NJ Especial Mulher: Tolerância zero para assédio sexual no ambiente de trabalho
“Não se pode admitir tratamento indecoroso por parte dos superiores hierárquicos aos seus empregados. Qualquer comportamento sexual inoportuno praticado pelo chefe a subordinado caracteriza assédio sexual. O Judiciário deve dar a resposta adequada a atos dessa natureza, condenando o patrão a pagar indenização por dano moral, a fim de que o comportamento não se repita.” (Trecho de acórdão da 11ª Turma TRT-MG)
“Tolerância zero” a condutas sexuais impróprias por parte do empregador dirigidas a subordinados. Esse foi o tom do entendimento que prevaleceu na 11ª Turma do TRT de Minas, ao julgar, em maio de 2017, o recurso envolvendo a alegação de uma trabalhadora de que teria sido assediada sexualmente pelo patrão.
No processo, foi apresentada cópia de um diálogo de WhatsApp. O chefe enviou uma mensagem para a funcionária, que estava de férias e respondeu pedindo dinheiro emprestado. A partir daí, o que se vê é uma conversa com propostas de cunho sexual por parte do chefe e respostas em tom informal pela trabalhadora. Muitos “KKKs” e “emojis” (carinhas) foram utilizados. Em certo trecho, o chefe diz: “vc qer / manda um foto sexa” e a funcionária: “Ah tio ... safadinho / kkk / Se eu mandar a foto vc me arruma dimdim (...) Mas eu quero é emprestado”. O diálogo prossegue em tons mais quentes e ousados por parte do chefe, até que a funcionária para de responder.
Ela buscou a Justiça do Trabalho e tanto o juiz de 1º Grau como a maioria da 11ª Turma do TRT de Minas, entenderam, pelo conjunto das provas, que o comportamento do empregador caracterizou constrangimento com finalidades sexuais. A conclusão levou em consideração também o depoimento de uma testemunha de que eram costumeiras as investidas sexuais do dono do supermercado contra funcionárias, inclusive a demandante. O patrão foi condenado a pagar indenização de R$ 9 mil por danos morais.
Assédio sexual nas relações de trabalho é assunto polêmico, tormentoso e delicado, que vem ganhando destaque na mídia em caráter mundial. Principalmente após escândalos e acusações envolvendo nomes de famosos em Hollywood. No caso do processo, rendeu discussão dentro da própria Turma julgadora. Enquanto o relator, desembargador Luiz Antônio de Paula Iennaco, entendeu que, diante das nuances apuradas, o assédio sexual passível de indenização não teria ficado caracterizado, as outras desembargadoras integrantes da Turma, Adriana Goulart de Sena Orsini e Juliana Vignoli Cordeiro, consideraram que nada justifica o comportamento adotado pelo empregador. Para elas, a conduta inoportuna de cunho sexual dirigida a subordinado caracteriza o assédio sexual e gera o dever de indenizar.
Ao ensejo da recente comemoração do Dia Internacional da Mulher, em que esse assunto está na pauta da mídia, trazemos para a avaliação do leitor os detalhes dessa interessantíssima decisão e outros casos julgados pelo TRT de Minas. É fato que tanto homens quanto mulheres podem assumir os papéis de vítimas ou ofensores. Mas a história e as estatísticas demonstram que a mulher, inegavelmente, está mais sujeita a essa forma de violência, muitas vezes sutil.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que 52% das mulheres economicamente ativas já foram assediadas sexualmente. O número de mulheres que rompem o silêncio e levam o caso a público vem aumentando gradativamente, de modo que mais e mais ações envolvendo o tema chegam à Justiça do Trabalho. A chave para o combate ao assédio sexual no ambiente de trabalho está na informação, campanhas de prevenção, educação e certamente no envolvimento das empresas, bem como na punição exemplar, a fim de evitar que a conduta se repita.
Vamos aos casos, então, e o leitor tire as suas próprias conclusões e faça a sua reflexão sobre o tema.
