NJ Especial: Des. Júlio Bernardo fala sobre contrato intermitente no Leis & Letras em sua homenagem
A última edição do Projeto Leis & Letras do ano de 2017, ocorrida dia 30 de novembro, promoveu o lançamento do livro Direito do Trabalho na Contemporaneidade, em Homenagem ao Desembargador Júlio Bernardo do Carmo. A obra foi organizada pelos advogados Davidson Malacco Ferreira, Deophanes Araújo Soares Filho, Felipe de Ávila Ferraz e Marcelo Soares e teve como um dos articulistas o próprio homenageado, o presidente do TRT-MG.
Ao abrir o evento, o desembargador Júlio Bernardo do Carmo expressou seu sincero agradecimento aos colegas, organizadores da obra em sua homenagem, e a todos os amigos que atuaram como colaboradores no livro. Fazendo um breve retrospecto da sua trajetória, ele disse ter participado de inúmeras obras jurídicas coletivas, sobre os mais variados temas do Direito e do Processo do Trabalho, tendo já escrito quase uma centena de artigos doutrinários para revistas especializadas. É também o autor de um livro sobre indenização por danos morais e sua repercussão na seara civil e trabalhista. Como conferencista, atuou em vários congressos, ao lado de juristas ilustres, inclusive na OIT, em Lima, no Peru, onde falou sobre terceirização lícita e ilícita.
Sua labuta na magistratura já data de 37 anos, peregrinando por várias unidades judiciárias da 3ª Região. Presidiu várias Juntas de Conciliação e Julgamento até chegar, por merecimento, a desembargador do TRT-MG em 1999, já tendo sido diretor da Escola Judicial e, agora, presidente da Casa. O desembargador Júlio Bernardo é também professor da UFMG, onde cursou doutorado em Direito Civil.
“Talvez essa longa trajetória me faça um pouco merecedor de tão honrosa homenagem”, expressou o desembargador, ao parabenizar os autores pela criteriosa escolha dos temas abordados, segundo ele, todos de grande interesse neste momento em que novas leis, principalmente o novo CPC e a Reforma Trabalhista, entram em vigor, “constituindo fonte segura para dissipar dúvidas jurídicas que os novos tempos nos trazem nesse cenário de alta tecnologia, terceirização, automação e uberização das relações de trabalho”, pontuou, agradecendo, mais uma vez, aos amigos pela homenagem.
No evento, ele proferiu palestra sobre Contrato de Trabalho Intermitente, tema do seu artigo na obra. (Confira abaixo).
Leis&Letras especial - O diretor da Escola Judicial, desembargador Luiz Ronan, ressaltou que essa edição do Leis & Letras teve conotação especial, não só pela justa homenagem ao presidente do TRT mineiro, como também pela importância da obra, marcada pela pluralidade de temas atuais e relevantes. “Os organizadores lograram reunir um elenco qualificado de autores, entre magistrados do trabalho, advogados, professores, procuradores do trabalho e peritos judiciais, abordando questões diversas de direito material e processual do trabalho, problemáticas mais amplas e específicas, assuntos da ordem do dia, como a recente reforma trabalhista e o novo CPC, e assuntos que já vinham sendo discutidos há mais tempo, como a questão do assédio e do teletrabalho”, destacou, ressaltando que essa pluralidade demonstra claramente o nível de evolução, maturidade e complexidade alcançado pelo Direito do Trabalho. Para ele, um ramo jurídico só alcança tal patamar, na medida em que consegue estabelecer uma relação de interlocução profunda com o Estado Democrático de Direito. “Não poderia ser mais perfeita e feliz a adequação entre o conteúdo de uma obra como essa e o perfil do magistrado homenageado”, finalizou, exaltando a sólida e diversificada trajetória do desembargador Júlio Bernardo do Carmo, marcada, sobretudo, pelo compromisso com a democracia e pela profundidade jurídica e riqueza humanística de suas decisões.
Já o advogado Marcelo Soares expressou o respeito e o carinho que todos os que atuam na seara trabalhista nutrem pelo desembargador Júlio Bernardo, bem como o orgulho pelo trabalho que foi feito em homenagem a ele.
CONFIRA as palestras do dia do evento:
Davidson Malacco : Direito desportivo em foco
O advogado Davidson Malacco Ferreira enfatizou o seu desejo em eternizar a homenagem ao Dr. Júlio Bernardo através do livro, cujos votos de tamanha profundidade muito lhe serviram para aprendizagem. Em sua palestra, tratou sobre as formas de solução de conflitos do direito desportivo, disciplina que leciona nos cursos de graduação e pela qual se apaixonou. Para ele, o direito desportivo, em termos de forma de solução de conflitos, de certo modo, atua na vanguarda na solução desse tipo de controvérsia.
