Sentença traz discussão sobre liberdade de associação no atual modelo sindical brasileiro
Publicada originalmente em 15/03/2011
Atuando na 14ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, o juiz substituto Bruno Alves Rodrigues analisou uma disputa judicial, iniciada pela Sociedade de Educação Integral e de Assistência Social- SEIAS e por suas filiais, Casa Santíssima Trindade e Casa de Nazaré, contra o SENALBA/MG- Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional do Estado de Minas Gerais. As autoras da Ação Declaratória de Enquadramento Sindical pretendiam obter o pronunciamento do juiz sobre a definição da representatividade sindical de seus empregados.
Entretanto, ao contrário do que era esperado pela SEIAS e suas filiais, o magistrado reprovou as condutas sindicais e patronal, que, no seu entender, afrontam o princípio da liberdade de associação e retratam a falência do sistema sindical brasileiro. Isso porque, conforme observou o julgador, a relação processual envolve um empregador e três sindicatos, que se reuniram para tentar decidir o enquadramento sindical de uma coletividade relegada a segundo plano.
No caso, a SEIAS relatou que é uma instituição religiosa, filantrópica, beneficente e de assistência social, mantenedora de vários colégios em alguns estados do País e que possui as filiais Casa Santíssima Trindade e Casa de Nazaré, espaços destinados à locação para eventos religiosos, retiros espirituais e palestras, além de hospedagem para irmãs religiosas idosas, que necessitam de abrigo e sustento. A SEIAS observa que, até 2004, mantinha acordo coletivo com o SENALBA, sendo que, em agosto daquele ano, notificou-o sobre sua decisão de não mais manter com ele acordos coletivos, em virtude da criação de um sindicato mais específico, que é o SINTIBREF (Sindicato dos Trabalhadores em Instituições Beneficentes, Religiosas e Filantrópicas de Minas Gerais).
No entanto, desde 2006, o SINTIBREF vem ajuizando contra as autoras medidas cautelares, ações de cumprimento de sua convenção coletiva de trabalho e ações de cobrança da contribuição sindical, nas quais, incidentalmente, discutiu-se enquadramento sindical dos empregados das duas casas. Essas decisões, ora pendiam para o SENALBA, ora para o SINTIBREF, sem um pronunciamento definitivo por parte do Judiciário. No entender das autoras, a assistência social praticada por elas não poderia ser classificada como atividade econômica, uma vez que resulta do objetivo altruísta da Instituição, o que deixaria fora de dúvida o seu caráter beneficente e filantrópico, razão pela qual, seus empregados podem ser abarcados pelo SINTIBREF.
O SENALBA se defende, alegando que as normas coletivas firmadas por ele são mais favoráveis aos empregados, que o SINTIBREF teria sido criado para atender aos interesses patronais e insiste em que a assistência social é a atividade preponderante da SEIAS. Já o SAAE- Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar do Estado de Minas Gerais (que também passou a integrar o processo), sustentou que a SEIAS tem o ensino como atividade principal e - como os auxiliares de administração escolar compreendem todos aqueles que exercem atividades não docentes em qualquer tipo de escola, inclusive as filantrópicas ¿ seria ela a entidade legítima para representar os empregados das autoras.
No meio desse fogo cruzado, o magistrado questionou: Mas, onde estão os empregados? Quais são os interesses dos empregados? Como estes se identificam coletivamente? QUEM são estes empregados? . Para o juiz, as condutas da empregadora e dos sindicatos revelam total descaso com a base e relegam a segundo plano a vontade coletiva dos reais interessados, ou seja, os trabalhadores que prestam serviços à SEIAS e suas filiais. No entender do julgador, os fatos ocorridos no processo reforçam a necessidade urgente de consolidação de um novo modelo sindical, no qual o Brasil não precise conviver com distorções legais, como a unicidade sindical e o financiamento sindical não espontâneo. Essas distorções, frutos de uma legislação ultrapassada, contribuem para a existência de entidades sindicais fragilizadas e distantes dos reais anseios das suas bases. A sentença traz em seus fundamentos a evolução histórica das Constituições brasileiras, desde a proclamação da República até os dias atuais, com a demonstração da forma como elas trataram a questão da estruturação dos sindicatos. A partir desse estudo, o magistrado reforça a sua crítica às distorções legais, referentes à estrutura sindical brasileira, existentes na CLT. Isso porque a CLT entrou em vigor em 1943, recebendo a influência da Constituição de 1937, que apresentava forte carga de intervencionismo estatal.
Depois disso, o texto celetista passou por poucas reformulações, enquanto as Constituições brasileiras apresentaram evoluções significativas. A Constituição de 1988, refletindo a dinâmica das lutas sociais do período de redemocratização, pôs fim à interferência e à intervenção do Estado na organização sindical. Nessa linha de raciocínio, o juiz ressalta que algumas regras sobre o sindicalismo, previstas na CLT, não acompanharam essa evolução. Em consequência, é possível observar que algumas normas da CLT entram em contradição com princípios constitucionais, e, quando isso acontece, dizemos que a norma não foi recepcionada pela Constituição. Interpretando os fatos dessa forma, o julgador entende que o modelo de enquadramento sindical regulamentado pelos artigos 570 e seguintes da CLT não foi recepcionado pela Constituição de 1988, porque é baseado em rígido modelo corporativista, com ampla intervenção estatal, contrariando o princípio da liberdade sindical previsto no artigo 8º, I, da Constituição. Portanto, o magistrado entende que todos os demais dispositivos do Capítulo II, do Título V, da CLT (Capítulo de Enquadramento Sindical), não foram recepcionados pela Constituição.
Em relação ao caso analisado, o julgador concluiu que nenhum dos sindicatos integrantes da relação processual conta com estrutura sindical recepcionada pela Constituição, já que afrontam o princípio da unicidade sindical. Por essa razão, o juiz declarou que a categoria profissional dos empregados da SEIAS e de suas filiais não se encontra representada por nenhuma das instituições envolvidas no processo.
Mas daí surge um problema: é necessário resguardar a validade dos instrumentos coletivos até hoje firmados pelos sindicatos que compõem a relação processual. Por isso, na visão do magistrado, seria necessário definir qual das entidades sindicais lesaria em menor intensidade a regular representatividade da categoria profissional dos empregados em questão. E a conclusão do juiz foi de que o SENALBA/MG e o SINTIBREF/MG jamais representaram os empregados. Isso porque, se por um lado o SAAE/MG fraciona a categoria dos empregados da atividade econômica de ensino, lesando o princípio da unicidade sindical, por outro lado o SENALBA/MG e o SINTIBREF/MG, sequer de forma fracionada, representariam algum membro dessa categoria. Analisando o primeiro objeto social da SEIAS, que é o de promover, através da escola, a educação, instrução e ensino integral de crianças, adolescentes, jovens e adultos, o julgador concluiu que a atividade preponderante da empregadora é o ensino. Nesse contexto, para meros fins de resguardo da aplicabilidade dos instrumentos normativos já existentes às relações de trabalho mantidas com a empregadora, o juiz sentenciante declarou que deverão ser observadas as convenções coletivas de trabalho firmadas pelo SAAE/MG. Há recurso aguardando julgamento no TRT mineiro.