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NJ Especial - 2º Painel: Os impactos da nova tecnologia na saúde e segurança no trabalho.

publicado: 28/08/2018 às 00h00 | modificado: 28/08/2018 às 16h58

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Des. José Eduardo: Uma nova ética para a nova economia.

 

Em sua exposição, o desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior abordou aspectos da multifacetada nova economia, também conhecida como economia sob demanda, colaborativa, organização circular, economia P2P, economia rede, economia da reputação ou ainda economia hipster. Mas, no final das contas, tudo se resume na economia dos dados: “Essa é a grande questão. A economia está sendo comandada pelos dados”, destaca, acrescentando que os dados são o verdadeiro petróleo da atualidade, pois representam o bem mais valioso, seja no setor econômico, seja no político e social.

Ele alerta para o risco dos famigerados cadastros e perfis, exigidos em redes sociais e sites comerciais, pois esses dados sobre cada usuário são armazenados e até vendidos, com objetivos diversos, podendo ser prejudiciais a quem os preencheu. Lembra as gigantes do setor, Facebook e Google, e o seu poderio imensurável na atualidade, citando como exemplo a influência da rede na eleição de Donald Trump nos EUA.

Os efeitos de tudo isso no plano do trabalho são, segundo pontuou, a chamada economia geek, ou a “economia do bico”, em que não se tem proteção trabalhista, como acontece no caso dos motoristas vinculados a plataformas como a Uber.  “Resta saber se, e em que medida, a sociedade e o Direito vão aceitar isso”, pontuou, acrescentando que será preciso criarmos um arsenal jurídico para proteger os cidadãos contra essa tendência de desformalização do emprego.

Entrando nos meandros do consumo colaborativo, ou economia de compartilhamento, o palestrante explicou que essa nova economia subverte um princípio básico da economia clássica, o princípio da escassez, já que se move pelo princípio inverso, o da abundância. O princípio da escassez é aquele que prevê uma situação de recursos limitados para necessidades humanas ilimitadas, gerando as leis de mercado, como a da oferta e da procura, que são a base de toda a economia moderna.  De acordo com o palestrante, hoje, para essa nova economia de rede, não vigora mais o princípio da escassez: “Na economia dos dados, vigora a abundância”, constata, lembrando que até então, pensávamos que só a escassez gerava valor (quanto menor a oferta, maior o valor), mas hoje, sabemos que a abundância dos dados também gera valor e riqueza, na lógica invertida dessa nova economia. Exemplo disso é o Google, cujo valor está na abundância de informações que oferece. “Na era dos megadados, quanto mais informações se oferece ou se domina, mais riqueza e poder se detém”, pontuou.

Com isso, cai por terra outra lei clássica na economia: a lei dos rendimentos decrescentes (pela qual os rendimentos vão numa curva ascendente numa economia de escala de produção em massa, gerando redução de preço da unidade à medida que a produção aumenta, até o ponto em que barateia tanto que inviabiliza a produção). Segundo Resende Chaves, na nova economia isso não acontece, já que a abundância não tem fim e, portanto, não tem curva descendente, vigorando apenas a lei dos rendimentos crescentes.

“Por essas diferenças, parece óbvio que não podemos tratar essa nova economia da mesma forma que a tradicional, seja na seara trabalhista, jurídica ou social. Não se pode pensar com a cabeça analógica, uma economia digital”, enfatiza, entrando na discussão sobre a indústria 4.0, que agrega a chamada “internet das coisas” à produção, com o uso indiscriminado de inteligência artificial e robôs.

Desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior (Foto: Thiago Soraggi).

Citando dois economistas italianos – que dizem que hoje se ganha mais dinheiro capturando a energia da cooperação social – o desembargador introduz a ideia de que é preciso incentivar essa nova economia sim, mas colocando limites jurídicos contra os excessos e abusos de poder.

Ele defende que existem formas solidárias de exploração dessas plataformas – o cooperativismo de plataforma – onde o novo capitalismo pode se moldar, pautado por regras como: fair pay (pagamento justo); transparência e portabilidade de dados; regras claras de uso não unilaterais (não podem ser estipuladas para simples adesão, tendo de admitir o processo colaborativo/dialógico na sua elaboração); tem de ter algum grau de proteção trabalhista para a multidão de trabalhadores agregados às plataformas digitais.

