NJ Especial - 3º Painel: Saúde e segurança no trabalho.
Profª. Andréa Silveira: São muitas as violências no trabalho.
A médica e professora da UFMG Andréa Maria Silveira falou sobre “Violências no Trabalho”, o que, por definição, caracteriza-se como o comportamento vexatório de ameaça, insulto, agressão física ou verbal a pessoas no trabalho, chegando a comprometer a saúde do trabalhador. Os sintomas vão de depressão e insônia a traumas físicos e à diminuição do orgulho de trabalhar.
Segundo pontuou a professora, os profissionais que mais ficam expostos às situações de violência são policiais e outros que atuam em segurança, transporte, vendas a varejo e saúde. O maior risco é dos que lidam com pessoas (enfermeiros, agentes penitenciários) e dos que portam valores.
Falando sobre as formas de violências no trabalho, a palestrante identificou que tanto podem ser na forma verbal, moral ou psicológica (com ofensas, xingamentos, pressões) ou agressões físicas, passando pelo assédio sexual, além das opressões e segregações, como racismo e preconceitos de toda sorte.
A violência em números – De acordo com a palestrante, as estatísticas sobre a matéria são precárias, pois pouco notificadas, ou seja, a maior parte dos atingidos ainda escondem ou não denunciam as práticas de que são vítimas. Em uma pesquisa, 75,3% dos motoristas e cobradores de transporte coletivo entrevistados relataram ter sofrido alguma forma de violência durante a jornada de trabalho. Já entre os técnicos de enfermagem, 76,8% disseram ter passado por agressões por parte de pacientes e familiares, sendo 15,8% físicas e cerca de 40% abrangendo outras formas de violência.
Violência moral – Uma das formas de violência no trabalho, o assédio moral caracteriza-se pela exposição do trabalhador a situações vexatórias e humilhantes, em comportamentos repetitivos (não único), que podem ser praticados pelo chefe ou pelo grupo de trabalho. O que favorece o assédio, segundo a expositora, são comportamentos autoritários, desrespeitosos e preconceituosos, além de cobranças abusivas de metas. Caracterizam assédio, por exemplo: exclusão ou isolamento de trabalhadores, ameaças, abuso verbal, imposição de tarefas perigosas, rebaixamento, monitoramento excessivo, entre outros.
Efeitos sobre a saúde - Como resultado, a vítima passa a sofrer alterações psicossomáticas, como dores de cabeça ou de estômago, pressão alta e estresse, sendo comum, nesses casos, o aumento do uso de álcool ou drogas. Há também muitos relatos de suicídios.
Prevenção - De acordo com a professora, investir em prevenção é preciso, já que este ainda é o único remédio para o problema. Para tanto, aponta a melhoria das instalações de segurança (com circuitos de TV, alarmes, etc.), treinamentos, capacitação de vigilantes, implantação de políticas empresariais de convivência e de programas de controle da saúde moral dos empregados, além da criação e aplicação rigorosa de código de ética organizacional e campanhas de conscientização. Mas, uma vez praticados os atos desrespeitosos e de violência, é fundamental o combate às práticas abusivas com a penalização dos culpados (sobretudo, a dispensa de chefes que não atuam para prevenir ou reprimir a violência no trabalho) e a concessão de garantias às vítimas, como tratamento no pós-trauma. A palestrante sugere ainda a criação de uma instância de mediação de conflitos dentro da empresa para evitar o agravamento de situações incipientes, visando à restauração da harmonia interna.
Por fim, a professora destacou alguns fatores que favorecem as ocorrências, como desorganização do trabalho e a intolerância frente às diferenças. “A humilhação, ridicularização e intromissão na vida privada são alguns sintomas que permitem reconhecê-lo quando acontece. É importante dar visibilidade ao assunto para que façamos um movimento de empoderamento dos trabalhadores no sentido de denunciar e punir os assediadores”, arrematou, acrescentando que a solução está na educação, no desenvolvimento da habilidade retórica de expor argumentos, de negociar pontos de vista para evitar o conflito. “E isso se aprende na escola, formando-se uma sociedade que respeita o princípio da dignidade e os direitos humanos”, finaliza.
Dra. Márcia Rachel: O sofrimento mental no ambiente de trabalho é invisível e subnotificado.
Encerrando os painéis da manhã do seminário “Saúde e Segurança no Trabalho: enfrentamento e superação de violências”, a palestra da psicóloga Márcia Rachel Pires, chefe da Seção de Assistência Psicológica da Secretaria de Saúde do TRT da 3ª Região, teve como foco o sofrimento psíquico nos ambientes de trabalho. Conforme alertou a debatedora, os estudos e pesquisas apontam para os episódios depressivos, que os profissionais da área de psicologia chamam de “a dor de existir”. Márcia Rachel enfatizou que os episódios depressivos ocupam o primeiro lugar entre as causas de afastamento do trabalho, reconhecendo que o crescimento desses índices coincide, nos últimos anos, com a implantação de profundas transformações no contexto do trabalho. Nas palavras da psicóloga, uma série de sinais de alerta indicam o quanto nós precisamos cuidar da organização do trabalho, pois ela representa fator de risco para a saúde dos trabalhadores.