Sentença: Qualquer comportamento sexual inoportuno caracteriza assédio
Voltando ao caso citado no início da matéria, vamos mergulhar no rico debate que se travou entre o juiz de 1ª Instância e os desembargadores da 11ª Turma do TRT de Minas sobre a situação vivida pela empregada do supermercado.
Ao proferir sua sentença, o juiz Valmir Inácio Vieira, da Vara do Trabalho de Itaúna, foi contundente: o assédio sexual inclui qualquer comportamento sexual inoportuno. Partindo dessa premissa, não teve dúvidas em reconhecer que a trabalhadora foi assediada pelo patrão. Uma testemunha apresentada pela empregada afirmou essas investidas sexuais do dono do supermercado contra as funcionárias eram comuns. O julgador acreditou nessa versão, diante da segurança demonstrada pela testemunha.
Na decisão, registrou que as testemunhas indicadas pelo réu mostraram ter conhecimento das mensagens, mas foram evasivas quanto ao seu conteúdo. Para o juiz, não houve consentimento da trabalhadora nas conversas. Isto porque ela estava levando em tom de brincadeira até o momento em que o teor das mensagens ficou "pesado", quando, então, parou de responder e disse a ele ser casada e com filhos.
De acordo com a decisão, não se pode admitir o tratamento indecoroso por parte dos superiores hierárquicos. A vítima não precisa comprovar o sofrimento quando isso ocorre. Basta demonstrar a relação de causalidade e a culpa do empregador. A conclusão foi a de que o assédio sexual direcionado à empregada pelo proprietário da empresa ficou plenamente caracterizado.
Nesse contexto, o patrão foi condenado a pagar R$9 mil a título de indenização por dano moral, lembrando o juiz, por fim, que a pessoa jurídica é responsável pelos atos de seus prepostos em relação aos empregados.
Recurso - Relator não identifica figuras de ofensor e vítima
Inconformado com a decisão, o réu recorreu ao TRT de Minas, insistindo em que o assédio sexual não teria sido provado. A funcionária também recorreu, pedindo que o valor arbitrado à indenização fosse aumentado.
Atuando como relator, o desembargador Luiz Antônio de Paula Iennaco, da 11ª Turma, concluiu que o episódio apurado não tipifica assédio sexual e não impõe o dever de indenizar. A decisão se reportou ao artigo 216-A do Código Penal, que passou, a partir de 2001, a considerar como crime:
"Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
No caso examinado, o magistrado não identificou as figuras de ofensor e vítima. “Dentro de várias modulações de cunho moral e ético que podem pautar a interpretação do diálogo, desde posições mais libertárias às mais conservadoras, podem ser encontradas razões para censurar o comportamento dos envolvidos, mas não se pode extrair dali a ideia de que haja um ofensor e uma vítima”, registrou no voto. Como observou, a funcionária chegou a propor o envio de fotos em troca do empréstimo de dinheiro. Mas adiante, após ser indagada sobre seus "desejos", justificou a negativa com "querer não é poder", ponderou, referindo-se a trecho extraído do diálogo.
O desembargador chamou a atenção para o fato de a funcionária estar fora do local de trabalho, em gozo de férias, quando recebeu as mensagens. Ela mesma admitiu em depoimento que o patrão mandou mensagem para ela, que estava de férias, na ocasião, e pediu dinheiro emprestado a ele (R$500,00). Disse que as mensagens trocadas eram brincadeiras, até porque ela tem medo da esposa do chefe. O magistrado registrou também as declarações de que durante o contrato a depoente foi assediada, pois o chefe esbarrava na empregada e dizia palavras de duplo sentido.
Em sua análise, ponderou que a própria empregada divulgou o teor das mensagens do patrão de forma ampla no trabalho. “Sem maiores pudores”, destacou. Na avaliação do julgador, a funcionária não se mostrou constrangida diante da postura adotada pelo interlocutor. Não ficou evidente que o suposto assediador tenha prometido vantagens dentro da empresa. Além disso, considerou que não houve ameaças de retaliação, caso a funcionária não levasse adiante a "brincadeira" de cunho sexual.