Ao falar sobre a mediação no Direito Desportivo, instrumento que, inclusive, já vem sendo bastante utilizado, ele informou que a CBF tem uma câmara nacional de resolução de disputas no campo desportivo, na qual foram levados, só neste ano, 51 casos, desafogando o Poder Judiciário e os próprios tribunais de direito desportivo. Então, para ele, o Direito Desportivo tem muito a aprender, mas também tem muito a ensinar ao Direito do Trabalho.
Pontuou o palestrante que a diretriz do seu trabalho, no artigo publicado, foi procurar demonstrar a importância dos métodos alternativos de solução de controvérsias. E fazendo um link da Reforma Trabalhista com a advocacia, ele afirmou entender que ela deve ser vista como uma oportunidade para novos campos de atuação, como é o caso da arbitragem no Direito Individual do Trabalho. Disse acreditar que a tendência de discussão sobre as questões limítrofes do negociado sobre o legislado também vai trazer para a advocacia trabalhista consultiva e preventiva um campo de atuação muito significativo no Direito Coletivo do Trabalho. Como também é o caso da jurisdição voluntária trazida pela reforma e da atuação específica do advogado na representação das partes para os acordos que podem ser celebrados.
Filipe de Ávila: Dano moral em tempos de reforma
Após reiterar as homenagens prestadas ao Dr. Júlio Bernardo, Felipe de Ávila Ferraz passou a fazer explanação sobre o tema “O dano moral na Reforma Trabalhista e as novas formas de Assédio Moral”, com o intuito de promover uma reflexão sobre o instituto que, a seu ver, acabou passando por uma banalização, muito provavelmente em razão da grande quantidade de demandas, muitas vezes infundadas, sobre o tema.
Em sua exposição, ele citou os novos dispositivos da matéria introduzidos pela Reforma Trabalhista, que acrescentou à CLT o título 2-A, regulamentando o dano extrapatrimonial. Na sua visão, a questão mais polêmica foi a parametrização da indenização, pois, a princípio, tarifou o dano moral de acordo com o último salário contratual do ofendido. Isso porque o legislador valorou a honra e a imagem de uma pessoa de acordo com o salário por ele recebido, o que o advogado reputa ser materialmente inconstitucional, por violar o princípio da isonomia.
Em razão dessa grande discussão, o palestrante esclareceu que a Medida Provisória 808 foi editada três dias após a vigência da Reforma Trabalhista e trouxe uma nova regulamentação sobre o tema, estabelecendo como parâmetro da indenização dos danos morais o teto do INSS, que hoje beira o valor de R$5.500,00. E, como registrou, também regulamentou outra situação, excluindo a aplicação desses parâmetros estabelecidos nos casos de danos extrapatrimoniais decorrentes de mortes.
Outro ponto abordado foi o assédio moral virtual, pontuando o advogado que hoje ele é tratado como gênero pela doutrina, sendo dele espécies:
1) Assédio moral eletrônico: que se caracteriza como sendo aquele ocorrido dentro da empresa, mas com utilização de meios eletrônicos.
2) Tele-assédio moral, que seria aquele praticado em um ambiente remoto de trabalho, em caso de teletrabalho, home office.
3) Cyberbullying, ataques à honra e dignidade das pessoas, intimidações e humilhações praticados pela internet.
Ressaltando que essas formas de assédio moral podem ser comparadas com as formas clássicas do instituto, o advogado exemplificou dizendo que ele pode ocorrer quando um empregador, de forma abusiva, chama a atenção de um empregado em um grupo de Whatsapp, gerando constrangimento a este. Ou, por outra, se um empregado é deliberada e injustificadamente excluído de um grupo de Whatsapp da empresa, do qual todos os demais participam.
No entender do palestrante, devemos dar mais atenção a esses novos tipos de assédio moral, uma vez que essas formas podem tomar dimensões muito maiores que o assédio moral clássico, pelo próprio alcance global da internet e o seu potencial absurdo de invadir a privacidade e destruir reputações. Como explicou, uma imagem na internet, por exemplo, pode ser compartilhada e, em minutos, atingir milhões de pessoas. Outro diferencial do assédio moral virtual, como acrescentou, é o fato de o ofensor poder se esconder, com uso de “fakes” e pseudônimos, dificultando sua identificação.
