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Servidor municipal em desvio de função tem direito a diferenças salariais

publicado: 15/05/2007 às 03h04 | modificado: 28/03/2017 às 12h17
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Ainda que se dê em relação de emprego firmada com ente público, como as autarquias, o trabalho em desvio de função não é admitido pelo Direito brasileiro, sendo devido o pagamento ao empregado das diferenças relativas ao valor do salário do cargo efetivamente ocupado. Quem explica é a juíza Taísa Maria Macena de Lima, convocada para compor a 1ª Turma do TRT/MG: “O desvio de função infringe preceito de natureza cogente e o enquadramento judicial, quando provada a sua existência, não exclui as autarquias pelo fundamento da ausência de lei instituidora dos indigitados cargos. Isto porque, a vedação de se manter uma situação irregular de prestação de serviço prejudicial ao empregado que esteja desempenhando funções relativas a um cargo mais vantajoso alcança a Administração Direta, Indireta ou Fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

Foi apurado no processo que, embora aprovado em concurso público para exercer o cargo de escriturário da SLU, com admissão em maio de 2000, a partir de junho de 2003 o reclamante passou a trabalhar como chefe da Seção de Patrimônio e no mês de outubro daquele mesmo ano acumulou também a função de Chefia da Seção de Compras, sem nunca ter recebido a remuneração correspondente. Ou seja, a partir de 2003, ele não exercia mais as funções típicas de escriturário, realizando tarefas mais complexas e que exigiam maior fidúcia e qualificação técnica.

A Turma considerou que, embora o autor não tenha se submetido a novo concurso público para ser enquadrado em cargo diverso daquele que ocupava antes do desvio funcional, isso não afasta o seu direito às diferenças pleiteadas. “O concurso público exigido pelo artigo 37, II, da Constituição tem por base princípios éticos que permeiam toda a ordem jurídica. Esta norma é de conteúdo formal pertinente à investidura em cargo ou emprego público, mas a restrição constitucional é específica e não abrange o trabalho na Administração Pública em que haja prejuízo ao empregado advindo de desvio de função, caracterizado pela irregularidade de prestação de serviço prejudicial ao empregado, que desempenha funções relativas a um cargo mais vantajoso” – esclarece a juíza.

Ela lembra que a reforma administrativa provida no âmbito do Município alterou a estrutura organizacional da SLU, sendo que os cargos discriminados pelo reclamante foram excluídos do quadro funcional da ré, dando lugar a outros de igual valor. Ainda assim, comprovada a prestação de serviços diferenciada, subsiste o direito do empregado de ter os salários próprios da função exercida, porque juridicamente inviável devolver-se a força de trabalho despendida por ele ao realizar esse trabalho. “Este entendimento harmoniza-se com a valorização do trabalho humano, princípio insculpido na Carta Magna, substrato da ordem econômica e primado fundamental da ordem social (artigos 170 e 193). Sob este prisma, não pode o hipossuficiente responder pela forma irregular com que a gestão da coisa pública é feita, mesmo em se considerando ser o erário que se tornará refém da irresponsabilidade administrativa perpetrada. Por esta razão, e pelo fato de na hipótese vertente a questão dizer respeito a desvio funcional, não se há falar em violação ao disposto no artigo 169, parágrafos 1o. e 2o., da CR/88” - conclui.

A relatora ressalta ainda que o princípio da isonomia garante a igualdade salarial entre empregados que exercem funções idênticas. E frisa: “Ele não assegura nenhuma situação jurídica específica, mas na verdade garante o indivíduo contra toda má utilização que possa ser feita da ordem jurídica. Tratando de igual forma todos os que estejam em idêntica situação perante a lei, estar-se-á prevenindo o cidadão contra o arbítrio e a discriminação infundada. Conclui que a isonomia, no direito moderno, além de ser um princípio informador de todo o sistema jurídico, assume também a condição de um autêntico direito subjetivo” .

Assim, ao se enquadrar corretamente o trabalhador, não se está contrariando a Constituição, mas apenas considerando a real função exercida pelo empregado, pouco importando a nomenclatura formal do cargo, já que o direito do trabalho privilegia a realidade sobre a forma.

Por esses fundamentos, a Turma deu provimento parcial ao recurso para deferir ao reclamante as diferenças salariais oriundas do desvio funcional, com reflexos nas parcelas salariais.

(01065-2006-003-03-00-9 RO – Sessão: 16/04/07)

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