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Preservação da saúde das empregadas lactantes

publicado: 07/09/2020 às 00h00 | modificado: 14/10/2020 às 02h22

Decisão – Mandado de Segurança

A questão debatida no mandado de segurança consistiu na legalidade da decisão que determinou a inclusão das lactantes no grupo de risco à contaminação pelo coronavírus e que ensejou o afastamento dessas empregadas das atividades presenciais ou do trabalho, em caso de indicação médica, na instituição bancária impetrante.

Na decisão, a desembargadora Paula Oliveira Cantelli lembrou que a Organização Mundial de Saúde declarou pandemia de coronavírus em decorrência da disseminação da doença por todo o mundo. No Brasil, o estado de calamidade pública foi reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20/3/2020, e a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19) foi decretada pelo Ministro da Saúde, em 3/2/2020, nos termos da Lei nº 13.979, de 6/2/2020.

Segundo a desembargadora, as orientações da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde apontam a necessidade de as pessoas manterem-se em distanciamento social, como medida para evitar a proliferação da doença, em especial, as pessoas inclusas no chamado "Grupo de Risco", que poderão sofrer consequências mais graves, quando acometidas da enfermidade.

De acordo com a OMS, integram grupo de risco as crianças menores de seis anos, as gestantes, as mulheres cujo parto tenha sido há menos de quarenta dias, as pessoas maiores de sessenta anos, as pessoas portadoras de comorbidades, como diabetes, hipertensão arterial, doenças do coração, pulmão e rins, as pessoas portadores de imunossupressão e os pacientes em tratamento contra o câncer (https://www.med.puc-rio.br/notcias/2020/3/27/entenda-os-grupos-de-risco). Na página eletrônica do Ministério da Saúde, consta a informação de que são mais vulneráveis à Covid-19 os idosos e as pessoas com condições médicas pré-existentes (https://coronavirus.saude.gov.br/index.php/perguntas-e-respostas).

Paula Cantelli pontuou que o ordenamento jurídico brasileiro traz um arcabouço de princípios, leis, regras e institutos que garantem a proteção à maternidade e às crianças. “No ápice desse sistema está a Constituição da República de 1988, que inaugura um importante marco de proteção aos Direitos Humanos, à medida que insere o ser humano como núcleo central de todo o seu sistema de direitos, garantias, regras e institutos”. O núcleo do conceito de Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição, são o ser humano e a sua dignidade.

É em torno do ser humano (e com o objetivo de salvaguardar a sua dignidade) que são construídos todos os princípios, garantias e regras da Constituição da República de 1988”, registrou, explicitando que o artigo 6º assegura a proteção à maternidade e às crianças, incluindo os nascituros. Por sua vez, os artigos 201, II, e 203, I, e 227 reafirmam a proteção à maternidade, à infância e consagram o direito da criança à vida e à saúde, sendo essa uma obrigação tanto do Estado como de toda a sociedade.

Quanto à saúde, especificamente, a magistrada lembrou que o artigo 200 da Constituição preconiza ser direito de todos e dever do Estado "garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".  Além disso, o artigo 7º, inciso XXII, da CF dispõe ser direito dos trabalhadores a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança".

Na avaliação da desembargadora, o empregador, inserido nesse contexto, não pode atuar à margem dos preceitos constitucionais, sob pena de ilicitude de seus atos. Ele deve sempre agir à luz da dignidade humana, da valorização do trabalho, do respeito à saúde do trabalhador, visando à progressividade dos direitos sociais (artigo 7º, da CR/88).

Seguindo a ordem jurídica constitucional, a Consolidação das Leis do Trabalho assegura a proteção à maternidade e, sob esse prisma, confere o mesmo tratamento à gestante e à lactante. A diretriz, como pontuado, deve ser adotada em relação às medidas necessárias ao enfrentamento da pandemia do coronavírus. No capítulo que trata da proteção à maternidade, a legislação trabalhista contém normas que equiparam a condição de trabalho entre gestantes e lactantes. E a redação atual do artigo 394-A da CLT, dada pela Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), manteve o tratamento igualitário para as gestantes e lactantes.

Na decisão, a magistrada também se referiu a outras medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus - Covid-19, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social, e dirigidas a empregadores, as quais autorizam a inclusão de lactantes no grupo de risco. E concluiu: “Não há dúvida de que, em consonância com o ordenamento jurídico vigente, a decisão atacada confere maior importância à preservação da saúde das empregadas lactantes em detrimento de hipotético (e eventual) prejuízo econômico do impetrante que tem, à luz dos preceitos constitucionais, relevante função social a cumprir, sem olvidar que os riscos da atividade econômica devem ser assumidos pelo empregador (art. 2º da CLT)”.

Para finalizar, destacou que “a pandemia que assola atualmente o mundo requer solidariedade e responsabilidade social. São tempos difíceis permeados por dúvidas e por incertezas que envolvem toda a sociedade, inclusive os empregados e os empregadores. A Covid-19 não escolhe suas vítimas e ainda não há como blindá-la. Ela se espalha, mata e, regra geral, sempre vitimiza os mais vulneráveis”, destacou, ao indeferir o processamento do mandado de segurança.

Decisão - Agravo Regimental

Ao apreciar o recurso apresentado pelo banco, a juíza convocada Adriana Campos Souza de Freire Pimenta não enxergou ilegalidade ou abuso na decisão que conferiu às lactantes o mesmo tratamento assegurado às gestantes, entendendo, ainda, não haver direito líquido e certo do banco a autorizar a impetração de mandado de segurança. A magistrada considerou importante a inclusão das lactantes no grupo de risco como medida de preservação da saúde dessas empregadas, o que deve prevalecer sobre o argumento de prejuízo financeiro do empregador. O entendimento se baseia em preceitos constitucionais, função social da empresa, lembrando a julgadora, ainda, que o empregador deve assumir riscos da atividade econômica, nos termos do artigo 2º da CLT.

A juíza convocada relatora deu razão ao Ministério Público do Trabalho que, em parecer, apontou que a decisão impugnada se encontra suficientemente fundamentada com base no artigo 3°, parágrafo 3°, da Lei n° 13.979/2020, entre outros dispositivos legais relativos à proteção à saúde do trabalhador. De acordo com o MPT, a decisão agravada reforçou esse entendimento com amparo no artigo 394-A da CLT, que determina o afastamento das lactantes de qualquer atividade considerada insalubre. O parecer lembrou, ainda, que a concessão ou negativa de liminar consiste em faculdade do julgador em decisão fundamentada, o que foi observado.

Por unanimidade, os julgadores da 1ª Seção de Dissídios Individuais mantiveram a decisão que indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução de mérito, negando provimento ao agravo regimental. 

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