Des. Sércio Peçanha: inconstitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória
O desembargador Sércio da Silva Peçanha falou sobre o fim da contribuição sindical obrigatória e suas consequências para as entidades sindicais e categorias representadas. Crítico das mudanças trazidas pela reforma, ele afirma que, em verdade, os efeitos reais de tudo isso só o tempo vai dizer.
Primeiramente, observou que a Lei 13.467/17 provocou significativa alteração no direito material do trabalho, sobretudo no direito coletivo do trabalho. “O que me pareceu em uma primeira leitura é que, aparentemente, o que a reforma teve como norte foi o de reforçar o poder dos sindicatos, para que estes, como legítimos representantes das categorias profissionais e econômicas, estabeleçam as normas que melhor seriam aplicáveis aos contratos de trabalho de cada segmento ”, pontuou, lembrando que também se permitiu aos empregados com salários maiores que possam negociar diretamente com o empregador as suas condições do trabalho. Enfim, a reforma deu maior liberdade para as partes negociarem os seus contratos. “Teoricamente a ideia é ótima; no campo prático, peca em muito e vai trazer prejuízos”, pondera.
O preço da liberdade - Entrando no mérito do tema abordado, o palestrante cita o art. 511 da CLT, que define o sindicato como a associação para fins de defesa dos interesses de todos os empregados que exerçam a mesma profissão. E aqui ele observa que, por lei, o sindicato representa todos, o que o difere de uma associação: “O sindicato, por definição legal, não representa só os filiados, mas a todos e por isso, o negociado atingirá toda a categoria, mesmo os não filiados”.
Mas a reforma extinguiu a contribuição sindical obrigatória, sob o fundamento de que ninguém pode ser obrigado a contribuir para um sindicato ao qual não seja filiado. O novo artigo 545 da CLT diz que só se pode descontar a contribuição se o empregado expressamente concordar – o que, em tese é bom, pela consagração da liberdade sindical, mas nem tanto, conforme pondera o articulista.
Amarras legais - Sércio Peçanha chama a atenção para o fato de que a média de sindicalização dos trabalhadores no País é de 16,2%, mais ou menos 17 milhões de pessoas. Ou seja, a grande maioria dos trabalhadores não é sindicalizada. E ainda tem um complicador: adotamos o princípio da unicidade sindical, pelo qual, em uma mesma base territorial, só pode existir um sindicato representativo da categoria. Ao contrário da pluralidade sindical, que permite vários sindicatos de uma mesma categoria em uma mesma base territorial.
“Vejam que a nossa Constituição consagra o princípio da unicidade sindical e também dispõe que é direito do sindicato receber a contribuição confederativa (art. 8º)”, aponta. Pois bem, se os sindicatos é que vão negociar, é necessário que estejam ambos – o de empregados e o de empregadores - em igualdade de condições, prossegue o palestrante em seu raciocínio, lembrando que nenhuma instituição funciona sem recursos financeiros para se sustentar.
Nesse ponto, ele passa a enumerar as fontes de receita possíveis a um sindicato: 1) contribuição sindical; 2) mensalidade ou anuidade cobrada dos filiados; 3) contribuição confederativa, que só poderá cobrar de quem é associado; 4) contribuição assistencial, prevista no art. 513 da CLT e que sempre foi cobrada de toda a categoria, mas que agora também só se pode cobrar dos filiados; 5) outras fontes como doações, aplicações financeiras, etc.
Desigualdade entre iguais – O palestrante lembra, entretanto, que é muito raro o sindicato profissional ter outra fonte de receita. Ao contrário das entidades patronais, como a Fiesp, que teve renda de 164 milhões de reais em 2016, representando a contribuição sindical apenas 11,1 milhões e o restante proveniente de outras fontes, como os recursos do “Sistema S”, aluguéis, etc.
Passando a fazer um raio X da destinação da contribuição sindical, ele explica que, no caso dos empregadores, 5% vão para a confederação, 15% para a federação, 60% ficam nos sindicatos e 20% vão para conta especial do Governo Federal. Já daquela recolhida dos empregados, são destinados 5% à federação, 10% para a central sindical, 15% para a federação, 60% ficam com o sindicato e 10% vão para o governo. Ou seja, segundo observa, nem toda a contribuição recolhida fica para o sindicato.
O pulo do gato - Nesse ponto, o palestrante toca numa questão fundamental para a tese defendida no artigo: a natureza jurídica da contribuição sindical. Nos termos do art. 548 da CLT, a contribuição constitui o patrimônio do sindicato, sob a denominação de imposto sindical. Assim, faz-se a conexão com o art. 217, inciso I, do CTN, que define a contribuição como tributo, como já reafirmado em jurisprudência reiterada do STF. Daí o pulo do gato na tese do palestrante: “Pois bem, se ela tem natureza tributária, a questão é: pode o integrante da categoria dizer que só paga se quiser?”, indaga triunfal.
Ele prossegue, observando que o art. 8º, inciso IV, da CF, prevê o pagamento da contribuição prevista em lei. Já o art. 146, inciso III, diz que cabe à lei complementar estabelecer normas de matéria tributária. Por seu turno, o art. 149 dispõe que compete privativamente à União instituir contribuições sociais e de interesse das categorias profissionais e econômicas. “Ou seja, está previsto na CF, que também fala que só a lei complementar pode dispor sobre matéria tributária, que a contribuição tem natureza tributária e, assim sendo, não se admite o voluntarismo da parte, isto é, se quero ou não quero pagar. Se é contribuição prevista na Constituição, todos têm que pagar”, enfatiza.
Portanto, segundo ponderou, quando o legislador infraconstitucional colocou na lei que o recolhimento da contribuição sindical é condicionado à autorização expressa do membro da categoria, foi além da sua competência: “Data máxima vênia, tenho que isso contraria dispositivo da Constituição”, conclui.
Ônus x bônus - Por fim, ele chama a atenção para o fato de que, mesmo se superada essa questão da constitucionalidade, a reforma dá poder ao sindicato, mas retira dele sua fonte de receita, o que cria um sério problema. “Como se opera a dominação?”, indaga e já emenda: “Pela força física ou pela força econômica”. E lembra que, ao se reduzirem as fontes de receita dos sindicatos profissionais, estes se tornarão mais enfraquecidos e vulneráveis ao poderio dos sindicatos patronais, num claro desequilíbrio de forças. E ainda há um contrassenso: as convenções ou acordos coletivos são aplicáveis a toda a categoria. Ou seja, o trabalhador não é obrigado a contribuir com nada, mas o reajuste negociado tem de ser aplicado ao contrato dele!
Finalizando, o palestrante aponta o que precisaria ser feito para sanar a questão: alterar a Constituição para substituir o princípio da unicidade pelo princípio da pluralidade sindical e ratificar o princípio da Convenção 87 da OIT, pelo qual só se associa e paga quem quiser, mas a convenção coletiva negociada só vai se aplicar aos associados. “Quem contribuiu, tem os ônus e os bônus. Quem não contribuiu não se aproveita das conquistas sindicais da categoria”, enfatiza, frisando que o novo art. 545 da CLT, criado pela reforma, contraria dispositivo constitucional e forjou uma situação muito desigual e problemática para os sindicatos profissionais.