Nove primos de vítima de Brumadinho têm indenização negada
A Justiça do Trabalho negou o pedido de indenização por danos morais a nove primos de um trabalhador morto após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, na cidade de Brumadinho, em 25/1/2019, tragédia que completa hoje três anos e dois meses. Apenas a avó do profissional, o qual exercia na unidade a função de mecânico montador, receberá indenização por danos morais no valor de R$ 80 mil, visto que foi negado ainda o pedido do casal de tios, que integram também a autoria da ação trabalhista. A decisão é dos integrantes da Quinta Turma do TRT-MG, que mantiveram, sem divergência, a sentença do juízo da 5ª Vara do Trabalho de Betim.
A família do trabalhador alegou na ação que sofreu forte impacto emocional “em razão da referida perda, pois possuíam relação íntima e de puro afeto com o 'de cujus'”. Testemunhas ouvidas confirmaram que a família era muito unida. Uma delas disse que o grupo chegou a morar próximo quando o trabalhador era mais jovem, e que via sempre todos nas reuniões de igreja aos domingos.
Apesar de revelar a excelente convivência entre o falecido e os familiares, o juízo da 5ª Vara do Trabalho de Betim entendeu que os depoimentos não provam a convivência diária, habitual e íntima entre eles, especialmente na vida adulta do trabalhador. Pela sentença, não há prova de relacionamento especial com os autores da ação, exceção feita à avó. “As particularidades de se encontrarem na igreja ou em reuniões familiares episódicas não têm o condão de elevá-los a tal patamar. No caso da avó, o parentesco em linha reta ascendente torna a perda do ente em dano in re ipsa, o qual somente poderia ser afastado se comprovado ruptura da relação avó e neto, o que não se vislumbra no caso”.
A família interpôs recurso contra a decisão, reforçando o pedido de indenização e ainda a majoração do montante arbitrado na sentença em favor da avó da vítima. A contratante alegou que cumpriu as normas de segurança e saúde do trabalho, não tendo havido culpa no acidente. Afirmou ainda que só são legitimados para sofrer os danos morais em ricochete aqueles que possuem estreita relação afetiva com a vítima, como cônjuge, filhos e pais.
Em relação à responsabilidade objetiva da empresa, o desembargador relator Paulo Maurício Ribeiro Pires concordou integralmente com as ponderações do juízo da 5ª Vara do Trabalho de Betim. “Ao realizar a deposição de rejeitos de mineração, a empregadora criou risco acentuado aos trabalhadores e terceiros, o que, sabidamente, resultou na tragédia do rompimento da Barragem, sendo, portanto, suficiente estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta praticada e o resultado danoso para que surja o dever de indenizar”.
Para o desembargador, o caso realmente atrai a responsabilidade objetiva da mineradora, visto que o trabalho do mecânico montador ocorria em área de mineração, que implicava altíssimos riscos à integridade física e sobrevivência dele. “E é óbvio que, por imperar no Direito do Trabalho o princípio da alteridade, não é permitido transferir qualquer risco aos trabalhadores - devendo-se o risco, aqui, ser encarado em seu sentido amplo, não se limitando aos perigos de ordem meramente financeira, mas também aos riscos sociais, às perdas humanas”, ressaltou.
O julgador pontuou ainda que o parentesco em linha reta ascendente observado nos autos em relação à avó afasta a necessidade de prova do dano, “haja vista a subversão da ordem natural da vida, que impõe aos mais velhos a angústia de ver partir prematuramente o familiar que viram crescer, prestaram cuidados e devotaram amor e preocupação. Sofrem os avós pela própria perda e pela perda dos filhos deles, pais do neto falecido”.
Dessa forma, o julgador reconheceu configurado o direito da avó de ser indenizada por danos morais. Quanto ao valor, o magistrado observou que a reparação do dano moral significa uma forma de compensação e não de reposição valorativa de uma perda. Para o magistrado, a indenização deve ser fixada segundo o arbítrio do julgador, observando-se as peculiaridades do caso concreto e o princípio da proporcionalidade. “A meu ver, o referido montante é plenamente adequado ao caso em questão, por ser consentâneo com a extensão do dano, com a situação econômica das partes, com a natureza pedagógica da reparação e com os valores estipulados em outras demandas similares”.
Quanto aos primos e ao casal de tios, o relator também não identificou vínculo afetivo especial na relação entre eles e o trabalhador falecido. “Certo é que a convivência decorria de residirem em locais próximos e de frequentarem a mesma igreja, não havendo, no entanto, coabitação ou dependência econômica de qualquer tipo. A prova testemunhal não conseguiu demonstrar o necessário vínculo especial entre eles”, concluiu o julgador negando provimento aos apelos.
O juízo da 5ª Vara do Trabalho de Betim acolheu ainda a preliminar de conexão/continência (indicação da existência de ações semelhantes propostas em separado, para que sejam reunidas e julgadas em conjunto) e extinguiu o processo sem resolução de mérito para outras quatro pessoas que também foram autoras da ação. Em grau de recurso, o relator concordou integralmente com o entendimento de origem. “Verifica-se a existência de continência desta demanda com as ações por eles ajuizadas perante o Juízo Cível, sendo as últimas mais abrangentes que a presente ação, aplicando-se ao caso o disposto no artigo 54 e seguintes do CPC”, concluiu. Cabe recurso da decisão.
Fotoarte: Leonardo Andrade