Prof. José Luiz Quadros – CF/88 30 anos: será o início do fim?
O tema da palestra é, em si, um questionamento: “30 anos da Constituição de 1988: o fim de um projeto de Estado?”. Na exposição em que lança esse preocupante dilema no ar, o professor doutor da Universidade Federal de Minas Gerais, José Luiz Quadros de Magalhães, mais provoca reflexões do que oferece respostas prontas e acabadas. Tendo como ponto central que a Constituição é a lei maior do país, que deve nortear todas as ações e políticas públicas, ele lembra que governos que adotam políticas liberalizantes esbarram na Constituição, já que não podem ignorar direitos sociais. Do mesmo modo, governos socialistas não podem passar por cima dos direitos individuais, igualmente plasmados no Texto constitucional. “Tudo, incluindo programas econômicos e qualquer alteração na lei ou na própria Constituição, deve ser feito de forma a não ferir os direitos e garantias individuais, como também os direitos sociais, garantidos na Carta constitucional”, pondera.
Assim, conclui que, para os juízes, não há escolha entre fazer ou não controle de constitucionalidade. “O juiz é obrigado a cumprir a lei, promovendo uma leitura constitucionalmente adequada. Daí a força e o poder que o Judiciário brasileiro tem quando comparado a outros países que não têm controle de constitucionalidade”.
Ao fazer um apanhado histórico das Constituições brasileiras, o professor ensina que o constitucionalismo social nasceu com a Carta de 1946, primeira experiência democrática, e assim prosseguiu até 1964. “Quando essa Constituição completa 18 anos, ela é presa, torturada, silenciada pelo golpe militar de 1964”, lamenta.
Prosseguindo em sua exposição, o professor apresenta o conceito de indissociabilidade e indivisibilidade dos direitos fundamentais, que são integrados, como em uma teia: “Não há liberdade sem dignidade. E como ter liberdade e dignidade se a pessoa está passando fome e sem ter onde morar? Como posso exercer o meu direito de ir e vir se não tenho dinheiro para pagar a passagem de ônibus para ir onde quero?” Nesse ponto, Quadros elogia o modelo inglês de destinação social da propriedade. Ele conta que, em Londres, se um imóvel está vazio, o proprietário é obrigado a alugá-lo para quem está sem ter onde morar, e o Estado paga o aluguel para o cidadão que não pode arcar com nenhuma moradia. É o cumprimento literal e efetivo da função social da propriedade.
O professor lembra toda a beleza da diversidade brasileira, que explodiu nesses últimos 30 anos, ao longo do reinado da nossa Constituição cidadã, e lamenta que a CF/88 tenha sido atacada em diversos momentos, com várias emendas, muitas delas inconstitucionais. “E o que fazer com as emendas inconstitucionais?”, indaga, lançando no ar mais uma provocação. E, como exemplo, cita a Emenda 95, que congela os gastos públicos por 20 anos e limita ainda mais os investimentos em saúde e educação. Para ele, claramente inconstitucional, já que o artigo 60, parágrafo 4o, inciso IV, veda expressamente a deliberação de emendas tendentes a abolir os direitos e garantias individuais.
O professor explica que são previstos três tipos de garantias dos direitos individuais: a garantia de rigidez constitucional (exigências e limites ao processo de emenda e alteração da Constituição); as garantias processuais (que foram ampliadas na CF/88, com instrumentos como o habeas corpus, habeas data, mandado de injunção etc.) e as garantias socioeconômicas de exercício dos direitos individuais.
Esse sistema é a base da teoria que marca a ideia de indivisibilidade dos direitos fundamentais. Ou seja, para que o cidadão possa exercer as liberdades individuais é preciso que o Estado lhe ofereça os meios para o exercício desses direitos, o que integra e entrelaça os direitos à vida, à liberdade, à saúde, educação, locomoção etc., entrelaçamento que também se dá entre os direitos políticos, econômicos, sociais e com as garantias de liberdade e dignidade. “Não há liberdade individual sem os direitos da dignidade”, enfatiza, ao explicar que uma ação do Estado que retire ou imponha limites a essas garantias será inconstitucional, já que compromete o exercício desses direitos fundamentais.
Finalizando, o palestrante dá ainda uma palavrinha sobre ideologia e pondera sobre o que definiu como suposto falso ideológico: “Somos todos ideológicos. Vemos o mundo a partir do que vivemos, estudamos, pensamos. Portanto, honestidade e imparcialidade são obrigatórias, mas objetividade e neutralidade absolutas não existem”, ensina, pontuando que, para o juiz, o que importa é a ideologia constitucional. “Não interessa qual é a opinião do juiz, mas como ele interpreta a norma dentro do contexto ideológico aplicável ao caso concreto. O ideal é a Corte construir um consenso, pois a divergência disparatada e contumaz gera insegurança jurídica”.