Ademais, considerou o tratamento dispensado pela funcionária ao suposto assediador nitidamente "estimulante", estando longe de demonstrar indignação. Tanto que as mensagens trouxeram expressões como "kkk", "tio" e "safadinho", demonstrando grau de intimidade acima do profissional.
O desembargador não se convenceu pelas provas de que o réu assediasse as funcionárias de forma reiterada, como declarou uma testemunha. No aspecto, ressaltou que os demais depoimentos não se reportaram a esse fato. Apontou que o comportamento da testemunha indicada pela trabalhadora foi contraditório, pois, ao mesmo tempo em que se disse amedrontada pela figura do assediador, não deixou de ser cliente da loja mesmo podendo optar por se afastar do local após o encerramento de seu contrato.
A versão das testemunhas convidadas pelo empregador, de que não havia um ambiente promíscuo no local de trabalho, foi a acolhida. O julgador entendeu que elas demonstraram mais transparência ao admitir que tomaram conhecimento dos fatos, imputando à própria colega, no entanto, sua divulgação.
Diante desse contexto, concluiu que a condenação deveria ser excluída, dando provimento ao recurso. No entanto, a maioria da Turma teve outro entendimento sobre o caso.
Voto divergente 1: incitações sexuais constrangedoras afetam a honra e dignidade da trabalhadora.
Integrante da 11ª Turma e também votante no caso, a desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini divergiu do voto do relator quanto ao assédio sexual. Percebendo que o dono do supermercado adotou postura inconveniente e nada compatível com a sua posição de empregador, ela decidiu por valorizar as provas produzidas no feito e manter a sentença, por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Em sua decisão, chamou a atenção para a declaração da testemunha da trabalhadora de que teria presenciado conversas de cunho sexual, contatos físicos furtivos e lido mensagens eróticas. Todas as condutas praticadas pelo proprietário da empresa. Já as testemunhas apresentadas pelo empregador prestaram declarações evasivas, aparentando não quererem se comprometer. Conforme destacou a magistrada, uma delas, inclusive, só mantinha contato com a reclamante durante os intervalos.
Para a desembargadora, a conduta praticada configura, sim, assédio sexual. “Decorrente de um tratamento misógino, por parte daquele que deveria impor o respeito e preservar a dignidade no ambiente de trabalho. Isto é, o próprio empregador”, pontuou, convencendo-se de que o réu praticou “incitações sexuais importunas, constrangedoras e que afetaram a dignidade e honra da trabalhadora”.
Segundo a magistrada, a trabalhadora não está obrigada a suportar tratamento ofensivo à sua dignidade. Ela lembrou que o empregador tem obrigação de zelar pela higidez do meio ambiente de trabalho e integridade da personalidade moral de seu empregado, que coloca o seu esforço pessoal em prol do sucesso do empreendimento econômico.
“No atual estágio da civilização, não se tolera que a chefia adote atitudes agressivas e desrespeitosas para com a trabalhadora, especialmente quando a Constituição Federal preza, com muita ênfase, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º., incisos III e IV, da Constituição Federal) e a responsabilidade objetiva do poluidor laboral (art. 225 c/c 200, VIII da Carta de 1988)”, frisou, chegando à conclusão de que o empregador deve ser condenado a pagar indenização por danos morais pelo assédio sexual/moral perpetrado.
Voto divergente 2: não houve consentimento às brincadeiras e mensagens indecorosas
Terceira votante no caso, a desembargadora Juliana Vignoli Cordeiro manteve a condenação por assédio sexual, julgando desfavoravelmente o recurso do empregador. Para ela, a existência de assédio sexual levado a efeito pelo patrão também ficou comprovado, não só em relação à autora, mas em face das demais trabalhadoras.
