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Min. Carlos Velloso defende uma Constituição renovada e renovadora

publicado: 29/10/2018 às 00h02 | modificado: 28/10/2018 às 09h48

1___semana_formativa___Carlos_Velloso.jpgÚltimo a falar na tarde de palestras da “1ª Semana Formativa de Magistrados do TRT-MG”, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário da Silva Velloso, também propõe uma indagação, ao refletir sobre os 30 anos da CF/88: será que precisamos de uma nova constituição ou de uma constituição renovada e renovadora? “A Constituição brasileira de 1988 é uma boa constituição, moderna e inovadora, mais condenada por suas virtudes que por seus defeitos”, pontua e já emenda outra questão: em que ela poderia ser renovada para ser renovadora?

Em resposta, ele enumera, exatamente, algumas das virtudes da nossa balzaquiana Carta política: é uma Constituição democrática; faz da dignidade da pessoa humana fundamento da República, adotando como pilares a livre iniciativa e valor social do trabalho; coloca o indivíduo como razão de Estado, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais antes mesmo da organização do Estado, ou seja, tem no homem, no indivíduo, a sua razão fundamental; realiza o pacto dos direitos individuais com os direitos sociais, a exemplo da Carta de 34; consagra a liberdade e a igualdade, além do princípio da legalidade.

Além desses, a nossa Carta em vigor institui os chamados direitos de terceira e quarta gerações, como os interesses difusos e coletivos, que repercutem internamente e no campo internacional, e os relativos à própria democracia. E mais: pela primeira vez, criminaliza o racismo no Brasil, tornando-o imprescritível e inafiançável; aboliu o banimento, a pena de morte, os trabalhos forçados, as penas cruéis; afirmou o repúdio da Nação à tortura. No campo dos direitos sociais, criou o SUS e o seguro-desemprego, além de ter instituído a meritocracia como regra para ingresso no serviço público. Fortaleceu o Poder Judiciário e ampliou o controle externo do Executivo e do Legislativo e as atribuições do Ministério Público e dos Tribunais de Contas da União e dos Estados. E, ainda, algo crucial: instituiu a garantia de independência dos juízes e dos tribunais, que ganharam autonomia administrativa e orçamentária.

No rol dos defeitos, o ministro incluiu o fato de que a Constituição de 1988 ficou muito  extensa. “Chega a ser prolixa”, critica, citando artigos que tratam de pontos que, nem de longe, mereceriam status constitucional, como questões de identificação e referência ao colégio Pedro II. Ele concorda com o ministro do STF, também aposentado, Nelson Jobim, quando este diz que a nossa Constituição precisa de uma “lipoaspiração”.

Mas, para o palestrante, não é o caso de se discutirem propostas de uma nova Constituição. Segundo explicou, a de 1988 foi elaborada por uma Assembleia Constituinte eleita para tal - e isso, depois e de sairmos de décadas de um regime autoritário. Aí, sim, plenamente justificável. Mas o que temos hoje, de acordo com Velloso, é uma crise no sistema de representação. “A democracia se realiza através de partidos políticos e hoje temos um esfarinhamento de partidos”, pondera, ao informar que temos hoje 36 partidos registrados, 26 dos quais com representação no Congresso e mais uns 50 pedidos de registro de novos partidos. Nesse caos partidário, acredita que os eleitores não se sentem representados.

Velloso defende a chamada cláusula de barreira (que impõe um desempenho mínimo para que o partido possa existir e ter acesso ao fundo partidário, por exemplo) e lamenta que esta tenha sido declarada inconstitucional pelo STF. “Em razão dessa multiplicidade de partidos, temos o presidencialismo de coalizão, que, na verdade, deveria se denominar de cooptação”, dispara. Ele entende como positiva a minirreforma política implementada no ano passado, por emenda constitucional, que criou uma nova cláusula de barreira. Embora mais branda, ela já vai levar ao afastamento ou extinção de 14 partidos políticos, além de impor restrições progressivas  para os próximos pleitos.

“Posto isso, não valeria a pena repensar nossas instituições e procurar realizar a democracia e a República que queremos?”, provoca, defendendo que, diante dessa crise política e de descrédito da população com os políticos, deveríamos pensar em um modelo parlamentarista para o Brasil e também em adotar o sistema de voto distrital, ainda que misto, em lugar do voto proporcional puro, que só existe no Brasil. Como vantagens do sistema distrital, ele cita a representação geográfica e a redução do número de partidos.

De acordo com o palestrante, há desafios a serem enfrentados, mas tudo é possível de se resolver com emendas constitucionais. Ele também defende, como solução para a crise, o fim da reeleição e as reformas tributária e previdenciária.

Para Velloso, o Judiciário brasileiro é sério, seguro e não tem a mazela da corrupção. “Sua mazela é a morosidade, mazela essa que a Justiça do Trabalho não conhece em sua verdadeira extensão”. Ele credita a lentidão processual, que atropela o Judiciário, ao modelo de processo adotado no país, com um contraditório e ampla defesa muito extensos e recursos praticamente ilimitados, além do fato de termos em tramitação mais de 100 milhões de processos, um para cada dois brasileiros. “Desse jeito, não há Justiça que possa ser rápida”, pontua, novamente excetuando a Justiça Trabalhista, que tem um processo menos formalista e, por isso, muito mais ágil. Nesse ponto, ele alerta para o risco de se transformar processo em ciência: “Claro que tem certas regras e princípios essenciais ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa. No mais é a intelectualização da burocracia judiciária em detrimento do direito material”, dispara, emendando que o CNJ deveria dispensar ao tema a importância que ele merece.

Mas, ao fim, conta o ministro que o Judiciário brasileiro, por sua autonomia e independência dos seus magistrados, já foi considerado referência internacional, justamente, em razão dessas garantias. “Portanto, o juiz que tergiversa não o faz por falta de garantias, mas por falta de caráter”, acentua.

Em conclusão, o ministro defende que, a par das muitas reformas propostas, devemos lutar para preservar o pluralismo político e a liberdade de expressão e de imprensa e demais garantias que a Constituição institui. Ele acrescenta que é muito importante prosseguir com o combate à corrupção e a CF/88 possibilita que isso seja feito dentro das garantias do devido processo legal. Mas sustenta que, para tanto, é preciso combater o foro privilegiado. Até porque, na avaliação do ministro, o STF não tem condições de instruir e julgar centenas de ações penais originárias. A vocação do STF, conclui, é julgar recursos e fortalecer a sociedade civil e sua capacidade reivindicatória, garantindo o respeito, não só à literalidade normativa, mas também ao espírito da Constituição vigente.

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