Juíza entende que utilização de motocicleta por leiturista da Cemig é atividade de risco
Publicada originalmente em 01.03.2012
Na época em que atuava como titular da Vara de Caratinga, a juíza Laudenicy Moreira de Abreu condenou a Cemig (de forma subsidiária) e uma empresa por ela contratada a pagarem indenizações aos pais de um leiturista de energia elétrica que faleceu em acidente de trânsito. Para a magistrada, a utilização de motocicleta em trabalho intenso e excessivo gerou condição insegura para o trabalhador. No seu entender, a atividade apresentava risco acima da média e, por isso, justificava a aplicação da responsabilidade civil objetiva, para a qual não há necessidade de comprovar a culpa do empregador.
O acidente ocorreu quando o trabalhador conduzia sua motocicleta a serviço de sua empregadora e da Cemig, para quem prestava serviços. Ele trafegava por uma estrada vicinal de terra na zona rural do Município de São Domingos das Dores e se chocou com um caminhão, ficando gravemente ferido. Socorrido por ambulância e levado ao hospital, acabou falecendo dias depois. No inquérito policial o Delegado de Polícia concluiu que o trabalhador deu causa ao acidente, pois trafegava em alta velocidade e invadiu a mão direcional do caminhão, que trafegava em baixa velocidade. A mesma conclusão foi apresentada pelo Ministério Público Estadual.
No entanto, esse cenário não foi considerado suficiente pela juíza sentenciante para afastar o dever de indenizar das reclamadas. É que, segundo explicou a julgadora, os riscos da atividade econômica devem ser suportados por quem dela se beneficia. Daí o desenvolvimento da responsabilidade civil objetiva. O artigo 927 do Código Civil autoriza sua aplicação "independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem" . A julgadora acentuou que a regra não pode ser aplicada de forma incondicionada nos casos de danos decorrentes de acidente do trabalho. Nestes, continua prevalecendo a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa do agente, como previsto no artigo 7º, inciso XXVIII.
Mas, conforme esclareceu na decisão, em casos excepcionais, quando a atividade desenvolvida, por sua natureza, implicar risco aos trabalhadores, incidirá a responsabilidade objetiva. Esse era exatamente o caso do processo, na visão da magistrada. Ela baseou sua conclusão nos seguintes fatores: o reclamante tinha de usar motocicleta, meio de transporte notoriamente inseguro e inadequado; as vias transitadas eram precárias; os locais, de difícil acesso e em área rural, distantes uns dos outros; a grande demanda de serviço tinha de ser cumprida em determinado espaço de tempo; a jornada era extensa; a atividade estressante, penosa e fadigante, exigindo velocidade, rapidez e agilidade nos deslocamentos. "Nas leituras rurais, ao adotar a motocicleta como meio de transporte para os deslocamentos e exigir trabalho intenso, excessivo, sem intervalo para descanso e alimentação, extenuante e fadigante nos moldes mencionados, em nítida condição de estresse, a primeira reclamada criou condição insegura ao trabalhador, cuja atividade apresentava risco acima da média apurável se fosse exercida noutras condições, adequadas e seguras, por exemplo com uso do carro de passeio" , destacou a juíza.
A forma como o acidente ocorreu apenas vinha a confirmar o risco da atividade, na avaliação da magistrada. Para ela, o dever de indenizar estaria presente mesmo que a responsabilidade subjetiva fosse aplicável. Afinal, ao deixar de se conduzir da maneira como deveria se conduzir, as reclamadas agiram com culpa. Conforme observou, o acidente ocorreu em razão do trabalho, durante a jornada, presumindo-se daí que as condições de trabalho não eram suficientemente adequadas e seguras para eliminar ou amenizar danos à integridade física e à vida dos trabalhadores. "Diante das condições de trabalho, da natureza do veículo disponibilizado para os deslocamentos e das circunstâncias do acidente de trânsito, tem-se que as medidas adotadas demonstravam-se inadequadas e ineficazes para evitar o sinistro. E a eficácia e eficiência de uma política de segurança deve ter como meta o número zero de acidentes" , frisou.
Considerando evidentes os danos morais sofridos pelos pais em razão da perda do filho e, ainda, que a mãe era sua dependente econômica, a magistrada entendeu razoável conceder R$50.000,00 a título de danos morais. Também deferiu pensão à mãe no valor de 40% do salário mínimo legal até a data em que o trabalhador completaria 25 anos de idade e, na metade desse valor, a partir de então, até os 65 anos de idade. Pelas avarias comprovadas no veículo, a juíza deferiu o valor de R$1.339,00. No entanto, a 5ª Turma do TRT-MG, adotando interpretação diversa, absolveu as reclamadas das condenações impostas.