Debatedor 2 - Des. Luiz Ronan: Escravidão moderna é a venda de sonhos
Encerrando o Congresso e fechando o painel A reforma trabalhista e o combate ao trabalho escravo contemporâneo: Impactos e soluções, o desembargador Luiz Ronan Neves Koury, 2º Vice-Presidente do TRT de Minas, Ouvidor e Diretor da Escola Judicial, citou o espanhol Joaquin Herrera Flores. O autor pontua que os Direitos Humanos têm o papel de abrir e consolidar espaços de luta pela dignidade humana. Nesse sentido, o magistrado lembrou que os direitos humanos nascem a partir da Declaração Internacional de 1948 e com o sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos. Também citou a autora Flávia Piovesan, segundo a qual o sistema normativo internacional constitui uma espécie de constituição global de defesa de Direitos Humanos.
Uma questão considerada fundamental pelo magistrado é que a dignidade da pessoa humana pautou as Constituições. “Isso passou a ser referência e reverência das Constituições”, explicou, ressaltando que, quando o artigo 4º da Declaração Universal dos Direitos do Homem veda, de forma absoluta, a escravidão, cria uma cláusula pétrea internacional, da mesma forma que não se permite a tortura. O desembargador chamou a atenção para a necessidade de respeitarmos essa premissa, de forma absoluta, sem relativização, sem qualquer forma de atenuação. E fez referência aos artigos 5º, inciso III, XII e XLVII, da CF/88, todos tratando do trabalho degradante, forçado, exaustivo. Mencionou ainda as Convenções 29 e 105 da OIT. “Do ponto de vista da fundamentação jurídica, não tem como separar, temos que nos valer necessariamente, indiscutivelmente, de uma concepção contemporânea dos direitos humanos”, afirmou.
A definição do trabalho escravo contemporâneo também foi objeto de sua análise. “Não há como falar disso sem nos reportarmos à nossa história. São 350 anos em que ocupamos o maior espaço escravagista do mundo ocidental. São 10 milhões de escravos que vieram para o Brasil”, comentou, referindo-se agora a Laurentino Gomes. De acordo com o desembargador, o escritor relatou que 40% dos escravos do mundo ficaram nas senzalas brasileiras. “Se conjugarmos a escravidão da época, tida como clássica tradicional, com a escravidão contemporânea, a conclusão a que vamos chegar é que somos viciados em escravidão”, lamentou, ponderando que isso se dá de forma sub-reptícia, sutil, alterando a legislação, criando condições novas que favorecem essa prática.
O magistrado também tratou da definição do trabalho escravo, lembrando que o artigo 149 do Código Penal dispõe sobre as jornadas forçadas, exaustivas, condições degradantes, restrição à locomoção. E, no seu modo de entender, o estigma da escravidão, hoje em dia, já não afeta apenas os afrodescendentes. O que fala mais alto é a pobreza. “É o desemprego, a falta de opção, a venda dos sonhos”, avaliou. Ademais, apontou como crucial a questão do aviltamento à dignidade e o desrespeito à vida.
Lembrando que o escravo tradicional era considerado “patrimônio” do seu senhor, o debatedor observou que o escravo contemporâneo não é patrimônio de ninguém. “Ele paga para ser escravizado, paga pelo alojamento, paga pela comida, pelo transporte”, ironizou.
“Mudam-se o tempo e a realidade, mas não muda a essência da escravidão”, concluiu, considerando crítica a situação do trabalhador diante da reforma trabalhista, aprovada a toque de caixa, ao contrário da própria CLT, cuja construção levou 13 anos.
Sobre os impactos e soluções, o desembargador avaliou que existem apenas impactos. “Quando se flexibilizam as leis, precariza-se, facilita-se o trabalho análogo ao trabalho escravo”, concluiu e finalizou apontando uma certa “nostalgia escravocrata” na intenção desumana dessa açodada Reforma Trabalhista.