Por fim, o advogado manifestou preocupação com esse fato, cada vez mais frequente, e lamentou que, infelizmente, nem o fato de os especialistas se debruçarem sobre esse tema será capaz de coibir essa prática tão recente, cabendo a nós ficarmos atentos aos desdobramentos que essa prática pode trazer e à futura regulamentação que pode advir sobre a matéria.
Des. Júlio Bernardo: “O contrato intermitente é a mais vergonhosa precarização imposta pela reforma trabalhista”
Abordando o tema contrato de trabalho intermitente, o desembargador Júlio Bernardo do Carmo fez ligeira incursão na legislação trabalhista europeia, antes de analisar a legislação pátria, para expor como esta forma de precarização de trabalho é normatizada por outros países.
O palestrante frisou que o contrato de trabalho intermitente, considerado uma das mais flexíveis formas de emprego que o Direito do Trabalho Europeu regulamenta, é o oposto, ou mesmo o reverso, do contrato de prazo de trabalho por prazo indeterminado. Isso porque neste tipo contratual o trabalhador goza de um meio seguro de emprego, enquanto aquele consiste em um contrato fugaz, precário ao extremo, no qual a força de trabalho do empregado só é utilizada em determinados períodos, podendo o trabalhador intermitente ter prévio conhecimento ou não dos períodos em que terá trabalho e remuneração e daqueles em que poderá dispor de tempo livre, sem remuneração e trabalho, até ser convocado novamente pelo empregador.
Conforme expôs, a chamada relação laboral típica, consistente no contrato de trabalho indeterminado, só foi possível na chamada época de ouro, quando a economia mundial e nacional estava aquecida e o mercado de trabalho propício a contratações mais seguras e estáveis, principalmente na época fordista-taylorista. Porém, a partir da década de 70 até os dias de hoje, com a chamada crise do petróleo, a globalização, o surgimento de novas tecnologias de trabalho, a automação massiva, a robotização e o contínuo e refinado aperfeiçoamento da tecnologia da informação, o direito do trabalho entra em crise mundial, surgindo verdadeira erosão em sua forma clássica e o aparecimento de contratos atípicos e precários, dentro de um contexto de flexibilização das relações de trabalho.
Crise exige flexibilização - Ele observou que esse conceito de flexibilidade no mercado de trabalho se origina da consideração de que a proteção clássica do emprego constitui um entrave, o denominado custo fixo do fator trabalho, e pode ser definido como a capacidade que a empresa tem de modular a segurança do emprego segundo as realidades econômicas.
“A flexibilidade, surgida, assim, no contexto da crise, era um conceito intelectualmente sedutor, sendo ainda hoje a palavra mágica de nossos dias, dando origem às formas precárias de emprego, como possível panaceia para conter os males do mercado de trabalho, na medida em que permitiria diminuir os custos fixos associados à mão de obra e, assim, multiplicar as potencialidades desse mercado, nomeadamente pela utilização de formas de emprego mais versáteis que sacrificam o padrão clássico do Direito do Trabalho, minando de vez com o desejado princípio da estabilidade nas condições de trabalho” – pontuou o palestrante, acrescentando que essa onda de precarização do trabalho traduz-se, principalmente, no crescimento das relações de trabalho precárias ou marginais, no aumento significativo do trabalho autônomo e dos casos de “uberização” e de para-subordinação que informam a realidade laboral do mundo atual.
Intermitência será a regra - Diante de todas essas transformações, o palestrante disse se sentir autorizado a afirmar, com convicção, que uma carreira laboral única na vida do trabalhador será exceção, sendo que ao longo da vida, as pessoas terão períodos de trabalho e de desocupação, atividades a tempo integral e a tempo parcial.
“E é precisamente nesse clima de erosão da relação laboral típica e da procura inevitável de instrumentos de flexibilidade que continuam a responder às sucessivas e prementes exigências do mercado, que surge a figura do chamado contrato de trabalho intermitente, tido como a mais odiosa e precária forma de trabalho idealizada pelo capitalismo e se nos apresenta como um recurso extremo de adaptação, de plasticidade e de maleabilidade do trabalho humano, em cujo âmago o conceito de heterodisponibilidade teve a audácia de ser estendido para limites que nenhuma outra figura do ordenamento jurídico laboral ousou arquitetar” – expôs o desembargador, acrescentando ser possível dizer, de forma enfática, que o contrato de trabalho intermitente é considerado o mais vergonhoso de toda a reforma trabalhista, apesar de ter sido idealizado como a ponte de ouro que libertará dos grilhões da indignidade milhões de pessoas atualmente aprisionadas no mercado informal de trabalho.