Segundo ponderou, enquanto as testemunhas da autora foram firmes e convincentes ao relatarem os fatos e o comportamento indecoroso do dono do supermercado (que, inclusive, encostava nelas de propósito durante o expediente e mandava mensagens de cunho sexual, o que as deixava com medo de ir receber o salário sozinhas com ele), os depoimentos do lado do patrão foram evasivos, dizendo apenas não terem visto conteúdo erótico nas mensagens e que era tudo piada ou deboche.
Mas, ao contrário dos argumentos da defesa, ao ler o teor das mensagens, a julgadora entendeu não ter havido consentimento da reclamante nas conversas via "whatsapp". Notou que, inicialmente, ela até estava levando na brincadeira, mas quando o teor das mensagens ficou pesado e desrespeitoso, ela parou de responder, demonstrando sua desaprovação e constrangimento.
Para a desembargadora, qualquer comportamento sexual inoportuno praticado pelo chefe a subordinado caracteriza assédio sexual. “Não se pode admitir que haja tratamento indecoroso por parte dos superiores hierárquicos. Tal situação deve encontrar resposta adequada no Judiciário, a fim de que não se repita”, finalizou, citando trechos da sentença e votando pela condenação do empregador pelo assédio sexual praticado.
Vencido o relator, a Turma negou provimento aos recursos, mantendo a decisão de 1º Grau, inclusive quanto ao valor fixado para a indenização. A decisão transitou em julgado, ou seja, não cabe mais recurso.
Caso 2: esforço para acabar com a cultura machista
Testemunhas confirmaram que o empregado de um supermercado se dirigia às funcionárias com palavras pornográficas e de baixo calão, além de fazer brincadeiras desagradáveis. O fato foi levado ao conhecimento do supervisor, que não tomou nenhuma providência. Os superiores hierárquicos também fizeram comentários maliciosos a respeito da trabalhadora que ajuizou a reclamação sobre seu suposto relacionamento com um empregado, o que repercutiu em outras filiais da empresa onde trabalhava.
“Nenhuma mulher está obrigada a aceitar este tipo de assertiva no ambiente de trabalho, especialmente quando elas vêm de seus superiores hierárquicos, os quais são responsáveis pela condução da empresa”, destacou o juiz convocado Antônio Carlos Rodrigues Filho, relator do recurso na 9ª Turma do TRT-MG.
O magistrado classificou o comportamento dos representantes da empresa apurado no caso de “desastroso” e reconheceu a afronta à dignidade da pessoa, além de desrespeitada a figura da mulher, enquanto trabalhadora e merecedora de todo o respeito.
Na decisão, referiu-se a companhas do Conselho Nacional de Justiça e Ministério do Trabalho que são divulgadas anualmente, contra o assédio sexual e a opressão de gênero. “Há um esforço enorme e conjunto para acabar com a cultura machista”, registrou.
“Cantada não é Elogio” - É esse slogan da campanha mencionada pelo magistrado. Como exposto na decisão, o CNJ esclarece que quando um homem tem interesse em conhecer uma mulher ou elogiá-la não lhe dirige palavras que a exponham ou façam com que ela se sinta invadida, ameaçada ou encabulada. Caracteriza-se como assédio verbal (artigo 61, da Lei das Contravenções Penais n. 3.688/1941), quando alguém diz coisas desagradáveis ou invasivas (como podem ser consideradas as famosas "cantadas") ou faz ameaças. Conforme citado, apesar de ser considerado um crime-anão, ou seja, com potencial ofensivo baixo, também é considerado forma de agressão e deve ser coibido e denunciado. O assédio gera constrangimento e outros impactos psicológicos, como insônia, depressão, aumento de pressão arterial, dor no pescoço e transtornos alimentares (com aumento ou perda de peso). Sobre essa questão, veja aqui dados disponíveis no portal do CNJ.
O julgador explicou que a prática de atos ilícitos que configuram assédio moral e sexual é passível de indenização, uma vez que afeta diretamente a dignidade da trabalhadora e a sua integridade psíquica e até física, violando princípio fundamental da nossa Constituição. Assim, o empregador deve responder pela reparação civil, nos termos dos artigos 186 e 927 do CCB.
