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Liberdade de expressão do empregado nas redes sociais e seus limites

publicado: 07/07/2015 às 00h07 | modificado: 03/12/2018 às 03h09

 

Ao analisar as particularidades do caso, a juíza Adriana Orsini lembrou que o tom usado nas redes sociais é mesmo mais informal. Nas últimas eleições, sobretudo, a utilização desse meio de comunicação atingiu proporções inéditas. Um fenômeno considerado por analistas capaz de impactar o rumo da política, já que comunicação virtual abriu espaço para o aprimoramento dos debates políticos, aumentando a participação da população na política.

Nesse contexto, a julgadora ponderou ser inegável existência da rede social Facebook como um meio ativo de comunicação informal nos dias de hoje. São compartilhamentos, textos, fotos, "memes", comentários, reportagens, além de ser extensão de espaço de expressão de direitos da personalidade. Ela chamou a atenção para o fato de o próprio Jornal autor da ação estar inserido na internet, medida, aliás, que se impõe aos meios de comunicação. Isto tudo, sem falar, da utilização do Facebook como espaço de interação pessoal, familiar e de amizade.

No caso em discussão, as testemunhas ouvidas afirmaram que não havia proibição de acesso a internet no local de trabalho, muito menos ao Facebook. "Na dinâmica laboral o acesso as redes sociais era permitido, como também, importante ferramenta de conexão com notícias e acontecimentos no dia a dia da redação", constatou a juíza.

O que aconteceu é que, pouco antes do segundo turno da eleição presidencial, o Jornal publicou pesquisas de institutos com resultados bem distintos. Para capa, escolheu a pesquisa "destoante". Na avaliação da juíza, a empresa assumiu o risco de provocar reações variadas de seus leitores, inclusive de seus próprios empregados. Ela considerou previsíveis as reações de perplexidade e os comentários nas redes sociais sobre as divergências. Citando doutrina, explicou que a capa de jornal serve como um atrativo para o leitor. Funciona como uma vitrine, detendo recursos persuasivos para posterior leitura do jornal.

E a repercussão da publicação foi mesmo a esperada. Pelos documentos juntados aos autos, a magistrada pôde verificar a manifestação de usuários, que acusavam o veículo de tendencioso e favorável a determinado candidato. Alguns comentários demonstravam ceticismo quanto aos resultados das pesquisas publicadas.

Foi nesse ambiente que o jornalista postou seu questionamento sobre a confiabilidade do instituto de pesquisa pelo Facebook no dia seguinte à eleição. Ele citou opinião de amigo da rede social, entre aspas, explicando que o comentário se dava "diante das loucuras levantadas por certos institutos de pesquisa". O fato de haver na foto manchetes de três edições do Jornal, reproduzindo resultados das pesquisas que atribuíam vantagem ao candidato perdedor, não foi encarado como problema pela juíza. "Parece razoável que no dia seguinte a proclamação do resultado da eleição, que a diferença do resultado das urnas e o resultado de alguns institutos de pesquisa fosse assunto corriqueiro nas redes sociais, exatamente pela utilização maciça deste meio de comunicação", ponderou, entendendo que o jornalista não cometeu nenhum excesso em seu comentário pessoal, mesmo porque a parte de sua autoria foi somente a frase "loucuras levantadas por certos institutos de pesquisa".

 

A conclusão foi reforçada pelo depoimento do autor da citação feita pelo jornalista. Ouvido como testemunha, ele afirmou que utilizava constantemente as redes sociais para expressar suas opiniões, tecendo críticas à atuação da imprensa mineira. Mas isso se dava de maneira geral e não de forma específica ao Jornal autor da demanda.

"O pluralismo político está previsto no texto constitucional como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, V da CR), o qual só pode ser garantido se respeitado o direito a manifestação do pensamento, de crença religiosa, de convicção política ou filosófica e de associação sindical (art. 5º, IV, VI, VIII e XVII da CR)", foi registrado na decisão, acrescentando a juíza, ainda, que "A liberdade de pensamento e de expressão é um direito fundamental previsto no art. 5º, IV da CR/88". Por outro lado, ela apontou que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, conforme prevê o artigo 220 da Constituição, sendo vedada a censura de natureza política, ideológica ou artística (parágrafo 2º, artigo 220).

Na visão da juíza sentenciante, o espaço da relação empregatícia não destoa da aplicabilidade dessas normas. Quer porque se trata de redação de um jornal, quer porque a ideia de comunicação social se estende e manifesta perfeitamente nas redes sociais. "A utilização de rede social, ambiente notoriamente informal, para expressar críticas, seja a partidos, candidatos ou à imprensa, é mera decorrência do exercício dos direitos constitucionais e políticos de qualquer cidadão", salientou.

Ela ponderou que o comentário do jornalista foi breve e não foge à forma e ao conteúdo de inúmeros outros comentários publicados nas redes sociais ou nos próprios espaços disponibilizados pelos jornais na internet. Ele foi informal e despretensioso, em conversa "social" com seus "amigos do Facebook".

Considerando que os resultados das pesquisas divulgados pelo Jornal foram alvo de críticas em nível nacional, a julgadora não enxergou na postagem do empregado acusação formal contra o patrão. Para ela, não houve excesso que dê ensejo ao acolhimento de falta grave, sobretudo considerando o contrato de trabalho de 27 anos de um empregado que é dirigente sindical. Ainda que se tratasse de crítica direcionada especificamente ao Jornal, não seria, segundo a magistrada, situação grave o suficiente para ser considerada atentado à honra e boa fama do empregador.

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