Como é lá fora - Ao tratar do contrato de trabalho intermitente em outros países, um dos registros feitos pelo palestrante foi o de que, na França, a regra é a igualdade de direitos entre os trabalhadores titulares de um contrato de trabalho a tempo completo, o que abrange os direitos legais, convencionais, individuais e coletivos. Em relação à Itália, o desembargador observou que são assegurados os direitos inerentes à contratação indeterminada quando celebrado um contrato intermitente, com fundamento no princípio da não discriminação combinado com o princípio da proporcionalidade. E frisou que esses princípios embasam a compensação retributiva a que o intermitente tem direito nos períodos de inatividade, já que a permanente heterodisponibilidade afeta sensivelmente sua qualidade de vida.
Intermitência tupiniquim - Ao tratar da regulamentação do contrato intermitente no Brasil, o desembargador pontuou que a Lei 13.467/17 (Lei da Reforma Trabalhista) instituiu no artigo 443, parágrafo 3º, o modelo mais precário de contrato de trabalho intermitente que sem tem notícia na história do Direito do Trabalho no Brasil, principalmente se comparado com os contratos similares previstos na legislação europeia.
Como observou, o contrato de trabalho intermitente é definido pela própria lei como o ajuste de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinado em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.
Apesar de a lei só excepcionar o aeronauta, o palestrante advertiu que, a seu ver, outros profissionais, cuja profissão é regulamentada por lei própria, também não podem ser sujeitados ao trabalho intermitente. Ele também frisou que a lei assegura isonomia salarial ao trabalhador intermitente, desde que este exerça a mesma função, ainda que esteja inserido no âmbito de um contrato de trabalho por prazo indeterminado.
Convocações, recusas e rescisão - Outro aspecto abordado pelo palestrante foi o de que, no modelo brasileiro, o empregador poderá convocar o trabalhador para a prestação de serviços por qualquer meio de comunicação eficaz, informando qual será a jornada de trabalho, com pelo menos 3 dias corridos de antecedência. O trabalhador intermitente toma conhecimento da jornada de trabalho, mas não do período em que se dará o contrato intermitente. Ele poderá, ou não, aceitar a convocação para o trabalho, devendo fazê-lo em dia útil, sendo que o silêncio importará recusa. Ou seja, o poder diretivo patronal é exercido depois que o trabalhador aceita a convocação e inicia o trabalho intermitente. E o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador. Mas, se o trabalhador recusar sucessivamente as convocações, será lícito ao empregador denunciar o contrato de trabalho intermitente, dando ciência ao trabalhador. Feito isso, o acerto rescisório consistirá na remuneração ajustada, férias proporcionais mais 1/3, 13º salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais. Assim, entrando em inatividade o trabalhador não terá qualquer remuneração retida perante a empresa.
Férias frustradas - Nos termos do artigo 452-A, da CLT, a cada 12 meses o empregado adquire o direito a usufruir, nos 12 meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador. Para o palestrante, porém, a norma não faz muito sentido, uma vez que o empregado já recebe, a cada convocação, o valor das férias proporcionais com 1/3, sendo difícil garantir que ele gozará de férias quando completar o ciclo anual, uma vez que não terá recursos financeiros para bancar suas férias, além de poder optar, precisando de dinheiro, em trabalhar para outro empregador, frustrando, assim, seu direito ao gozo de férias. Portanto, na prática, ele entende que é muito difícil a efetiva concretização do descanso anual.
Finalizando, o homenageado ponderou que devemos ser otimistas, vanguardeiros e respeitar as propostas, mesmo que mais audaciosas, previstas na Reforma Trabalhista, já que articuladas para possibilitar o empreendedorismo nacional. Na sua visão, a reforma procura encontrar a equação perfeita entre o capital e o trabalho. É como se o legislador dissesse: “Valorize-se o trabalho sim, mas sem criar penduricalhos sem lastro legal ou indenizações vultosas que mine a atuação do patronato”. Ou seja, nas palavras do desembargador, a Justiça do Trabalho deve sempre perseguir a equação ideal no confronto entre o capital e o trabalho, de maneira que o trabalhador tenha o seu justo salário e a empresa a justa remuneração de seu capital.