Com base em diversos critérios envolvendo o caso concreto e lembrando que o Judiciário tem o dever de reprimir duramente fatos graves, como o assédio sexual no trabalho, concluiu que o valor da condenação em danos morais, arbitrada em R$2 mil, atende ao caráter pedagógico dirigido à empregadora, de modo a inibir a reiteração da conduta.
Caso 3: assédio sexual é uma forma de violência
De acordo com a lição da Professora Alice Monteiro de Barros, existem dois tipos de assédio sexual: “’o assédio sexual por intimidação' (assédio ambiental), que é o mais genérico, e o “assédio sexual por chantagem”. É o chamado assédio quid pro quo, ou seja, 'isto por aquilo'. O primeiro caracteriza-se por incitações sexuais importunas, ou por outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho. Já o assédio sexual por chantagem traduz, em geral, exigência formulada por superior hierárquico a um subordinado para que se preste à atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios advindos da relação de emprego (In Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2005, pág. 891).
Em matéria processual, a parte que alega deve provar a existência de assédio sexual ou moral (artigos 818 da CLT c/c 333, I, do CPC). A comprovação é dificultada pelas circunstâncias peculiares desse tipo de comportamento, que, na maioria das vezes, dá-se de forma sigilosa e velada, o que deve ser observado pelo julgador. Há de se ter uma prova minimamente convincente, considerando a seriedade da imputação e de seus efeitos para o suposto assediador e sua família.
Após prestar esses esclarecimentos, a desembargadora Taísa Maria Macena de Lima, da 10ª Turma do TRT de Minas, convenceu-se de que uma trabalhadora foi assediada sexualmente pelo gerente de uma lanchonete. Uma testemunha afirmou ter visto que ele "ficava cantando a reclamante e passando a mão nela e a chamando para sair". Por sua vez, a testemunha indicada pela lanchonete limitou-se a afirmar que não teria presenciado nenhuma insinuação do gerente em relação à reclamante".
Diante desse quadro, a magistrada deu razão à trabalhadora. “A comprovação de tais práticas ilícitas é dificultada pelo "modus operandi" do assediador, cuja prática ilícita, em regra, é velada e longe do olhar de outras pessoas”, pontuou no voto. O fato de a funcionária não ter feito qualquer reclamação acerca do assédio sexual no curso do contrato de trabalho não foi capaz de afastar a conclusão. Isto porque, segundo ponderou a desembargadora, não é incomum o empregado se quedar inerte diante de práticas abusivas do empregador, pelo receio de perder a sua fonte de subsistência. O que não significa que o assédio sexual suportado pela trabalhadora não tenha tido importância para ela. No caso, ela apenas optou por não se pronunciar acerca das condutas abusivas do chefe, em decorrência do temor de ver rescindido o seu contrato de trabalho.
“Conclui-se, pois, que houve violação aos direitos da personalidade da obreira, a qual foi submetida a situações degradantes e constrangedoras que ultrapassam a órbita do mero dissabor”, finalizou, concluindo que a empresa deve ser condenada a indenizar a trabalhadora pelos danos morais sofridos. “A gravidade da conduta imputada à reclamada, aliada à condição econômica da ré e ao grau de culpa da empregadora, a qual deixou de adotar as medidas necessárias para assegurar um ambiente de trabalho livre de violência sexual - sim, o assédio sexual é uma forma de violência, pois submete a vítima, contra sua vontade, aos abusos sexuais do agressor, permite concluir que o valor de R$5.000,00, atende às balizas da razoabilidade e da proporcionalidade”, registrou. Nesse contexto, deu provimento ao recurso.
Caso 4: cantada x assédio
"Nos dias atuais é de grande dificuldade fazer a distinção entre o que é uma "cantada" de um homem ou de uma mulher em face do gênero adverso, com a finalidade de conquista do sexo oposto, com um procedimento abusivo e desrespeitador praticado pelo assediante para, limitando ou abusando da liberdade sexual do outro, submetê-lo aos institutos sexuais do assediante". Com esse entendimento, o juiz de 1º Grau julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais relacionados a assédio sexual formulado pela ex-empregada de uma construtora.