Na avaliação da palestrante, os métodos de gestão baseados apenas na produtividade mexem profundamente com a organização do trabalho, deteriorando a dimensão subjetiva, não só do exercício profissional, mas também da pessoa que somos, levando, inclusive, à deterioração da vida coletiva e das relações de trabalho nos dias atuais. “Todos os especialistas concordam que é preciso entender que as violências no ambiente de trabalho acontecem de diversas formas. São muito abrangentes, incluindo o assédio organizacional”. Essas são as palavras do juiz André Cavalcanti, gestor do Programa Trabalho Seguro da Paraíba, em recente palestra também sobre violências no trabalho naquele estado, que a palestrante fez questão de destacar. Segundo ele, a falta de um ambiente de trabalho onde impere o diálogo, o espírito de equipe, de colaboração, ou seja, um ambiente de trabalho saudável, pode levar ao adoecimento, ao estresse e aos transtornos mentais, que caracterizam o acidente de trabalho.
Lembrou Márcia Rachel que são várias as modalidades de violência: física, verbal, moral, psicológica, sexual, etc. De acordo com a palestrante, os fatores que favorecem essa ocorrência são, principalmente, a desorganização do trabalho e a intolerância frente às diferenças. Ela enfatizou que o gestor também precisa saber escutar e propiciar um espaço de trabalho adequado para o seu subordinado: quando e como dar feedback positivo e negativo, estabelecendo, assim, um constante diálogo com as pessoas que trabalham com ele, contribuindo para o crescimento profissional de cada um. “Na verdade, seria um modelo de gestão onde as pessoas estejam no centro de todas as atenções, principalmente no caso do adoecimento mental, que carrega grande preconceito e estigma”, sugeriu.
Conforme pontuou a debatedora, essa realidade carregada de preconceito e estigma não é diferente na instituição pública, onde existe uma verdadeira “caça às bruxas”, porque, quem adoece mentalmente, afasta-se por um tempo mais prolongado e, no seu retorno ao trabalho, ou é colocado à disposição ou fica relegado a um plano secundário, porque não produz o que a meta determina que seja alcançado nos resultados do trabalho.
A painelista cita os ensinamentos do Dr. Álvaro Crespo Merlo, médico, coordenador do ambulatório de doenças de trabalho do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e que, aliás, estará aqui no próximo mês, também em seminário do Programa Trabalho Seguro, trazendo a palestra sobre os processos de trabalho contemporâneos, o sofrimento psíquico e a saúde dos trabalhadores. Segundo a psicóloga, ele coloca que o trabalho ocupa uma posição tão relevante na vida das pessoas que passa a ter uma relação direta com as condições de saúde físicas e mentais. O trabalho gera prazer, mas também sofrimento que, por sua vez, pode se transformar em adoecimento físico e psíquico. Daí a sua estreita relação com a saúde. O sofrimento psíquico, segundo o Dr. Crespo Merlo, é invisível e subnotificado, antecedendo o adoecimento mental. A título de exemplo estatístico, a palestrante estima que, dos 4000 servidores do TRT-MG, 843 apresentem hoje sofrimento psíquico e resiliência nos seus ambientes de trabalho. “Isso nos chama a atenção para a forma como estamos organizando e cuidando da organização do trabalho nas nossas áreas”, ponderou.
Segundo Márcia Rachel, em seus estudos, o Dr. Crespo Merlo diz que o sofrimento psíquico que antecede o adoecimento mental é causado diretamente pelos novos métodos de gestão do trabalho e políticas de metas, sem dar condições para as pessoas realizarem o seu trabalho, sem saber de fato o que é necessário para o cumprimento dessas metas através da governança por números. “Uma coisa é o trabalho, outra coisa é a meta. O trabalho vai da demanda até atingir a meta. A meta não é o trabalho, do mesmo jeito que o tempo gasto com o trabalho não é a densidade do trabalho realizado, e isso pode trazer efeitos catastróficos à saúde mental dos trabalhadores”, prevê a palestrante.
Outra pesquisadora citada por Márcia Rachel é a Dra. Maria Elizabeth Antunes Lima, que pontuou claramente, no Congresso de Saúde Mental realizado no último mês de abril, que o que está doente é o trabalho. A palestrante concorda com a colocação da pesquisadora no sentido de que o trabalho precisa ser reformulado, sendo que a organização do trabalho precisa se preparar para suprir essa necessidade. Nesse contexto, ela propõe debates internos, coletivos, entre os trabalhadores sobre questões relativas ao próprio trabalho, considerando que os trabalhadores não suportam mais ver o seu trabalho sendo maltratado, nem a infelicidade pela sobrecarga e pelo cumprimento de metas em detrimento de bons resultados e da boa qualidade dos serviços prestados. “Muitas vezes, não medem esforços e limites humanos das condições físicas e psíquicas para a realização do trabalho que precisa ser feito”, completou.