Ao relatar uma pesquisa informal que fez com motoristas de um desses aplicativos de transporte, o desembargador relatou que, ao lado dos que a usavam como complemento de renda ou como um projeto por tempo limitado, havia um grande número deles, motoristas profissionais, que a tinham como único ganho e relataram ter de trabalhar de 12 a 14 horas por dia, em sete dias por semana, para garantir o sustento familiar.  “É esse o impacto dessas plataformas na saúde e segurança no trabalho”, aponta, conclamando todos a buscarem uma solução para esse grave problema.

Bioética – Nesse ponto, ele cita o trabalho desenvolvido pela juíza do trabalho Luz Faria, versando sobre os limites éticos à tecnologia e à ciência. Lembra que a bioética nasceu no tribunal de Nuremberg, quando foram reveladas as atrocidades que médicos nazistas faziam com pessoas sob o seu domínio, transformadas em cobaias humanas, tudo em prol do avanço da ciência. Foi aí que começou o debate sobre os limites éticos da ciência. No trabalho, a pesquisadora chama a atenção para o perigo dos biobancos de dados genéticos que já começam a ser feitos, por exemplo, em redes farmacêuticas, que ligam o CPF do comprador aos remédios que ele adquire. Esses dados, vendidos a empresas de plano de saúde, por exemplo, podem levar à restrição da cobertura médica dele ou até à rejeição dele como cliente desses planos, gerando enorme prejuízo pessoal para o cidadão que preencheu um, em princípio, “inocente” cadastro.

Para Resende Chaves, o risco de tudo isso é que passaremos a viver numa sociedade pautada pela “predição genética” que, em vez de usar os dados capazes de identificar situações (como a do co-piloto com depressão que jogou o avião lotado de passageiros nos Alpes franceses) para atuar na prevenção do problema, passa a focar na exclusão. Ou seja, se se identifica, pela predição genética, que um trabalhador tem mais propensão a determinada doença, as empresas vão se recusar a admiti-lo em certas funções, criando o que o desembargador chamou de “os excluídos genéticos do trabalho”. Como exemplo real, cita caso julgado por ele, em que a empresa não admitiu a trabalhadora por ser gorda e justificou a exclusão dizendo que o cinto de segurança não serviria, que ficaria inseguro para ela.

Por fim, o palestrante elenca uma série de princípios que devem ser pensados e discutidos para nortear os parâmetros dessa nova economia: proibição geral de testes preditivos no trabalho para evitar a discriminação; direito do indivíduo não saber que tem alguma predisposição genética a doenças; os testes preditivos podem acontecer como exceção, não como regra, e não poderão ser feitos pela empregadora, mas por empresas independentes e especializadas; primar pela qualidade dos dados, que deve ter base científica; autodeterminação informativa, ou seja, as pessoas têm direito a obter ou não essa informação ou a vedar a sua divulgação.

“Em todo caso, pondera o palestrante, em qualquer tipo de regulação nessa matéria, tem de haver participação dos sindicatos dos trabalhadores e entidades representativas civis na discussão e definição dessas regras”, arremata.

 

Juiz Fabiano Pfeilsticker: É preciso encontrar os limites para o trabalho no mundo conectado.

 

Atuou como debatedor desse painel o juiz titular da VT de Contagem, Fabiano de Abreu Pfeilsticker, que hoje ocupa a função de juiz auxiliar da Presidência do TST, além de coordenador nacional do processo judicial eletrônico na Justiça do Trabalho. Fazendo o contraponto no que toca aos impactos da tecnologia na saúde humana, ele pontua que nada, em si mesmo, é ruim ou bom. “O que nós fazemos com a tecnologia é que será bom ou ruim”, acentua.

Ele expõe que as dificuldades e preocupações hoje são bem diferentes das de antigamente. E cita como exemplo aquela imagem marcante dos operadores da bolsa de valores pendurados em três telefones, naquele ambiente nervoso e tumultuado, sob um barulho ensurdecedor de gritos e sirenes. Hoje, os corretores trabalham pela internet, no conforto e sossego de suas casas, num ambiente mais tranquilo e, seguramente, sob menos pressão. 

