos trabalhadores depois de ter recusado a reabertura das negociações e a assembleia geral dos trabalhadores foi realizada para definir as reivindicações da categoria e deliberar sobre a paralisação, seguindo-se a notificação da empresa”, observou a juíza convocada.
Contribuiu para o entendimento da relatora o fato de a própria ré ter reconhecido que o "movimento paredista durou apenas três horas" e de documento ter comprovado que o veículo conduzido pelo autor ficou paralisado por apenas 1h30min. Além disso, não existiram dúvidas sobre a natureza pacífica da paralisação improvisada pelos empregados, que, nas palavras da relatora, “buscavam melhores condições de trabalho, como lhes assegura o ordenamento jurídico”.
De acordo com a conclusão adotada, não existiu greve abusiva e, dessa forma, não se configurou a falta grave atribuída ao motorista pela ex-empregadora, pelo simples fato de ele ter participado de movimento paredista como um integrante da comissão representativa de trabalhadores. Inclusive, a relatora chamou a atenção para o fato de que a constituição de comissão de negociação é direito assegurado aos trabalhadores pelo artigo 4º da Lei de Greve. Houve recurso de revista da empresa, que não foi admitido.