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Vale terá que pagar R$ 80 mil ao motorista que foi exposto a risco de morte iminente em Brumadinho

publicado: 25/10/2021 às 00h00 | modificado: 24/10/2021 às 19h53
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A Vale S.A. terá que pagar uma indenização por danos morais, no valor de R$ 80 mil, ao motorista que sobreviveu ao rompimento da barragem de rejeitos da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, tendo saído da unidade antes do acidente, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, há dois anos e nove meses. Os julgadores da Oitava Turma do TRT-MG entenderam que, apesar de o trabalhador não estar na usina no momento da tragédia, a atividade desenvolvida pela empresa expôs o motorista a risco de morte iminente. 

Dessa forma, eles mantiveram a decisão do juízo da 5ª Vara do Trabalho de Betim, reduzindo de R$ 200 mil para R$ 80 mil o valor da indenização por danos morais. Para o desembargador relator, José Marlon de Freitas, esse montante observa os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e é condizente com a extensão dos danos sofridos e com a capacidade econômica da empresa.

O autor da ação era empregado de uma empresa de transporte e prestava serviços como motorista para a Vale, em virtude de contrato de prestação de serviços firmado entre as empresas. O documento denominado “Carteira de Autorização para Tráfego de Mina” mostra que era livre o acesso dele às áreas das minas no exercício da função de motorista.

Intimada, a empresa informou que o “colaborador estava lotado na Mina Córrego do Feijão no dia do rompimento, porém, quando a barragem estourou, ele já havia saído da unidade”. A Vale negou a informação. Mas uma testemunha confirmou que esteve com o motorista naquele dia na Mina e que já recebeu indenização da empregadora no valor de R$ 80 mil.

Na visão do relator, a atividade desenvolvida pela empresa expôs o motorista a risco de morte iminente, além de impingir-lhe profunda angústia pelo soterramento fatal de pessoas. “Muitas vítimas eram possivelmente conhecidas dele, dado o seu ofício de transportar pessoas, seja para a Mina Córrego do Feijão ou para Mina da Jangada”, explicou.

Segundo o voto condutor, o simples fato de não ser uma vítima direta do rompimento da barragem não afasta, por si só, a circunstância incontestável de que ele trabalhou exposto a risco de morte. “São presumíveis, assim, os prejuízos daí decorrentes, sendo o dano moral in re ipsa, não sendo necessária a prova do sofrimento ou do abalo psicológico, uma vez que este reside na própria violação do direito da personalidade praticado pela ofensora”, reforçou o julgador.

No acórdão lavrado, o relator destacou ainda o acordo firmado anteriormente pela Vale. “Sobre a ocorrência do dano moral no presente caso, seja decorrente de transtorno do estresse pós-traumático ou outra forma de manifestação, vale lembrar que a própria ré, em acordo firmado no processo ACP Nº 0010357-31.2019.5.03.0142, reconheceu obrigação de pagar indenização por danos a trabalhadores sobreviventes, no valor total de R$ 250 mil. Desse total, R$ 150 mil por danos materiais e R$ 100 mil por danos morais. E, para os trabalhadores lotados, o valor de R$ 80 mil, sendo R$ 40 mil por danos materiais e R$ 40 mil por danos morais”.

Para o julgador, se a empresa reconhece o direito espontaneamente aos que considera elegíveis, o mesmo direito há de ser reconhecido àquele que apresente condição idêntica. “E no caso, conforme demonstrado no processo, está provado que o autor da ação ostenta a condição de lotado, situação idêntica para a qual reconheceu haver danos morais indenizáveis”.

Por fim, o magistrado ressaltou que, se fosse o caso, a empregadora poderia alegar e provar que a situação do autor o distinguiria dos demais a ponto de negar reconhecer-lhe o mesmo direito (CPC 141, 373 II, 374, 492; CLT 818 II). “E, neste caso, a empregadora não se desincumbiu do ônus nem de alegar, tampouco de provar”, frisou.

Segundo a decisão, o dano moral diz respeito às ofensas aos direitos de personalidade (artigo 5º, V e X, da Constituição da República), tendo como matriz a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da CF). Nesse sentido, dispõe o artigo 186 do Código Civil que o dever de indenizar decorre de uma ação ou omissão de alguém que causa uma lesão ao patrimônio jurídico de outrem, mesmo que moral.

O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil admite a responsabilidade civil objetiva, independentemente de culpa, “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Para o desembargador relator, nesse caso, aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva da empregadora, na forma prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, haja vista que o ramo da mineração induz, por sua natureza, risco especial e diferenciado ao trabalhador. “Ademais, o risco na atividade laboral era acentuado, notadamente pelas discussões e análises apresentadas após o primeiro acidente, na mina de Mariana”, pontuou.

Mesmo assim, ponderou que os fatos relevantes relativos às causas do rompimento da barragem são de conhecimento público e notório, amplamente divulgados pela mídia. “Dessa forma, é de se concluir, inclusive, pela ocorrência da responsabilidade subjetiva da demandada pelo acidente na barragem, considerando que a Vale violou o direito constitucional do trabalhador referente à redução dos riscos inerentes ao trabalho, conforme previsto no artigo 7º, XXII, da Constituição”.

Para o magistrado, foi notório o comportamento ilícito da empregadora, consubstanciado na omissão ao não adotar procedimento seguro e necessário para eliminar ou reduzir os riscos da atividade, o que influiu diretamente na ocorrência do acidente e, via de consequência, no seu resultado trágico. “Logo, por qualquer caminho que se adote, seja a responsabilização objetiva ou subjetiva, mostra-se indubitável o ilícito trabalhista gerador de indenização por dano moral, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, em face da inobservância das regras legais atinentes à segurança e saúde do trabalhador”.

Assim, presentes os elementos necessários para a configuração da responsabilidade civil e o dever de indenizar, entendeu-se que o motorista faz jus à indenização pelos danos morais sofridos. Quanto ao dano moral, o magistrado de 1º grau fixou o valor de R$ 200 mil ao pedido inicial de indenização. Mas, para o relator do recurso, o montante de R$ 80 mil para a reparação do prejuízo moral suportado pelo trabalhador observa os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e se mostra condizente com a extensão dos danos sofridos e a capacidade econômica da empresa.

“Nos autos de ação civil pública, foi celebrado acordo entre a Vale S/A e diversas entidades sindicais, tendo sido pactuado, em relação aos empregados lotados, o pagamento R$ 80 mil, abrangendo o dano moral ou material. Não se ignora que os valores arbitrados em outros processos não vinculam este juízo. No entanto, não é razoável estabelecer valores muito mais vantajosos para alguns em detrimento dos valores que foram acordados pela Justiça do Trabalho e variados sindicatos para a mesma situação fática”, concluiu o julgador. Não cabe mais recurso ao TST. Já foi iniciada a fase de execução.

Fotoarte: Leonardo Andrade

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