No entanto, o juiz convocado Antônio Gomes de Vasconcelos chegou à conclusão diversa, ao analisar o recurso na 1ª Turma do TRT de Minas. Para ele, ficou claro que as "cantadas" do encarregado configuraram verdadeiro assédio sexual. Uma testemunha disse ter presenciado o representante do réu cantando a trabalhadora, pois queria “pegá-la de qualquer jeito”. Segundo o relato, ele a levava de um setor para outro no carro para ficar conversando com ela. Todos os empregados sabiam das intenções dele com relação à funcionária. Esta não concordava com as propostas. O homem dizia à trabalhadora “que ela era muito gostosa e que seria dele e que ela poderia escolher o motel que quisesse para irem juntos".
Na visão do julgador, ficou evidente que, não só o empregado da construtora fez propostas desrespeitosas e indecorosas à funcionária nas dependências da empresa, durante a jornada de trabalho, como também muitos empregados tomaram conhecimento do fato, expondo publicamente a mulher e, consequentemente, violando sua intimidade, vida privada, honra e imagem. Além do mais, pela gravidade do fato, ponderou que houve contaminação e degradação do meio ambiente de trabalho.
O depoimento da testemunha indicada pelo empregador não convenceu, mesmo porque o contrato de trabalho estava em vigor. De acordo com o relator, as declarações prestadas devem ser analisadas com reserva se outros elementos dos autos apontam realidade contrária. “Não é de se esperar da testemunha estado de espírito livre do contexto em que se encontra, isto é do estado de sujeição inerente ao contrato de trabalho e do temor da perda do emprego se contrariar a expectativa do empregador em casos tais”, destacou.
Ainda sobre a prova, ressaltou que o depoimento da testemunha apontada pela trabalhadora foi firme e rico em detalhes. Concluiu que o agressor tratava a trabalhadora como se fosse um objeto, de suposta propriedade dele. “É de extrema gravidade e comporta dura reprimenda o assédio sexual retratado nestes autos, que sem sombra de dúvida deixou a vítima se sentindo invadida, ameaçada, acuada e, ainda, pior: denota a coisificação da mulher”, frisou o desembargador, repudiando a conduta do encarregado. Lembrou que a prática de atos ilícitos que configurem assédio sexual é passível de indenização, vez que afeta diretamente a dignidade da trabalhadora e a sua integridade psíquica e até física, violando princípio fundamental da Constituição da República.
Nesse cenário, condenou o empregador a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil. Além do porte da empresa e outros critérios, o magistrado chamou a atenção para o descaso com a proteção da mulher no ambiente de trabalho contra investidas inoportunas que diminuem a trabalhadora em relação à sua imagem, dignidade e autoestima, ao ser tratada como objeto. Foi também declarada a rescisão indireta do contrato de trabalho, determinando o pagamento das verbas rescisórias devidas em uma dispensa sem justa causa.
Veja caso com desfecho diferente nesta Notícia Jurídica anterior:
JT-MG rejeita pedido de indenização por assédio sexual baseado em diálogos de WhatsApp
Em outro caso incluindo conversas por WhatsApp, os julgadores não se convenceram a respeito da configuração do assédio sexual passível de indenização.
A 9ª Turma do TRT-MG confirmou a sentença que negou indenização por danos morais a uma promotora de vendas que alegou ter sido alvo de assédio sexual por parte de um gerente. Como prova, a trabalhadora apresentou mensagens trocadas entre ambos por meio do aplicativo WhatsApp, as quais, no entanto, não convenceram os julgadores quanto à caracterização do assédio sexual.
Valendo-se da lição de Vólia Bonfim Cassar, o desembargador João Bosco Pinto Lara explicou o conceito de assédio sexual, destacando que não podem ser considerados como tal casos de paquera, namoro ou a iniciativa de se declarar para alguém. Da mesma forma, não caracteriza assédio um convite para sair, seja entre colegas de trabalho ou entre patrão e empregado. Segundo o relator, para a configuração da prática é necessário que o assediador limite ou viole a liberdade sexual do assediado por meio de convites ou investidas, que normalmente ocorrem de forma reiterada.