Com isso, o palestrante apresenta a conclusão de que a tecnologia não retira postos de trabalho, mas apenas os modifica. “Os trabalhadores estão sendo realocados em novas atividades e sob novas condições”, constata, reiterando que nem sempre isso se dá para o mal, mas com um resultado final positivo, de bem-estar social e mais conforto para o trabalhador.

Ele explica que na Justiça do Trabalho, o processo eletrônico transformou a nossa realidade, solucionando várias questões, facilitando a vida de servidores, magistrados, advogados e jurisdicionados, mas, por outro lado, trazendo novas preocupações. “Toda mudança causa estresse e preocupação, sobretudo pelo enfrentamento do novo. Alguns juízes e servidores, por exemplo, diziam que iriam se aposentar porque não se adaptariam à nova tecnologia, mas acabaram se adaptando e nem pensam em voltar à antiga rotina analógica e burocrática”, pontua, ressaltando que a tecnologia não acabou com o trabalho em diversos setores da sociedade, mas o modificou profundamente.

Outro ponto abordado é que a tecnologia faz, inarredavelmente, parte do nosso dia a dia nessa sociedade super conectada. Mas e quando o trabalho e a tecnologia são indissociáveis, exigindo uma conexão plena e diária por meio do celular (plataforma hoje mais utilizada para trabalho que o próprio computador), como proceder? Como estabelecer limites para o trabalho e a vida pessoal, quando a sua plataforma de trabalho está na palma da mão e os serviços, disponíveis 24h,  exigindo respostas imediatas, levam o profissional a ficar conectado dia e noite? “O processo hoje está no celular que levamos para todo lado. Como estabelecer limites à atividade se podemos protocolizar uma petição de qualquer lugar, a qualquer hora da madrugada?”.

Juiz Fabiano de Abreu Pfeilsticker (Foto: Thiago Soraggi).

Para o juiz, a resposta está no discernimento pessoal de cada um. Ele pondera que, de fato, a tecnologia permite que se trabalhe a qualquer hora e em qualquer lugar, mas não obriga ninguém a olhar o WhatsApp antes de se levantar da cama ou a ficar horas a fio digitando no celular em uma postura ergonomicamente incorreta. “Mas quem nunca fez isso? Quem aceita ficar um dia inteiro desconectado?”, indaga apontando uma certa condição de vício ou hábitos nefastos que cabe ao próprio usuário da tecnologia controlar. “A questão é saber o que permitimos que a tecnologia faça conosco”, pondera.

Segundo esclareceu, é preciso fazer com que a tecnologia utilizada na rotina empresarial seja fácil e eficiente para proporcionar um trabalho ágil, seguro e eficiente, sem ações repetitivas e cansativas. Por outro lado, trabalhar sem conhecer os instrumentos tecnológicos envolvidos, sem saber que botão apertar para obter o resultado esperado, é motivo de estresse para muitos profissionais, sobretudo para as gerações da transição tecnológica. “Por isso, é preciso trabalhar a usabilidade e acessibilidade”, ensina o juiz.

De acordo com o palestrante, o segredo está na gestão inteligente do binômio tecnologia/mão de obra. É preciso remodelar o trabalhador, investindo na sua capacitação para adaptação a essa nova realidade pautada pela tecnologia.  “Não é resistindo às inovações que se vai reduzir o impacto delas na ralação de trabalho”, provoca e lança no ar o que considera as questões-chave da atualidade no mundo do trabalho:

Qual deve ser o limite do teletrabalho? Será que é a tecnologia que está impactando a saúde e segurança do trabalhador? E que segurança é essa? Para ele, esse conceito tem de ser ampliado para que se discuta em que termos deve se dar a segurança de preservação dos dados dos empregados no ambiente de trabalho. Até que ponto a empresa pode invadir e se apropriar desses dados?

O palestrante finaliza, retornando à imagem dos antigos operadores das bolsas de valores e os muitos problemas de audição que apresentavam, para concluir que as preocupações e o enfoque mudam, redirecionados que são para novos problemas, como os posturais, e novas e desafiadoras questões, como a que encerra a busca de limite de trabalho no mundo conectado.

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