Lembrou a palestrante que, em agosto do ano passado, esteve no TST o psiquiatra e psicanalista Christophe Dejours, renomado professor e pesquisador francês, que fez conferência sobre saúde psíquica e trabalho judicial. Na ocasião, o professor francês abordou a questão da saúde dos magistrados, os cumprimentos de metas e resultados, até onde vai o limite para o cumprimento dessas metas e do trabalho que necessita ser realizado, sem gerar o adoecimento mental, e, principalmente, sem promover o sofrimento desses trabalhadores. Nesse contexto, Márcia Rachel relata que o pesquisador sugeriu uma gestão colaborativa, onde a reestruturação da cooperação é um meio essencial para os magistrados e também no caso dos servidores, para que possam sair do medo da solidão. Nesse sentido, seria o meio mais eficiente para poder vencer o sofrimento ético no trabalho.
Conforme destacou a psicóloga, todos os especialistas consultados ensinam que o enfrentamento e a superação das violências no trabalho estão relacionados diretamente com o nosso comportamento emocional, com a nossa personalidade, para disponibilizarmos, uns aos outros, cooperação, colaboração, solidariedade, debates entre os coletivos de trabalho, todos esses tidos como fatores de proteção à saúde mental.
Então, de acordo com a colocação da palestrante, todas as estratégias apontadas pelos especialistas parecem simples, mas não o são. Reiterando a observação anterior feita pelo Dr. Sebastião na abertura do seminário, ela afirma que são desafios para nós ainda hoje, na nossa personalidade, a ascensão dos direitos da personalidade, e precisamos, sem economia nenhuma, utilizar o princípio da abundância da solidariedade nos ambientes de trabalho. “Precisamos conversar sobre os problemas que estamos enfrentando, dividir melhor o nosso trabalho, fazer a reengenharia da área: enquanto uma pessoa adoece, como vamos distribuir as nossas tarefas, as nossas atividades? Até onde podemos ir sem causar a nós mesmos e ao nosso próximo o sofrimento psíquico e o adoecimento dos ambientes de trabalho?”, questionou.
Nas palavras da palestrante, os valores humanos não podem, de forma alguma, ser voláteis. Ela entende que o sofrimento psíquico permanece imperceptível até fazer parte de uma estatística, quando então nos damos conta dessa realidade cruel que cresceu invisível. De acordo com as ponderações da psicóloga, é necessário construir conexões que fortaleçam, no universo do trabalho, o nível de compreensão e respeito ao sofrimento psíquico, especialmente ao adoecimento mental. Isso porque, como o sofrimento psíquico é invisível, conforme ressalta o Dr. Roberto Crespo Merlo, é como se não conseguíssemos perceber a dimensão do sofrimento do outro, que pode ser também a nossa dimensão de sofrimento mental. Mas, quando esse adoecimento mental é realmente concretizado, por meio de um afastamento do trabalho ou de uma licença médica, aí, sim, podemos notificar e garantir que essa pessoa, que esse trabalhador está oficialmente afastado por adoecimento mental. “Aqui fica a minha pergunta: será que precisamos adoecer mentalmente para cuidarmos de nós, das nossas limitações, da nossa saúde emocional? Será esse o caminho? Com certeza, não”, concluiu.
Esta é a percepção da psicóloga, uma profissional com 36 anos de experiência na área da saúde mental, fazendo escuta de trabalhadores de toda natureza: “Podem acreditar! Profissionais da área de saúde são os que mais se matam hoje. As estatísticas de suicídio estão aí demonstrando...”. Nesse ponto, ela faz questão de deixar uma palavra de ânimo e de coragem, para enfatizar que existe intervenção precoce ao sofrimento psíquico.
Ao finalizar sua exposição, a psicóloga Márcia Rachel alertou que nós só não podemos fazer o que a OMS (Organização Mundial da Saúde) tanto divulga: que pessoas levam de 9 a 14 anos para buscar ajuda profissional especializada, porque o adoecimento mental até hoje é carregado de preconceitos, estigmas e constrangimento. “O problema é a invisibilidade da depressão e do sofrimento psíquico. Às vezes, a pessoa está deprimida e ninguém sequer percebe, a não ser que ela já esteja tão adoecida que não consiga mais se levantar da cama. Nós não precisamos chegar a esse ponto para cuidar da saúde mental, especialmente nos ambientes de trabalho”, finalizou.