No seu modo de entender, isso não ocorreu no caso. A começar pela ausência de prova de imposição do uso do WhatsApp no trabalho. Para o julgador, a utilização do aplicativo no celular concedido pela empresa decorreu de uma escolha pessoal da reclamante.
Ele também ponderou quanto ao alto nível de informalidade desse meio de comunicação, que utiliza linguagem coloquial e "emotions" (imagens que expressam estado psicológico). "Tendo em vista estas características da informalidade e da potencialidade de explorar aspectos não-verbais que acompanham a comunicação verbal - tais como tom de voz, ritmo da fala, o volume de voz, as pausas utilizadas na verbal, figuras e desenhos diversos, e demais características que transcendem a própria fala -, é imperioso concluir que o referido aplicativo transmite mais do que informações: ele transmite emoções", registrou na decisão.
Para o desembargador, qualquer usuário sabe que essa não é a melhor forma para se manter uma comunicação estritamente formal e profissional. Nesse contexto, as características do aplicativo até podem encorajar o assediador, permitindo que ele se aproveite da informalidade para misturar assuntos pessoais aos profissionais, ainda que sutilmente.
Por isto mesmo, na visão do magistrado, a reclamante deveria ter excluído o aplicativo tão logo sofreu o que acreditava ser a primeira investida por parte do gerente. Segundo ponderou, a trabalhadora poderia ter utilizado outros meios de comunicação, como ligações no celular da empresa e e-mail corporativo. Mas ela não agiu dessa forma. Pelo contrário, a análise do conteúdo das conversas revelou que também levava o papo na informalidade, sentindo-se confortável nos diálogos com o suposto agressor, quando este a interpelava com um "tá com saudade?" ou "Pois é, vc não me da bola eu vim sozinho!!!".
Para o relator, as provas não demonstram ter havido qualquer limitação da liberdade sexual da trabalhadora, que tampouco provou ter efetivamente repelido o comportamento do gerente. Em reforço aos fundamentos, a decisão mencionou trecho da sentença destacando a gravidade da prática do assédio sexual e a impossibilidade de o assediado conseguir lidar com o agressor. Como registrado, a pessoa se sente intimidada, dado o grau de sofrimento que este tipo de transtorno pode acarretar à vida, especialmente de uma mulher. Não há reciprocidade no trato para com o agressor. Cenário bem diferente do constatado no processo, em que a reclamante trocou mensagens informais com o suposto agressor, sempre com risos, brincadeiras e até mesmo envio de fotos. Mas, em sua maioria, as mensagens tratavam mesmo de assuntos referentes ao trabalho.
"Não há qualquer elemento nos autos que comprove o comportamento inadequado por parte do superior hierárquico da recorrente. Ainda que se reconheça a dificuldade de produção de prova nestas situações, meras alegações de assédio desacompanhadas de um mínimo suporte probatório jamais podem ensejar o dever de indenizar", foi como finalizou o desembargador. Acompanhando o voto, a Turma negou provimento ao recurso apresentado pela reclamante e manteve a sentença.
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Confira AQUI mais jurisprudência do TRT-MG sobre assédio sexual no trabalho
Leia Mais sobre assédio sexual no trabalho. Confira links:
https://veja.abril.com.br/brasil/acoes-por-assedio-sexual-crescem-200-em-tres-anos-no-brasil/
https://veja.abril.com.br/revista-veja/nao-senhores-nao-pode-mais/
- Sobre movimentos Time’s Up e #MeToo.
https://exame.abril.com.br/mundo/o-assedio-sexual-que-esta-alem-de-hollywood/
- Dados da OIT: 52% das mulheres economicamente ativas já foram assediadas sexualmente.
- Programa Jornada, do TST, sobre Assédio Sexual